A realidade da vocação hoje é vista de forma diferente do que no passado, com o auxílio da psicologia e o grande desenvolvimento das ciências bíblicas acabaram por abrir um novo horizonte: o caminho pessoal de cada batizado que responde à vontade de Deus.
Antes mesmo de nomes, cores e fórmulas, existe a pessoa individual na comunidade eclesial com um chamado particular, pessoal e não diluído na imensidão de carismas tornando a pessoa um número anônimo. O Espírito Santo conduz individualmente num caminho eclesial, a cada pessoa para afirmar o seu fiat.
A vertiginosa falta de Sacerdotes, frades, freiras e missionários levou-nos a ter que repensar o que é afinal a vocação e aí o gigante adormecido dos leigos têm-se erguido como uma montanha através das novas comunidades eclesiais e não só… a função específica de cada um de nós na vida da Igreja!
Quem sabe é vontade de Deus que a Igreja redescubra a vocação do sacerdócio batismal e com ela estimule a uma vida eclesial mais coerente com o Evangelho, onde os batizados não são meros expectadores mas colaboradores em primeira linha com a obra da salvação?
Coloquemos uma pergunta:
A vocação é um grande mistério de fé onde o protagonista é Aquele que chama de forma: livre e soberana segundo a sua insondável vontade.
A resposta é pessoal, porque não nos chama anonimamente, criando um projeto de vida que não está fora de nós, mas nas fibras do nosso ser.
A resposta é irrepetível, porque fomos criados para fazer ou ser algo para o qual ninguém fora criado. O meu lugar é tão importante quanto toda e qualquer outra vocação.
A resposta é um aspecto da revelação divina onde acontece o diálogo entre Deus, homem e mundo no qual se espelha o projeto divino para orientar a existência.
Sem Palavra não existe o chamado!
A resposta é uma realidade dinâmica por que se realizada no chamamento contínuo e na resposta contínua que inicia no tempo e termina na eternidade.
Todos os elementos apresentados confluem na pessoa de Maria que se apresenta na encruzilhada de todas as vocações, e é através da compreensão da vocação de Maria que se compreende a vocação do Mariólogo e do Cultor de Mariologia.
Maria no caminho da vocação
A fé já é um chamado para responder à Palavra de Deus.
Na vida de fé, cada fiel recebe sucessivos chamados (vocações, inspirações) para cumprir alguma missão ou tarefa, sempre a serviço da comunidade eclesial e humana, ou seja, por nós homens e pela nossa salvação. Entre os vários apelos ou inspirações, existe um mais concreto para cada fiel que orienta, de forma habitual que é o caminho específico da santidade e do apostolado.
É nesse momento que podemos falar de:
– vocação laical, maior inserção nas estruturas humanas;
– vocação para a vida consagrada, profissão dos conselhos evangélicos;
– vocação sacerdotal, para agir em nome de Cristo Sacerdote e Bom Pastor e viver como ele.
Neste caminho, Maria a Mãe de Jesus e Mestra dos Apóstolos é o modelo de toda vocação cristã. Ela se faz presente, de modo ativo e maternal, em todo o processo ou caminho vocacional de cada pessoa e de cada comunidade.
A VOCAÇÃO DE MARIA, IMAGEM DA IGREJA
Depois da Anunciação (cf. Lc 1,26ss), Maria aparece sempre atenta a cada chamado de Deus, para se deixar surpreender pelo seu amor. A sua vida é totalmente doada, para viver de surpresa em surpresa: visita a Isabel, vida em Belém, exílio no Egipto, vida em Nazaré, vida pública de Jesus, no Calvário, em Pentecostes. O seu sim (Lc 1,38) reflete uma atitude de resposta permanente a qualquer sinal do chamado de Deus, que lhe chega através das pessoas, dos acontecimentos, das necessidades da comunidade.
Por isso, São João Paulo II na sua Encíclica sobre o Rosário nos recorda que «toda a humanidade está como que concentrada no fiat com o qual prontamente [Maria] corresponde à vontade de Deus» (Rosarium Virginis Mariae 20).
