Das graças à Graça – Relação Maria e Espírito Santo – Parte I

Introdução

Este artigo é formulado para agitar consciências e para dinamizar a nossa inteligência de fé usando a metodologia da ciência mariológica. Recentemente têm surgido dúvidas acerca de um argumento bastante recente: qual a relação entre Maria e o Espírito Santo e qual é hoje o significado das graças em relação a Maria. Procuramos responder a estes interrogativos ao longo do nosso artigo que será necessariamente dividido em várias partes para ser um percurso sério e formativo sem ideologias ou pré compreensões mas a partir da Escritura, da Tradição e do Magistério.

Na compreensão teológica escolástica, herdeira de Santo Agostinho (m. 430), vimos nascer grandes figuras como Santo Anselmo (m. 1109), São Tomás de Aquino (m. 1274) que trataram sobre as questões referentes à graça. Desta mesma teologia encontramos grandes debates como foi o baianismo de Michaël Baius (m. 1589) ou então o De Auxiliis (sobre o auxílio) que viu como protagonistas Luis de Molina (m. 1600) e Leonardo Lessius (m. 1623). Em ambiente protestante onde encontramos o eco da sola gratia temos a doutrina de Cornelius Otto Jansen (m. 1638) pregador da ultra rígida moral conhecida por giansenismo. Regressando à espiritualidade jesuítica em época moderna o francês Denis Petau (m. 1652) a quem devemos o termo graça criada com o ênfase que lhe é característico. No século XIX vamos ao encontro de outro entusiasta da doutrina do Espírito Santo herdada de Cirilo de Alexandria (m. 444): J.M. Scheeben (m. 1888). Teremos que entrar no século XX na aurora do IIIº milênio para encontrarmos, com a grande renovação teológica trazida pelo estudo da teologia bíblica e patrística, uma tratação sistemática sobre a teologia da graça que aceitou termos, outrora impensáveis, como justificação através da fé, justificação e pecado que existem simultaneamente na pessoa, entre outros. Com o Concílio Vaticano II (1962-1965) redescobriu-se como cada dimensão da realidade encontra a sua fundamentação no amor de Deus sem uma necessidade a priori de canais sagrados, pois foi necessário repensar a diferença entre natural e sobrenatural.

Com esta pequena introdução histórica nós entendemos como a teologia é evolutiva e como uma expressão plurissecular, mesmo que seja pronunciada pelo Santo Padre pode ter significados diferentes pois coloca-se na grande peregrinação da Igreja que é assistida pelo Espírito Santo pois como disse Jesus: «Quando ele vier, o Espírito da Verdade, vos guiará em toda a verdade. Ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo quanto tiver ouvido e vos anunciará o que há de vir» (Jo 16,13). 

