A esperança na tradição sinótica
Introdução
A esperança é um elemento central na mensagem de Jesus e na tradição sinótica do Novo Testamento. Este artigo explora como a esperança é articulada nos Evangelhos Sinóticos e no Livro dos Atos dos Apóstolos, destacando a tensão entre o “já” e o “ainda não” das promessas de salvação. Analisaremos como essa esperança se manifesta na mensagem de Jesus, em seus ensinamentos e nas práticas da comunidade pós-pascal, reforçando a expectativa confiante e paciente pelo Reino de Deus.
1. A esperança na mensagem de Jesus
De acordo com a tradição sinótica, incluindo o Livro dos Atos dos Apóstolos, aquele que crê em Jesus é direcionado para o futuro. Em vista da herança prometida (Mateus 19, 29; Mateus 25, 34) e da recompensa esperada (Mateus 5, 12; Lucas 6, 22), os crentes são chamados a permanecer vigilantes e pacientes.
A tensão paulina entre o “já” e o “ainda não” das promessas de salvação também está presente nessa tradição, aparecendo já nas fontes mais antigas, como a Fonte Q. Quando Jesus fala em nome de Deus, suas palavras de advertência e encorajamento refletem a coexistência da presença e da expectativa do Reino de Deus.
Presença do Reino
O Reino de Deus já chegou, mas enfrenta resistência (Mateus 11, 12-13; Lucas 16, 16), é combatido pelos demônios (Mateus 12, 28; Lucas 11, 20) e é o único bem a ser buscado na confiança na providência divina (Mateus 6, 25-33; Lucas 12, 22-31).
Expectativa do Reino
O Reino ainda está por vir, devendo ser anunciado e aguardado (Mateus 10, 7; Lucas 10, 9). Sua consumação será acompanhada pela colheita divina (Mateus 9, 37; Lucas 10, 2), pelo julgamento final (Mateus 13, 40) e pela manifestação plena na parúsia do Filho do Homem (Marcos 8, 38; 13, 26-27; Mateus 24, 27-44).
2. A Esperança nos ensinos e práticas de Jesus
Jesus incentiva a esperança através de várias práticas e ensinamentos que promovem a confiança no Reino de Deus e a perseverança diante das adversidades.
As Bem-Aventuranças
As bem-aventuranças proclamam felizes aqueles que já experimentam o Reino e prometem recompensas futuras, como a visão de Deus e a posse da terra (Mateus 5, 3-9; Lucas 13, 16-17).
O Pai-Nosso
O Pai-Nosso expressa a esperança no futuro agir de Deus, especialmente em sua segunda petição (Mateus 6, 9-13).
As Parábolas do Reino
Parábolas como a do grão de mostarda e do fermento evocam a esperança no crescimento e plenitude do Reino (Mateus 13, 31-33).
Essa esperança requer vigilância (Mateus 26, 40-41) e a libertação de preocupações excessivas (Mateus 6, 31-34). A comunidade pós-pascal apropriou-se dessas palavras de Jesus, reconhecendo nelas o significado mais profundo da tensão entre o “já” da ressurreição e o “ainda não” da consumação final.
3. A Esperança na tradição pós-pascal
O discurso apocalíptico de Marcos (Marcos 13) é uma expressão clara da mensagem de esperança. A destruição de Jerusalém aponta para a proximidade do evento redentor da cruz e a parúsia do Filho do Homem (Marcos 13, 24-27), que reunirá os eleitos. A vigilância e a perseverança até o fim tornam-se palavras de ordem (Marcos 13, 5-36).
A resposta de Jesus aos saduceus sobre a ressurreição reforça a esperança na vida futura: Deus, “Deus dos vivos”, não abandona os que lhe pertencem (Marcos 12, 18-27). O relato da Última Ceia também carrega o sinal da esperança no Reino vindouro (Marcos 14, 25).
Em Mateus, essa tensão entre o “já” e o “ainda não” adquire um contexto eclesiológico mais reflexivo. O evangelista:
- Aproxima Jesus de seus discípulos e enfatiza as estruturas da comunidade (Mateus 18, 5; 16, 18-19), distinguindo-a claramente do Reino de Deus.
- Ressalta a missão universal da Igreja, sustentada pela presença contínua do Cristo ressuscitado (Mateus 28, 18-20; 1, 23).
- Combina a consumação escatológica com a parúsia de Cristo como juiz final (Mateus 24-25). Ele ilustra, em parábolas, a importância da vigilância e da fidelidade inabalável (Mateus 24, 32-51; 25, 1-13), apresentando o próprio Jesus como exemplo supremo de esperança, vigilância e oração (Mateus 26, 36-46).
4. A esperança no evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos
Com uma visão salvífica abrangente, Lucas expande o horizonte da esperança. Para ele, a Igreja, como verdadeiro povo de Deus, tem a missão de testemunhar Jesus “até os confins da terra” (Atos 1, 8).
Essa perspectiva de esperança não apenas ilumina o presente, mas também aponta para a consumação futura, conectando a experiência da ressurreição com o cumprimento definitivo das promessas de Deus no fim dos tempos. Lucas enfatiza a ação do Espírito Santo como guia e sustentador da missão da Igreja, reforçando a esperança coletiva na expansão do Reino de Deus.
Conclusão
A tradição sinótica do Novo Testamento articula a esperança de forma multifacetada, integrando a tensão entre o “já” e o “ainda não” das promessas de salvação. Nos ensinamentos de Jesus e nas práticas da comunidade pós-pascal, a esperança se manifesta como uma confiança vigilante e paciente no Reino de Deus. Essa esperança motiva a perseverança diante das adversidades e também orienta a visão de futuro da comunidade cristã, enraizada na ressurreição de Cristo e na expectativa de sua segunda vinda.
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