Existe um momento no seguimento evangélico de Cristo, que só o evangelista São João nos transmitiu no final da passagem sobre as bodas de Caná: «depois disso, desceu a Cafarnaum com sua mãe, irmãos (parentes) e seus discípulos» (Jo 2,12).
Esta atitude de seguimento é consequência de ter aceitado o mistério das palavras de Jesus: «ainda não é chegada a minha hora» (Jo 2,4). Equivale a uma atitude de fidelidade à aliança: «fazei tudo o que ele vos disser» (Jo 2,5; cf. Ex 24,7). Isto significa que a vida de Maria está indissoluvelmente unida à vida de Cristo.
Maria, a mulher, a Nova Eva, associada a Cristo Esposo, é figura da Igreja e, consequentemente, de toda vocação. Ela é, como nos diz São João Paulo II quando aborda a formação sacerdotal «a pessoa humana que mais do que qualquer outra correspondeu à vocação de Deus, que se tornou serva e discípula do Verbo até conceber no seu coração e na sua carne o Verbo feito homem para o dar à humanidade» (Pastores Dabo Vobis 82). E ainda, na mesma Exortação Apostólica Pós-Sinodal acrescenta: «em íntima comunhão com Cristo, Maria, a Virgem Mãe, foi a criatura que sobretudo viveu a plena verdade da sua vocação, porque ninguém como ela respondeu com tanto amor ao imenso amor de Deus», (Pastores Dabo Vobis 36).
Em Maria de Nazaré se resumem todas as vocações, que se concretizam sempre no serviço a Jesus de Nazaré, presente nos irmãos, sobretudo aos mais necessitados.
As figuras bíblicas, relacionadas a Maria, destacam alguns aspectos de sua vocação de associação com Cristo. A figura de José é a mais significativa, como resposta generosa à surpresa de Deus:
A Igreja, como família, encontra em Maria o modelo de vida familiar em todos os seus aspectos:
– Viveu uma vida ordinária na sua casa de Nazaré (Lc 1,36):
– enfrentou com seu marido São José todas as vicissitudes do nascimento do menino Jesus;
– apresentou o Filho aos pastores (cf. Lc 2,16 ) e aos magos (cf. Mt 2,11);
– ofereceu Deus feito homem no templo, segundo a lei (cf. Lc 2,22);
– viveu o seu mistério com admiração (cf. Lc 2,33);
– celebrou assiduamente com ele a festa anual da Páscoa (cf. Lc 2,41);
– partilhou com São José a dor da sua ausência (cf. Lc 2,48);
– acompanhou a educação de Jesus até aos trinta anos (Lc 2,40.52; 3,23).
A sua vida exemplar como esposa de José a ajudou a compreender as necessidades concretas dos recém-casados em Caná. Ali Jesus a chamou de mulher (Jo 2,4), com a nuance de quem, sendo filha de Sião (cf. Sf 7,14; Lc 1,28ss), prefigurava a realidade da Igreja como uma esposa.
Neste chamado contínuo a maternidade de Maria em relação a Jesus recebeu uma nova dimensão eclesial junto à cruz, a qual foi simbolizada através da sua peregrinação histórica em direção à Jerusalém Celeste (cf. Ap 12,1).
Maria é modelo e auxílio da vocação de toda a Igreja, sendo ao mesmo tempo virgem consagrada, esposa fiel, mãe fecunda e participante, de modo particular, da realidade sacerdotal de Cristo.
A VOCAÇÃO DA IGREJA EM SUA DIMENSÃO MARIANA
A vocação é sempre um chamado gratuito, um dom de Deus: Cristo chamou a quem quis (Mc 3,13) e testemunhou que foi sua iniciativa: Não me escolhestes vós, mas eu vos escolhi (Jo 15,16).
Os dons de Deus tornam possível a colaboração e uma resposta adequada. Se a messe é grande e os trabalhadores são poucos, somos convidados a por isso, rogar ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a sua messe (Lc 10,2).
