“Alegra-te” – Maria, testemunha da alegria!

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O pontificado do Papa Francisco tem-se concentrado à volta da palavra alegria do Evangelho, da Verdade, do Cristão. Mas qual é a origem desta alegria? Começamos pela primeira palavra que foi dirigida à Maria pelo anjo: kαῖρε (kaire). «Alegra-te, cheia de graça!- O Senhor está contigo”» (Lc 1,28). Podemos então dizer que a primeira palavra do Evangelho, entendido como Boa Nova, é alegria que nasce de uma nova origem: Deus. Esta palavra se contrapõe às lamentações e injustiças da infinita e antiga tristeza do mundo. 

Ainda, diz o Papa Francisco : “A alegria cristã é o respiro do cristão, um cristão que não é alegre no coração não é um bom cristão. É o respiro, o modo de se expressar do cristão, a alegria. Não é algo que se compra ou que faço com esforço, não: é um fruto do Espírito Santo. Quem faz a alegria no coração é o Espírito Santo”.

Quantas vezes em nossa vida nos deparamos com os sofrimentos causados por nós mesmos, ou pelos outros, ou por aqueles que escolheram por nós; pelos erros no percurso da vida, naturais do ser humano, por aquelas dores que vem inevitavelmente. E “acostumados” em sofrer, escolhemos ser infelizes, ou até mesmo pensar que nascemos para o sofrimento.

Ouvi dizer uma vez que Deus não nos fez para sermos felizes nessa terra; isso contrapõe a boa nova. Claro que nada se comparará as delícias da vida eterna, mas será que é pecado ou egoísmo ser feliz? Ou a nossa sociedade está tão machucada que se esqueceu do anúncio do anjo: «Alegra-te, cheia de graça!- O Senhor está contigo”» (Lc 1,28). Podemos refletir.

O fato de Maria estar ligada à alegria enquanto Virgem e Mãe deixa antever na personalidade da Mãe de Jesus uma consequência de Deus no mundo e da Boa Notícia na vida: a plenitude do ser. O alegra-te do Anjo à Maria pertence no mundo hebraico à saudação que comportava o anúncio do Messias como podemos ver em:

  1. Sofonias 3,14: «Grita de alegria, filha de Sião! Canta, Israel! Alegra-te e exulta, de todo o coração, ó filha de Jerusalém!»
  2. Joel 2,21: «Terra, nada de medo, dança e canta, pois o Senhor fez coisas grandiosas»
  3. Zacarias 9,9: «“Dança de alegria, filha de Sião, dá vivas, filha de Jerusalém, pois agora o teu rei está chegando, justo e vitorioso. Ele é pobre, vem montado num jumento, num burrico, filhote de jumenta»
  4. Lamentações 4,21: «Vibra e faz festa, Filha de Edom, instalada em Us, chegará também a ti aquele cálice»

Como podemos ver esta saudação angélica não encontra em Maria uma simples surpresa ou até mesmo visão, mas é o completar de um tempo na profundidade da esperança. O tempo cumpriu-se como qualquer coisa que penetra o ser, o alcança desde a sua raíz e o atravessa possuindo-o com segurança. Esta alegria da Mãe do Senhor num tempo de insegurança ontem e hoje, onde o desamor, a debilidade, morte, dor e mal são fios que tecem a tristeza do véu do desespero da nossa contemporaneidade. 

Talvez possamos ver na amarga vida privada, social, política, cultural e religiosa quando esta tristeza esteja ligada com a impossibilidade de dizer sim. Dizer não, ou não responder é obstáculo à alegria apesar de todas as grandes vitórias que alcançamos. Pois a alegria que Deus oferece a Maria não tem a ver com progressos e vitórias. Joseph Ratzinger sobre a tristeza dos nossos dias testemunhou:

«O motivo da nossa tristeza é a vaidade do nosso amor, a tirania da nossa debilidade, da morte, da dor, do mal, da mentira: o nosso ser deixado sozinho num mundo contraditório, no qual os enigmáticos sinais da bondade divina, que penetram através das fendas, são colocados em questão pelo poder das trevas, que recaem sobre Deus ou o transmitem mas como impotente».

Na realidade, a tristeza do homem nasce no homem. As misérias e os sofrimentos, inevitáveis para o homem, pesam de forma única sobre o homem do nosso tempo por causa da sua debilidade interior. Eventualmente podemos pensar que o homem consegue se exprimir sobre o peso do silêncio de Deus, mas no final a tristeza tem como raiz o ateísmo e da alegria coloca as suas raízes na fé. 

