Qual a história da Festa do Coração Imaculado de Maria ?
A Festa do Coração Imaculado de Maria como tudo começou
Uma história atribulada…
A consideração da excelência do coração de Maria, já sublinhada pelos Padres da Igreja (Maria concebe primeiro em seu coração e depois em seu ventre), suscitou particular devoção na Idade Média. A passagem da devoção privada ao culto do Coração de Maria está ligada à obra de São João Eudes (1601-1680), em cuja bula de beatificação se diz dele:
«Coroou a sua obra digna em favor da Igreja quando, de um amor singular pelos Santíssimos Corações de Jesus e Maria, foi o primeiro a conceber – não sem inspiração divina – a ideia de lhes prestar culto litúrgico».
Na realidade, Eudes começou a celebrar em sua Congregação a festa do Coração de Maria por volta de 1643 (vinte anos depois também a do Coração de Jesus). Alguns anos depois, em 8 de fevereiro de 1648, o bispo de Autun autorizou a celebração para sua diocese, pedindo ao Santo que compusesse os textos da missa e do ofício. Mas quando em 1669 foram apresentados em Roma para aprovação, os textos foram rejeitados pela Sagrada Congregação dos Ritos. O mesmo aconteceu uma segunda vez em 1729, apesar da reiterada insistência do padre jesuíta Gallifet.
Quando em 1765 foi concedida pela Santa Sé um Ofício próprio para a festa do Coração de Jesus, não se pensou em associar também o Coração de Maria como na atual liturgia. Será Pio VII quem concedeu em 1805, por decreto da Sagrada Congregação dos Ritos, a faculdade de celebrar a festa do Puríssimo Coração de Maria a quem a solicitasse, prescrevendo que os textos da festa, portanto missa e ofício, fossem os de Nossa Senhora das Neves (hoje dedicação de Santa Maria Maior) (5 de agosto).
Entretanto, criavam-se as condições para dar mais um passo, representado pela difusão das Confrarias e Congregações religiosas dedicadas ao Coração de Maria e pelas revelações ocorridas na Rue du Bac em Paris, em 1830 a Santa Catarina Labouré com a medalha milagrosa. Assim, sob Pio IX, em 1855, foram aprovados textos próprios para a missa e ofício da festa, referindo-se aos escritos por São João Eudes duzentos anos antes! A possibilidade de usá-los estava naturalmente reservada àqueles que haviam feito um pedido explícito à Santa Sé.
O impulso decisivo que a difusão da festa amadureceu em toda a Igreja veio do movimento que floresceu em torno da Consagração ao Imaculado Coração de Maria. Em 1864 alguns bispos tornaram-se promotores da consagração do mundo ao coração de Maria; e nos votos conclusivos do Congresso Mariano de Lyon em 1900 esperava-se que após a consagração do gênero humano ao Coração de Jesus, se faça a consagração do universo à Virgem, sob a invocação da Rainha do universo. A Itália foi o primeiro país que, com a aprovação do Papa, realizou esta consagração por ocasião do Congresso Mariano de Turim, em 1897.
No século XX, a devoção e o inserimento do elemento cordimariano no culto da Igreja foram fortalecidos por novos eventos, entre os quais destacam-se as aparições que tiveram lugar em Fátima em 1917, seguidas das de Pontevedra (Espanha) em 1925 (a comunhão de reparação nos primeiros sábados do mês) e de Tuy (Espanha) em 1929 (a consagração da Rússia).
Em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, no 25º aniversário das aparições de Fátima, Pio XII consagrou a Igreja e o gênero humano ao Imaculado Coração de Maria. Dois anos depois, com um decreto de maio de 1944, a Sagrada Congregação dos Ritos estendeu a festa do Imaculado Coração de Maria a toda a Igreja latina, marcando a data de 22 de agosto, oitava da Assunção.
Na revisão pós-conciliar do calendário romano, a memória facultativa do Coração de Maria foi devidamente fixada para o dia seguinte à solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus, a fim de evidenciar a relação entre os dois Corações. Por decreto de 1º de janeiro de 1996, com base em numerosos pedidos recebidos pela Santa Sé, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos ordenou que fosse celebrado com o grau de memória obrigatória.