A resposta vocacional deve ser endossada e acompanhada de uma reta intenção, que se concretiza em motivações adequadas e consistentes:
Deve ser também uma resposta livre e relativamente madura, sem sérios condicionamentos psicológicos ou sociológicos, tendo em conta que a liberdade é um processo permanente de verdade no oferecer-se ao serviço da vontade do Pai.
Manter esta resposta consistentemente pressupõe uma adequação traduzida em qualidades físicas, psíquicas, intelectuais e morais, em harmonia com a vocação específica a que se foi chamado e que se deseja seguir.
Deus quis o sim livre e responsável de Maria (Lc 1,30). Por tudo isto é que São Paulo VI afirmou que «a partir do consentimento da serva do Senhor, a humanidade começa o seu retorno para Deus» (Marialis Cultus 28). A iniciativa e a responsabilidade são parte integrante da resposta a uma vocação.
Quando a Virgem, em Caná, convidou os servos a seguirem as indicações de Jesus («fazei tudo aquilo que ele vos disser» Jo 2,5), tornou-se evidente a dimensão cristológica da resposta à vocação.
Na realidade, a primeira Aliança foi selada com um sim no Êxodo, com a resposta do Povo de Israel a Moisés a respeito da Aliança do Sinai «faremos aquilo que ele nos disser» Ex 24,7. A Nova Aliança segue a mesma regra, como continuação da primeira e como plenitude e cumprimento das promessas: «Faça-se em mim segundo aquilo que disseste», (Lc 1,38; cf. Ex 24,7).
O segue-me (Jo 1,43), que Cristo dirige aos seus primeiros discípulos, é o ponto de referência de toda vocação cristã. É um olhar de amor (cf. Mc 10,22) ou mesmo uma declaração de amizade: «vós sereis meus amigos» (Jo 15,14). A Antiga e a Nova Aliança são um pacto de amor, ao qual Maria, em nome de todos, respondeu com um sim incondicional e generoso.
A meta de toda vocação é sempre relacional, estar com ele (Mc 3,14). Os primeiros chamados começaram assim a sua vocação: «ficaram com ele» (Jo 1,39). Jesus quis resumir esta atitude relacional com estas palavras: «vós estais comigo desde o princípio» (Jo 15,27).
Assim também os chamados, querendo ser o instrumento vocacional para os outros, seguem a mesma regra, convidando-os a encontrar Cristo: «encontramos o Messias… ele os conduziu a Jesus… Vinde e vede» (Jo 1,41.46). O convite de Maria a Caná consiste em colocar os servos em relação com Cristo (cf. Jo 2,5). E ela mesma seguiu Cristo com os seus discípulos (cf. Jo 2,12).
A diversidade de vocações e a diferença entre elas não podem ser esclarecidas com termos humanos de privilégios. Na realidade, toda vocação tende a tornar a pessoa chamada expressão do Amor de Deus a serviço dos irmãos. Na comunidade eclesial, o maior é aquele que mais ama. Por isso, para São João Paulo II, justamente «o amor abrange todas as vocações» (Novo millennio ineunte 42), seguindo o pensamento de Santa Teresinha de Lisieux que queria ser o amor no coração da Igreja.
O modelo perfeito da vida espiritual e apostólica (laical) é a Bem-Aventurada Virgem Maria, rainha dos apóstolos, que, vivendo na terra uma vida comum a todos, cheia de solicitude e trabalho, esteve sempre intimamente unida ao seu Filho, e cooperou de forma totalmente singular na obra do Salvador. É esta encruzilhada do mistério que o atual Magistério encontra na vocação de Maria, e na nossa vocação em relação a Maria.
A vocação sacerdotal encontra em Maria uma ajuda particular para representar Cristo com autenticidade e coerência:
O sacerdote:
– participa da consagração sacerdotal de Cristo, realizada no ventre de Maria;
– prolonga a ação salvífica de Cristo, que quis e quer associar a Virgem de Nazaré;
– vive em harmonia com os sentimentos de Cristo, que o torna responsável (enquanto discípulo amado) a recebê-la na sua intimidade, realizando o ministério de amá-la e fazê-la amada por todos os fiéis.