O Papa Francisco continua nos ensinando sobre a alegria: “A alegria não é viver de risada em risada. Não, não é isso. A alegria não é ser engraçado. Não, não é isso. É outra coisa. A alegria cristã é a paz. A paz que está nas raízes, a paz do coração, a paz que somente Deus pode nos dar. Esta é a alegria cristã. Não é fácil preservar esta alegria”.

Perante esta descrição nos perguntamos onde está a alegria de Maria? a resposta está na segunda frase: «o Senhor é contigo». Para podermos entender o sentido deste anúncio, devemos regressar ao Antigo Testamento particularmente à passagem citada de Sofonias, pois contém uma dupla promessa para Israel, na figura da Filha de Sião: «Deus virá como Salvador e nela fará a sua morada». Então a longa raiz da alegria de Maria está no anúncio da habitação de Deus em nós. Esta promessa concretiza-se na Anunciação que personifica em Maria o ventre onde Deus viria habitar, pois era presente a Arca da Aliança. Pela primeira vez e única da história a Arca torna-se vivente, Mãe, Discípula, Maestra e portadora de vida. Em Maria, Deus marcou a criação tornando-a a imagem da perfeita alegria, por isso São Paulo VI afirma: «junto a Cristo, ela recapitula em si todas as alegrias, ela vive na alegria perfeita prometida à Igreja como Mater plena santae laetitae» (Gaudete in Domino).

Maria é então a Mãe da Alegria, este nome não é uma coisa refinada da espiritualidade de poucos mas é um nome essencial no cristianismo pois: «o Reino de Deus não é comida e bebida, mas é justiça e paz e alegria no Espírito Santo» (Rom 14,17). Assim sendo, alegria é o nome do homem criado para sonhar, projetar e alcançar e é o nome de Deus pois é o único capaz de dar a alegria que não conhece ocaso ao coração humano por isso Maria se alegra e é causa da nossa alegria.

Com isso, podemos refletir: Como estão as nossas alegrias? Qual a causa de nossa tristeza e qual o antídoto? Na alegria de Maria podemos aprofundar as respostas para a debilidade da alegria de nossos tempos; “o Senhor é contigo”, e é “conosco também”, até o fim!

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Responses

  1. Maravilhoso texto! Eu diria que essa “alegria” nos é intrínseca e inserida por Deus no mais profundo do nosso ser. Acredito que se soubermos mergulhar, guiados por estas palavras, no mais intimo de nosso ser, encontraremos essa alegria inserida por Deus; e só assim iremos constatar, que a “Alegria” lá deixada pelo Criador, só pode ser vista à luz do desapego das coisas temporais, valorizadas pelas nossas observações empíricas e nos focarmos naquilo que realmente importa e tem valor, ou seja, o amor Criador por nos. Belíssima reflexão! Deus lhe pague por partilhar conosco . Abraços! Wilson de Aparecida.

  2. O texto é belíssimo, vários pontos a alegria tomou conta do meu coração como por exemplo: pela primeira vez a Arca torna-se vivente, Mãe, Discípula, Mestra e portadora de vida. Em Maria, Deus marcou a criação . Tornando-a a imagem da perfeita alegria. Outro exemplo: A alegria cristã é a paz. A Paz que está nas raízes, a paz do coração, a paz que somente Deus pode dar! Muito profundo.

  3. É, realmente, um alegre convite!
    Convite à alegria! … de experimentarmos, diariamente, a alegria do Senhor da ternura, de sermos amados e consolados por Deus. Alegria que tem seu fundamento sustentado na escuta perseverante da Palavra de Deus, pela qual, por meio do testemunho, somos convidados
    a levar ao mundo, a mensagem de esperança e serenidade do poder e santidade de Deus, que nos devolve sentido e plenitude de vida.

  4. Texto maravilhoso que me tocou logo no início quando fala sobre a nossa alegria ser fruto do Espírito Santo. Isso é fato. Aconteceu comigo. O sentimento de ser tocada pelo Espírito Santo é imensurável em palavras. Me tornei luz!

  5. Que belo artigo ao apresentar Maria como a mãe da alegria!
    De fato a alegria de Maria se dá no diálogo entre ela e o Anjo Gabriel, sobre tudo na afirmação do anjo: “O Senhor está contigo”. Essa afirmação lhe dá confiança, paz interior, lhe enche de Deus. Só quem faz uma profunda experiência de Deus é capaz de sentir o que Maria sentiu, a alegria. Alegria de amar e ter a certeza de ser amada pelo Deus de amor.

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