Percepções comuns sobre a graça

Na linguagem cristã cotidiana nós chamamos graça a qualquer dom não requerido ou ajuda concedida por Deus livremente e por amor. Eventualmente permanece na nossa memória que a maior graça é aquela de termos sido salvos por Cristo através da fé: «agora, sem depender da Lei, a justiça de Deus se manifestou, atestada pela Lei e pelos Profetas, justiça de Deus que se realiza mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que crêem; pois não há diferença: todos pecaram e estão privados da glória de Deus. E só podem ser justificados gratuitamente, pela graça de Deus, em virtude da redenção no Cristo Jesus. É ele que Deus destinou a ser, por seu próprio sangue, instrumento de expiação mediante a fé. Assim, Deus demonstrou sua justiça, deixando sem castigo os pecados cometidos outrora, no tempo de sua tolerância. Assim também, ele demonstra sua justiça, no tempo presente, a fim de ser justo, e tornar justo todo aquele que se firma na fé em Jesus» (Rm 3,21-26); e também «não foi por causa da Lei, mas por causa da justiça que vem pela fé, que Deus prometeu a Abraão ou à sua descendência ser herdeiro no mundo. Portanto, se forem herdeiros os que se contentam com a Lei, a fé é esvaziada e a promessa fica sem efeito. Pois a Lei produz a ira: onde não há lei, também não há transgressão. Por conseguinte, é em virtude da fé que se dá a herança como dom gratuito; assim, a promessa continua firme para toda a descendência: não só para os que se firmam na Lei, mas para todos os que, acima de tudo, se firmam na fé, como Abraão, que é o pai de todos nós. […] entregue por causa de nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação» (Rm 4,13-16.25); e ainda «quando ainda estávamos mortos por causa dos nossos pecados, deu-nos a vida com Cristo. (É por graça que fostes salvos!). E ele nos ressuscitou com Cristo e com ele nos fez sentar nos céus, em virtude de nossa união com Cristo Jesus! Assim, por sua bondade para conosco no Cristo Jesus, Deus quis mostrar, nos séculos futuros, a incomparável riqueza de sua graça. É pela graça que fostes salvos, mediante a fé. E isso não vem de vós: é dom de Deus!» (Ef 2,5-8). Podemos então dizer que a salvação é uma graça que Deus deseja que oferecer a todos os homens: «Ele quer que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e a humanidade: o homem Cristo Jesus» (1Tm 2,4-6). Na realidade, a plenitude de graça de Cristo: «de sua plenitude todos nós recebemos, graça por graça. Pois a Lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo» (Jo 1,16-17) está no novo nascimento: «estes foram gerados não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.[…] Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade, te digo: se alguém não nascer do alto, não poderá ver o Reino de Deus!”» (Jo 1,13;3,3); e ainda «bendito seja Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Em sua grande misericórdia, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, ele nos fez nascer de novo para uma esperança viva, para uma herança que não se desfaz, não se estraga nem murcha, e que é reservada para vós nos céus. Graças à fé, e pelo poder de Deus, estais guardados para a salvação que deve revelar-se nos últimos tempos» (1Pd 1,3-5) pois o dom do Espírito Santo: «e a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5,5) nos torna filhos adotivos de Deus: «Todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. De fato, vós não recebestes espírito de escravos, para recairdes no medo, mas recebestes o Espírito que, por adoção, vos torna filhos, e no qual clamamos: “Abbá, Pai!” O próprio Espírito se une ao nosso espírito, atestando que somos filhos de Deus» (Rm 8,14-16) e membros do corpo de Cristo: «vós todos sois o corpo de Cristo e, individualmente, sois membros desse corpo» (1 Cor 12,27). 

De forma muito superficial esta é a teologia sobre a graça mas a necessidade teológica não deixou de reler a Palavra e de interpretá-la pelo que a autocomunicação de Deus foi apelidada de graça incriada, com tudo o que comporta a deificação da vida humana, graça criada, elevando-a a uma não meritada relação entre criatura e Criador para que esta possa antecipar a vida futura do paraíso. Neste contexto se encontra também o conceito de graça habitual, que significa a vida nova em Cristo ou graça santificante que seria o estado de quem é santificado pelo Espírito Santo. Quando o Espírito Santo age numa necessidade particular com uma ação específica chama-se ao efeito desta dinâmica a graça atual. E ainda podemos referir que quando Deus oferece a graça e esta é livremente aceita estamos perante a graça eficaz contudo se ela for refutada pelos homens torna-se graça suficiente. Na verdade, estamos perante um sistema de graça que procura explicar como a absoluta liberdade de Deus confere a graça sem comprometer a colaboração e a responsabilidade humana ainda que as decisões finais sejam já antecipadas pela presciência de Deus que se resume em conhecimento de eventos futuros. É o domínio do paradoxo cristão que tem, como veremos mais tarde, enormes reflexos sobre a vida de Maria enquanto Imaculada, Mãe de Deus e Mãe da Igreja. 