É um chamado a viver com docilidade e generosidade segundo o que se é e faz. Sobre este aspecto o Concílio Vaticano II quando falou sobre o ministério e a vida sacerdotal clarificou que: «maravilhoso exemplo desta docilidade encontram-no na bem-aventurada Virgem Maria, que guiada pelo Espírito Santo, se dedicou totalmente ao mistério da redenção dos homens, Ela, a quem os presbíteros devem amar e venerar com devoção e culto filial, como Mãe do sumo e eterno sacerdote, como rainha dos Apóstolos e auxílio do seu ministério» (Presbyterorum Ordinis 18).
E ainda, no decreto sobre a Formação Sacerdotal: «Amem e venerem com filial confiança à Santíssima Virgem, que foi dada como mãe ao discípulo por Jesus Cristo moribundo na cruz» (Optatam Totius 8).
Maria é a «Mãe do Eterno Sacerdote e, portanto, Mãe de todos os sacerdotes, de modo especial sente preferência pelos sacerdotes, que são imagem viva de Jesus» (Pio XII, Menti nostrae sobre a sobre a santidade da vida sacerdotal). Por isso, os sacerdotes «devem venerá-la e amá-la com devoção e adoração filial», como Mãe do Sumo e Eterno Sacerdote, Rainha dos Apóstolos e mantenedora do seu ministério (Presbyterorum Ordinis 18).
A espiritualidade sacerdotal mariana se expressa com a identificação da vida cristã de Maria enquanto:
São João Paulo II também acrescenta na exortação pós-sinodal sobre a formação sacerdotal: «todos os aspectos da formação sacerdotal podem ser referidos a Maria. A Santíssima Virgem continua a velar pelo desenvolvimento das vocações e da vida sacerdotal na Igreja» (Pastores Dabo Vobis 82).
A vocação à vida consagrada em suas várias formas é uma identificação eclesial com a vida apostólica (cf. Vita Consecrata 93), com a particularidade de seguir um carisma fundamental e de assumir compromissos especiais de vida evangélica diante de Deus e da Igreja (consagração).
O modelo é Maria de Nazaré (Vita Consecrata 18), recordando e dando sentido à sua dimensão esponsal e à sua fecundidade espiritual e apostólica (Vita Consecrata 34).
Cada vocação e, de modo especial, a vocação de radicalidade evangélica, segue «o exemplo de Maria de Nazaré, a primeira discípula, que aceitou colocar-se a serviço do desígnio divino com o dom total de si mesma» (Vita Consecrata 18). Segundo o Evangelho de João, o seguimento evangélico do grupo apostólico começou depois do milagre de Caná: «Jesus manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele. Depois disso, desceu a Cafarnaum com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos» (Jo 2,11-12).
Agora que fomos capazes de compreender a vocação de Maria em cada um dos estados de vida na Igreja, Sacerdotal, Consagrada e Laical fica a pergunta: e a vocação à Mariologia?
MARIOLÓGOS E CULTORES DE MARIOLOGIA NA BUSCA PELA VERDADE MARIOLÓGICA
Entre as vocações suscitadas na Igreja pelo Espírito, distingue-se a do teólogo, e mais ainda a do Mariólogo ou cultor de Mariologia que em modo particular tem a função de adquirir, em comunhão com o Magistério e como tal no conhecimento dos documentos magisteriais, uma compreensão sempre mais profunda da Palavra de Deus contida na Escritura inspirada [Mariologia Bíblica] e transmitida pela Tradição viva da Igreja [A história da Mariologia até aos nossos dias].
Por sua natureza a fé se apela à inteligência, porque desvela ao homem a verdade sobre o seu destino e o caminho para o alcançar. Quando não somos capazes de entender com a inteligência as verdades sobre Maria dentro do Mistério de Deus, apenas nos resta caminhar para a verdade, sem a qual estamos cegos.
