O presente artigo é uma tradução livre do original italiano presente em https://www.rsi.ch/cultura/filosofia-e-religione/%C2%ABNon-amo-il-termine-Corredentrice-per%C3%B2%E2%80%A6%C2%BB–3289250.html
O debate não se acalma quase duas semanas após a publicação da Nota doutrinal Mater populi fidelis. A dividir os ânimos estão sobretudo os números relativos ao título de Corredentora, que, no entanto, foi atribuído a Maria por santos, teólogos e papas. E, ao documento do Dicastério para a Doutrina da Fé que rotula o seu uso como «sempre inapropriado» (ao passo que o texto original espanhol utiliza, em vez disso, o adjetivo inoportuno e a primitiva versão inglesa apresentava variantes ainda mais vistosas) e até mesmo «inconveniente», há quem oponha de modo provocador o parecer favorável do cardeal Newman, recentemente proclamado «Doutor da Igreja» por Leão XIV, que em 1865 escrevia assim ao teólogo anglicano Edward B. Pusey, fortemente crítico em relação ao culto a Maria, então contemporâneo, na Igreja católica: «Quando viram que tu, com os Padres, a chamavas Mãe de Deus, Segunda Eva e Mãe de todos os viventes, Mãe da vida, Estrela matutina, Novo céu místico, Cetro da ortodoxia, imaculada Mãe de santidade e outros mais, teriam considerado uma compensação bem miserável a tal linguagem o fato de tu protestares contra o fato de que ela seja chamada Corredentora».
À RSI fala o teólogo servita Salvatore Maria Perrella que, já professor catedrático de Dogmática e Mariologia na Pontifícia Faculdade Teológica Marianum e reitor por dois mandatos do mesmo ateneu romano, gozou da duradoura e aberta estima de Joseph Ratzinger. Foi, com efeito, o então cardeal prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé que o quis, em 1996, entre os doze peritos membros da Comissão vaticana internacional sobre a Corredenção mariana. E, posteriormente, uma vez tornado pontífice com o nome de Bento XVI, que o escolheu em 2010 como perito teólogo da Comissão vaticana internacional sobre Međugorje.
«Quanto à inutilidade, não estou de acordo. Tudo é sempre útil. Até mesmo um documento controverso, porque acende e anima o debate. No caso específico, a Nota doutrinal abre debates no nível da teologia e da mariologia sobretudo segundo as diversas dimensões. Nela sobressai uma dimensão que lê a mariologia em sentido estritamente cristológico. Há, porém, pouco espaço, para não dizer nenhum, para a dimensão eclesiológica e antropológica. E falta também por completo a dimensão trinitária e simbólica. O documento deve, de todo modo, ser compreendido numa ótica muito mais global».
«Por detrás desta Nota, como o próprio documento faz notar – e espero que os autores tenham consciência disso –, deve ser lido o número 20, quando se fala da posição do papa Francisco acerca do título de Corredentora. A questão dos títulos marianos esteve sempre na ordem do dia. Ressurge e torna a adormecer. Então, o que dizer? No que diz respeito aos títulos relativos à cooperação de Maria, eles estiveram no centro de uma reflexão renovada a partir de 1854 com a definição dogmática da Imaculada Conceição. Foi precisamente no âmbito da doutrina imaculista que se preferiram leituras aprofundadas do serviço ou munus de Maria na obra da salvação com o uso de numerosos termos. Alguns, é verdade, totalmente impróprios, como Redentora ou Substituta daquilo que é próprio da Divindade. Isso levou os teólogos e os papas, de Leão XIII a Pio XII, a ler a Imaculada na obra da salvação como fruto e como missão. Fruto da misericórdia, missão de Maria».
«Esquecia-se sobretudo a dimensão criatura de Maria. Hoje ela está felizmente presente, mas talvez de maneira um pouco excessiva. Em suma, seria necessário aquele equilíbrio que atualmente está ausente. No que diz respeito à Nota doutrinal, sou de parecer, lendo-a e relendo-a, que ela se mantém formalmente, mas nem sempre sabiamente, na doutrina do Concílio Vaticano II, em especial Lumen Gentium 60-62, depois relida por João Paulo II na Redemptoris Mater, sobretudo nos números 40-42. Estes são hoje os pilares da doutrina da cooperatio Mariae. Pessoalmente, não aprecio o título de Corredentora, mas, como teólogo, não posso deixar de levar em conta que ele também despontou no magistério pós-conciliar».
João Paulo II utilizou com efeito sete vezes o título de Corredentora. E, ainda que, depois da Feria IV do antigo Santo Ofício de 21 de fevereiro de 1996, não o tenha mais empregado – como faz notar a Nota –, é igualmente verdade que posteriormente recorreu a termos equipolentes como, por exemplo, Cooperadora do Redentor ou Singular cooperadora da Redenção. O que pode dizer a esse respeito?
«Tudo isso é verdade. Voltando em específico ao documento Mater populi fidelis, considero-o absolutamente muito “franciscano”, no sentido de bergogliano. O número 21, que serve de cabeçalho ao número 22, explica, à luz de três declarações do papa Francisco, as razões pelas quais o termo Corredentora é inapropriado e inconveniente. Pessoalmente, jamais teria utilizado tais termos. Eu sou pela opção inteligente da Lumen Gentium, que leva em conta o léxico precedente. Não o estigmatiza, mas tampouco o assume. Não só isso. Tenho também a impressão de que na Nota prevalece a preocupação ecumênica. E isso é uma distração. Ela deve certamente estar presente, mas não deve ser prevalente. A primazia deve ser dada à pastoralidade da doutrina. Além disso, acho a Nota excessivamente extensa em contraste com um Magistério romano que sempre se distinguiu pela sobrietas, pela concisão».