Comente abaixo o que você entendeu desse artigo! Lembrando que nos próximos dias teremos a continuação…

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Responses

  1. Penso que a Virgem Maria é uma obra verdadeiramente divina, achou graça diante de Deus acima de todas as criaturas, “prae creaturis universis”: “ O Senhor me possuiu no princípio de suas vias, antes de suas obras mais antigas. Eu fui fundada desde a eternidade, desde o início, antes da origem do mundo” (Provérbios, 8, 22-35), genuinamente inspirada por Deus à maternidade divina e à plenitude de graça. O “fiat” da Virgem Maria na anunciação foi pronunciado com a mais perfeita generosidade, para que santamente concebesse o Homem Deus, em plenitude de graça. Ao mesmo tempo é uma obra profundamente humana, porque destinada à salvação dos homens, aceita sem reservas, e sem exceções a edificante participação na obra da redenção: “para que ela desse à luz e permanecesse Virgem, para que cercasse seu filho com os cuidados mais maternais e mais santos; para que se unisse a ele na mais estreita conformidade de vontade, como somente uma mãe santíssima pode fazê-lo, durante sua vida oculta, sua vida apostólica e sua vida dolorosa; para que diga heroicamente seu segundo Fiat aos pés da Cruz, com ele, por ele e nele”, na pena apostólica do grande teólogo Pe Garrigou-lagrange.
    Ainda citando o insigne teólogo, na Virgem Maria não houve jamais “ato meritório imperfeito ou remitente” ; “isso teria uma imperfeição moral, uma menor generosidade no serviço de Deus”. Seus méritos obtém, portanto, imediatamente o aumento da caridade merecida. Os méritos de Maria eram, portanto, sempre mais perfeitos, seu coração puríssimo se dilatava como que sempre mais, e sua capacidade divina se engrandecia, segundo as palavras do salmo 118, 32- “Corri pelo caminho de vossos mandamentos, Senhor, quando dilatastes meu coração”. Considerando a finalidade da graça na Virgem Maria, em seguida a causa dessa graça, e o amor mútuo do Filho de Deus e de sua Santa Mãe, primeiramente por uma relação ao próprio Mistério da Encarnação, o crescimento da graça era sumamente conveniente como preparação próxima e imediata à Maternidade Divina. Em segundo, O Filho de Deus, tornando-se presente no seio da Virgem Maria, deveria enriquecê-la com graça maior. Ela foi, sem dúvida, acima de todas as criaturas, a mais próxima de Cristo, segundo sua humanidade, porque Dela ele recebeu a natureza humana, portanto no instante da Encarnação, a Virgem Maria, obteve um grande aumento da plenitude de graça, por obra do Divino Espírito Santo. E em terceiro lugar, o amor recíproco do filho por sua mãe e da Mãe por seu Filho confirma que essa graça é fruto do amor ativo de Deus pela criatura que Ele chama, ainda mais sua Santa Mãe, que é mais intimamente associada a ele que qualquer outra pessoa. Como diz o Pe. E. Hugon, falando do tempo em que o corpo do Salvador se formava no seio virginal da Virgem Maria: “Um progresso sem interrupções devia se realizar Nela, durante os nove meses, por assim dizer ex opere operato, pelo contrato permanente com o autor da santidade.
    Ensina São Tomás que devem ser santas e limpas todas as coisas destinadas para Deus. “ Não se prepara a morada para algum homem, mas para Deus”. (1Cr 29, 1). A Virgem era plena de graça previamente ao nascimento de Cristo, durante sua árdua missão com o povo judeu e, quando da Assunção, depois da Ressurreição de seu Divino Filho, conservou a mesma graça e recebeu a plenitude de glória. Na pena de Santo Afonso de Ligório ao citar São Bernardino de Sena, “desde o momento em que Maria aceitou ser Mãe do Verbo Eterno, mereceu tornar-se Rainha do mundo e de todas as criaturas”. E conclui com Arnoldo , abade: “se a carne de Maria, não foi diversa da de Jesus, como, pois, da monarquia do Filho pode ser separada da mãe? Por isso deve julgar-se que a glória do reino não é só comum entre a Mãe e o Filho, mas também que é a mesma para ambos.”

  2. Ter sido amada por Deus de forma completamente desinteressada, ter recebido e ainda hoje receber tanto amor, apesar da minha pequenez e dos meus pecados, me motiva a amá-Lo de volta e me dá maior clareza a respeito da minha miséria diante da misericórdia e Deus!

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