Mesmo sendo a verdade revelada superior à nossa linguagem, e sendo os nossos conceitos imperfeitos perante a sua grandeza, em última análise insondável (cf. Ef 3,19), a Serva do Senhor reconhece a sua grandiosidade. A verdade atrai e convida à razão, que é o instrumento oferecido por Deus para caminharmos para a verdade, tal como Maria, ao entrar na sua luz, tornando-se assim capaz de compreender, em certa medida, aquilo em que se acredita. Nós sabemos que Maria tem fé, nós sabemos que ela é parte do mistério revelado, então é parte daquilo que acreditamos.
A ciência mariológica, responde ao convite da verdade, busca a inteligência da fé, auxilia a Comunidade Eclesial, de acordo com o mandamento do Apóstolo (cf. 1 Pd 3,15 «estejam sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês»), a dar razões da sua esperança, àqueles que a procuram e também aos indefinidos que pedem uma explicação da verdade.
O trabalho do Mariólogo e do cultor de Mariologia responde assim ao dinamismo interno da nossa fé porque a presença de Maria auto comunica-se em todos os âmbitos da fé, da vida das comunidades, dos grandes eventos eclesiais, dos Santuários, do Ano litúrgico, dos mistérios revelados entre outros.
Quando meditamos seriamente sobre a razão pela qual o homem foi criado, nós entendemos que foi para perceber a verdade, e esse foi o caminho de Maria. Nenhuma criatura esteve tão próxima, unida à verdade quanto Maria. E o nosso desejo é conhecer a verdade mas de uma forma profunda, para ali encontrar a salvação (cf. 1 Tm 2,4, «que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade»).
Não é possível trair o mandamento que o Senhor deixou ao enviar os seus apóstolos para que fizessem «discípulos» todas as nações e as ensinassem (cf. Mt 28). A Mariologia busca a «razão da fé» em Maria e àqueles que procuram oferecer a esta razão como uma resposta, constitui parte integrante da obediência a este mandamento, porque os homens não podem tornar-se discípulos da Mestra da Verdade se a verdade contida na Palavra da fé, que é seu Filho, não lhes for apresentada (cf. Rm 10,14s.)
Se a Mariologia não for capaz de expressar a verdade que Maria vive, para que serve?
A Mariologia oferece a sua contribuição para que a fé se torne comunicável, e à inteligência daqueles que não conhecem ainda o Filho de Maria, Jesus possam procurá-lo e encontrá-lo. A Mariologia, que obedece ao impulso da verdade, tende a comunicar-se, nasce do amor e do seu dinamismo fruto do Espírito Santo.
E como reconhecer?
No ato de fé, Maria conhece a bondade de Deus e começa a amá-lo, mas o amor deseja conhecer sempre melhor aquele a quem ama. Desta dúplice origem da Mariologia, inscrita na vida interior de alguns membros da comunidade eclesial e na sua vocação missionária, não fosse Maria a primeira missionária, deriva o modo pelo qual a Mariologia deve ser elaborada para se entender a si mesma como vocação: estudo e Anúncio.
Dado que o objetivo da Mariologia é a Verdade através de Maria para, como ela, alcançar o Deus vivo e o seu desígnio de salvação revelado em Jesus Cristo, o Mariólogo e o Cultor de Mariologia é chamado a intensificar a sua vida de fé e a unir sempre a sua pesquisa mariológica à oração. Será assim mais aberto ao «sentido sobrenatural da mariologia» da qual dependemos e que se lhe apresenta como uma segura norma para guiar a reflexão mariológica e verificar com exatidão as suas conclusões que a inteligência da fé permitiu que fossem alcançadas.
Ao longo dos séculos a Mariologia constituiu-se progressivamente em verdadeiro saber científico. É necessário que o Mariólogo e o Cultor de Mariologia esteja atento às exigências da forma de conhecer da sua disciplina, às exigências do rigor crítico, e consequentemente à verificação racional de todas as etapas da sua pesquisa para que seja capaz de equilibrar a verdade revelada e vivida por Maria com a situação eclesial contemporânea.
O Mariólogo e o Cultor de Mariologia deve discernir em si mesmo a origem e as motivações de sua atitude crítica e permitir que o seu olhar seja purificado pela fé, tal como foi o de Maria na sua célebre interrogação na Anunciação. O empenho mariológico exige um esforço espiritual que consequentemente leva à santificação porque a Mariologia é lugar de encontro com Deus.