Qual a orientação litúrgica?
IMACULADA CORDIS BEATAE MARIAE VIRGINIS
(Sabbato post sollemnitate sacratissimi Cordis Iesu)
MART. ROM. 1956
MART. ROM. 2004
b. Octava assumptionis beatae Mariae Virginis: festum immaculati cordis eiusdem beatae Virginis Mariae.
b. Sabbato post sollemnitatem sacratissimi Cordis Iesu: Memoria immaculati cordis beatae Mariae Virginis, in quo ipsa, memoriam mysteriorum salutis in Filio suo effectorum conservans, eorum perfectionem in Christo ardenter exspectavit.
A celebração do Imaculado Coração da Bem-Aventurada Virgem Maria, situada anteriormente – como vimos – na data de 22 de agosto, pertence ao âmbito daquelas festas marianas que, sem celebrar nenhuma verdade dogmática específica sobre Maria ou eventos salvíficos consideravam a Virgem associada ao Filho, cooperando com ele na obra da redenção, propondo intuições e conteúdos de alto valor espiritual, expressando orientações surgidas em momentos específicos da história da piedade.
Nela, a liturgia celebra o mistério da perfeita conformidade interior da Virgem com Cristo. Segundo Lc 2,19, Maria «conservabat omnia verba haec conferens in corde suo», isto é, Maria conserva aquilo que está vivenciando e também o sentido dos acontecimentos nos quais está envolvida junto com Jesus.
O texto do Martirológio, que está ligado a Lucas tomando emprestado o verbo conservans, sintetiza este conteúdo no curto espaço do elogio, sublinhando a obra espiritual do coração da Virgem e apresentando Maria como inclinada, no fundo do seu coração, à escuta e ao aprofundamento dos mistérios divinos, na expectativa confiante do seu cumprimento em Cristo. A Virgem, portanto, ensina-nos a nutrir-nos profundamente com a Palavra de Deus, a encontrar Deus na meditação, na oração e no silêncio, e a descobrir neles Deus que se revela, inserindo-se na história da humanidade.
Os textos litúrgicos convergem naturalmente para destacar o coração de Maria, perfeitamente iluminado pelo mistério de Cristo. Para o pensamento bíblico, o coração representa o centro sintético de toda a vida interior: é o princípio da vida, da memória, do conhecimento, da espiritualidade. As forças psico afetivas e intelectuais são liberadas do coração; no coração as relações pessoais com Deus e com os outros florescem e amadurecem, e as escolhas boas ou más são consumadas. Referindo-se a Maria, o coração é sinônimo do lugar onde o Eterno se encontrou com ela vitalmente. Deus, de fato, fala ao coração, onde o absoluto se encontra com o nosso irrepetível. E Maria de Nazaré respondeu à vontade divina com todo o seu coração: espírito, inteligência e corpo. Ela pronunciou o sim decisivo com o coração cheio de fé: do seu coração, que ama mesmo quando não vê tudo claramente, fala o texto evangélico do encontro de Jesus no templo, indicado para a Missa: Lucas 2,41-51.
Dois dias, dois corações…
No dia seguinte à solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus, a Igreja celebra a memória do Imaculado Coração de Maria. A continuidade das duas celebrações já é em si um sinal litúrgico de sua estreita ligação: o mysterium do Coração do Salvador se projeta e reflete no Coração da Mãe, que também é companheira e discípula.
Assim como a solenidade do Sagrado Coração celebra de forma sintética os mistérios salvíficos de Cristo e os reconduz à sua fonte – o Coração -, a memória do Imaculado Coração de Maria é uma celebração global da cordial associação da Mãe com a obra salvífica do Filho: da Encarnação, à morte e ressurreição, ao dom do Espírito.
As expressões de piedade popular para com o Coração de Maria são expressão da distância intransponível entre o Filho, verdadeiro Deus, e a Mãe, criatura única, aquelas prestadas ao Coração de Cristo.
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