A ser problemática é, sobretudo, a seguinte passagem do número 22: «Quando uma expressão requer numerosas e contínuas explicações, para evitar que se afaste do significado correto, ela não serve à fé do Povo de Deus e torna-se inconveniente». Mas, nesta ótica, pareceriam inconvenientes, por exemplo, também os títulos Mãe de Deus, Imaculada, Mãe da Igreja, exigindo estes igualmente amplas explicações. Uma tarefa que, por outro lado, é cumprida pela teologia e pela catequese. Não lhe parece?
«Sem dúvida. A verdade é que estamos na história, mas não temos consciência disso. Essa dissociação se viu desde os inícios com o título Theotokos. Essa balbúrdia em torno dos títulos é pretextuosa, porque eles têm um único fundamento. A Sagrada Escritura e aquilo que a Divina Providência, como ensinava o padre Calabuig, quis e designou ab aeterno para Maria. O documento, embora seja amplo e extenso, não tem memória histórica. E isso, por assim dizer, é uma pobreza. A própria finalidade do documento, isto é, chamar a atenção para Maria na obra da salvação – finalidade expressa, aliás, de modo demasiado radical – apresenta pontos críticos. Deveríamos, de fato, perguntar-nos. Qual é hoje a urgência da fé da Igreja? Hoje já não se crê na Trindade. Alimentam-se dúvidas sobre a divindade e a messianidade de Cristo. Ora, Maria é colateral a tudo isso. Maria, para usar uma expressão cara a Bento XVI, «é segunda, mas não secundária». E a Nota, que eu definiria como “demasiado monofisita”, infelizmente não ajuda uma leitura integral e global da fé cristã. Sou de parecer que o documento deveria ter sido repensado melhor e aprimorado e, sobretudo, deveria nascer de um estudo feito por pessoas competentes».
«Não me parece que os pontífices tenham estado preocupados com tal questão. A sua preocupação era bem outra. A receptio imediata da Lumen Gentium e do Concílio. Estamos ainda numa recepção mítica do Vaticano II, cujos documentos, infelizmente, não são conhecidos de maneira aprofundada».
O número 75 da Nota chama em causa as novas Normas para proceder no discernimento de presumidos fenômenos sobrenaturais, a respeito das quais o senhor é abertamente crítico. Quais são as razões?
«Perdoe-se-me o neologismo, mas o número em questão é outra pérola “s-preziosa” da Nota. E o é precisamente em razão de sua estreita conexão com as novas Normas do Dicastério de 2024. Sempre tive em grande consideração aquelas aprovadas por Paulo VI em 1978 e tornadas oficialmente públicas em 2011. Em particular, apreciei o prefácio assinado pelo então cardeal prefeito William Levada. Na época, tendo sido interpelado pela Congregação sobre a questão, eu havia calorosamente desejado uma revisão das Normas de Paulo VI. Mas na perspectiva de um aprofundamento sapiencial, não de uma dilapidação do grande patrimônio icástico da linguagem, dos conteúdos, das perspectivas».
«Para compreender as novas Normas e aquilo que foi produzido nesses dois anos de prefeitura do cardeal Fernández, é preciso ter sempre presente a ícone constantemente iminente do papa Francisco e, em particular, a sua constituição de reforma da Cúria Romana Praedicate Evangelium. Essa constituição, que fez deflagrar toda a praxe diplomática, política e operativa do Vaticano, teve também influências sobre a mariologia e sobre a marianidade da Igreja. Porque, com a reforma da Cúria, a Secretaria de Estado perdeu, sob Francisco, a sua primazia e o seu papel de coordenação, enquanto o dicastério principal se tornou o da Evangelização. A primazia da evangelização, porém, não pode prescindir das palavras de Cristo, que não aboliu nem um só iota da Lei (cfr Mt 5, 17-19). Esse princípio fundamental deveria ter sustentado e deveria sustentar as proposições magisteriais com maior cautela, com maior respeito pela história e pelo presente em perspectiva futura e com grande atenção às outras realidades. E isso vale também para a questão dos títulos marianos».
No documento reflete-se também sobre a devoção popular. E, no entanto, ela sempre teve uma linguagem própria, que é a do coração, do sentimento. Prova disso é precisamente a variedade de títulos com que, há dois mil anos, os fiéis se dirigem a Maria, Mãe de Cristo e da Igreja. Pense-se, por exemplo, numa antífona litúrgica como a Salve Regina, em que ela é invocada como Spes nostra e Advocata nostra…
«Títulos estes que são próprios do Espírito Santo, mas que atribuímos corretamente a Maria em virtude do princípio de analogia. Indo ao tema da devoção popular e de sua linguagem, vem-me à mente uma esplêndida lição, proferida pelo então cardeal Ratzinger no Marianum, sobre a dupla caracterização da mariologia e da marianidade da Igreja. Ou seja, razão e sentimento. Daqui deriva a questão crucial. Como combinar harmonicamente essas duas exigências? Este é o verdadeiro problema. Infelizmente, na Igreja escasseiam pessoas preparadas que possam ajudar nesse sentido. E assim Maria continua a ser explorada como sempre à semelhança – permita-se-me a imagem – de uma operária não remunerada. Se quisermos conhecer verdadeiramente Maria, devemos fazê-lo através da palavra de Deus e do sensus fidelium no caminho da Igreja».
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