Se por um lado a Verdade transcende a razão humana, por outro lado a verdade revelada se harmoniza profundamente com ela. Isso supõe que a razão seja naturalmente ordenada à verdade, de modo que, iluminada pela fé, ela possa penetrar o significado da Revelação. A razão humana é capaz de atingir a verdade, em maior ou menor grau, e o primeiro passo é aquele de conhecer a Deus a partir da criação, Maria é criação e como tal é caminho de conhecimento.
A capacidade da Mariologia em compreender o sentido da Revelação exige o uso de aquisições arqueológicas, etnográficas, históricas, psicológicas, que forneçam um sólido e harmônico conhecimento do homem, do mundo e de Deus e possam ser assumidas na reflexão sobre a doutrina revelada. Quando percorremos uma Mariologia histórica nos apercebemos de que a revelação é histórica, a qual nos foi comunicada através da história de salvação.
Nesta perspectiva, é tarefa do Mariólogo e do Cultor de Mariologia assumir a partir da cultura do seu ambiente elementos mariológicos que lhe permitam melhor iluminar alguns aspectos dos mistérios da fé.
A este respeito, é importante sublinhar que a utilização pela mariologia de elementos e instrumentos conceituais oriundos da filosofia, sociologia e antropologia ou de outras disciplinas, exige um discernimento cujo princípio normativo último é a doutrina revelada, ajudando ou não a compreender o mistério?
Em última análise é a revelação que deve fornecer os critérios para o discernimento destes elementos e instrumentos conceituais, e não vice-versa.
O Mariólogo e o Cultor de Mariologia, não esquecendo jamais que também ele é membro da Comunidade Eclesial, deve nutrir-lhe respeito, e esforçar-se por comunicar-lhe um ensinamento mariológico que não venha a lesar, de modo algum, a doutrina da fé sobre Maria.
A liberdade da pesquisa mariológica é exercida no interior da fé da Igreja
Quando se alcançam opiniões diferentes, algo que com frequência se impõe à consciência do Mariólogo e Cultor de Mariologia, estas opiniões não podem dar frutos se não forem acompanhadas pela paciência da opinião pessoal e da proposta teológica. Um é o que semeia e outro o que colhe!
As novas propostas mariológicas avançadas pela compreensão da fé de Maria são uma oferta feita a toda a Igreja. São necessárias muitas correções e alargamentos de perspectiva, em um diálogo fraterno, antes que chegue o momento em que toda a Igreja possa aceitá-las. Pensemos na Imaculada Conceição.
Por conseguinte a mariologia, enquanto serviço muito desinteressado à comunidade dos fiéis, comporta, segundo São João Paulo II, essencialmente um debate objetivo, um diálogo fraterno, uma abertura e uma disponibilidade para modificar as próprias opiniões.
A liberdade de investigação mariológica, que é justamente estimada pela comunidade dos homens de ciência como um dos seus bens mais preciosos, significa disponibilidade para acolher a verdade tal como ela se apresenta no fim de uma investigação, mesmo que a ideia inicial fosse outra. Esta exigência está ligada ao método que se não for desenvolvido corretamente poderá levar a leituras sobre a fé completamente incoerentes, anacrônicas e desajustadas, ferindo o nome da Maria.
Na Mariologia esta liberdade de investigação inscreve-se no interior de um saber racional cujo objeto [Maria] é dado pela Revelação, transmitida e interpretada na Igreja sob a autoridade do Magistério, e acolhida pela fé.
Proposta de construção mariológica
Como em todas as vocações cristãs, o ministério do Mariólogo e do Cultor de Mariologia, além de pessoal, é também comunitário e eclesial. Ou seja, é exercido em e para toda a Igreja e é vivido em solidariedade com aqueles que tiveram a mesma vocação.
Os Mariológos e Cultores de Mariologia devem estar conscientes dos estreitos laços de solidariedade que nos unem uns aos outros ao serviço do corpo de Cristo e do mundo. De muitas maneiras diferentes, os colegas nos cursos de alta formação, nos Simpósios, nos comentários do mundo da Internet, como colaboradores na pesquisa, e como escritores e professores, se apoiam, se encorajam e se inspiram uns aos outros.
Os Mariológos e Cultores de Mariologia também servem como guias e mentores para aqueles, estudantes universitários, engajados nas pastorais, membros das novas comunidades e também Pastores que aspiram a se tornar Mariológos ou Cultores de Mariologia. Além disso, esses laços de solidariedade se estendem no espaço e no tempo, unindo Mariológos e Cultores de Mariologia de diferentes países e culturas, bem como Mariológos e Cultores de Mariologia pertencentes a diferentes épocas e contextos.
Esta solidariedade mariológica é verdadeiramente útil quando promove o conhecimento e a observância dos critérios da mariologia católica [Sagrada Escritura, Tradição, Liturgia e Magistério]. Ninguém melhor do que os nossos colegas podem nos ajudar enquanto Mariológos e Cultores de Mariologia católicos na tentativa de oferecer o melhor serviço possível, de acordo com as verdadeiras características de sua vocação.
Hoje em dia, em pesquisas e publicações, a colaboração é cada vez mais difundida, tanto no campo mariológico quanto no interdisciplinar. Devem ser promovidas oportunidades para intervenções, seminários e conferências, que possam fortalecer o conhecimento mútuo e a apreciação entre Mariológos e Cultores de Mariologia provenientes das mais diversas áreas, para além das instituições e faculdades teológicas.
Oportunidades de encontros e intercâmbios interdisciplinares entre Mariológos e Cultores de Mariologia, filósofos, cientistas naturais e sociais, historiadores e assim por diante também devem ser incentivadas, pois a mariologia é uma ciência que se desenvolve em interação com outras ciências, e estas fazem o mesmo no frutífero intercâmbio com a mariologia.
Pela natureza de sua missão, os Mariológos e Cultores de Mariologia muitas vezes operam nas fronteiras da experiência e reflexão da Igreja. Em particular, dado o grande número de Mariológos e Cultores de Mariologia leigos que têm experiência em áreas particulares de interação entre a Igreja e o mundo, entre o Evangelho e a vida, com as quais os Mariológos e Cultores de Mariologia ordenados e os Mariológos e Cultores de Mariologia religiosos podem não estar tão familiarizados, muitas vezes acontece que, na presença de novas circunstâncias ou questões, os Mariológos e Cultores de Mariologia dão uma articulação inicial da fé que procura compreender.
Os Mariológos e Cultores de Mariologia precisam e merecem ser apoiados pela oração de toda a comunidade eclesial, e sobretudo recíproca, nos seus esforços sinceros em favor da Igreja, mas em tais circunstâncias é particularmente importante a observância cuidadosa dos critérios fundamentais da mariologia católica [Sagrada Escritura, Tradição, Liturgia e Magistério].
Uma última palavra…
A Mariologia não é apenas ciência, mas também sabedoria, com um papel particular na relação entre todo o conhecimento humano e o Mistério de Deus. A pessoa humana não se contenta com verdades parciais, mas procura unificar os diversos elementos e áreas do conhecimento em um só.
A compreensão da verdade última de todas as coisas e da vida humana se apresenta em Maria como em nenhuma outra criatura. Essa busca da sabedoria, sem dúvida, anima a Mariologia e a coloca em estreita relação com a experiência espiritual e com a sabedoria dos santos.
Em um sentido mais amplo, porém, a mariologia católica convida todos a reconhecer a transcendência da Verdade última, que nunca pode ser totalmente compreendida ou conhecida. A mariologia não é apenas sabedoria em si mesma, mas também um convite à sabedoria para outras disciplinas.
A presença da mariologia no debate científico e na vida universitária tem potencialmente o efeito benéfico de recordar a todos a vocação sapiencial da inteligência humana, recordando a significativa questão colocada por Jesus nas primeiras palavras que pronunciou no Evangelho de João: O QUE PROCURAIS? (Jo 1,38).
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