Orígenes e a esperança cristã: da Bíblia à teologia

A esperança cristã ocupa um lugar central na teologia de Orígenes (185-253 d.C.), um dos mais influentes Padres da Igreja. Profundamente marcado pelo estudo intensivo das Escrituras, Orígenes desenvolveu reflexões originais sobre a virtude da esperança, ligando-a à fé, à caridade e ao progresso espiritual. Neste artigo, abordaremos como a esperança se manifesta em seus Comentários, Homilias e Exegeses sobre passagens do Antigo e do Novo Testamento, ampliando e esclarecendo citações para demonstrar a riqueza do pensamento origeniano.
Esperança no contexto bíblico
O estudo intensivo da Bíblia influenciou profundamente a maneira como Orígenes refletia sobre a esperança cristã. Em suas Homilias sobre o Heptateuco, ele explora temas como a jornada no deserto, a luta espiritual e o progresso da alma, sempre vinculando-os à esperança, mesmo que às vezes de forma implícita. Ele menciona explicitamente a spes resurrectionis (esperança da ressurreição) e a paciência como um caminho para a glória futura:
«Aprendamos a suportar com paciência as tribulações desta vida, pois está escrito que ‘pela esperança fomos salvos’ (Rm 8,24), e a esperança da ressurreição deve animar-nos sempre» (Homiliae in Numeros 14,2).
Esperança no Cântico dos Cânticos
Nos comentários ao Cântico dos Cânticos, Orígenes utiliza uma mística nupcial para desenvolver tanto uma interpretação eclesiológica quanto individual, conectando fé e esperança. Ele ressalta a confiança na fé (fide confisus et spe), associando-a à fidelidade e ao anseio por Deus:
«A alma que ama a Palavra não deseja outra coisa senão estar com Ela, sustentando-se na esperança e na fé» (In Cantica Canticorum 2).
Esperança nos Salmos e nos Evangelhos
Embora seu comentário aos Salmos não esteja completamente preservado, trechos indicam que Orígenes vinculava a esperança à fé e a direcionava para Cristo e para a vida futura. Ele menciona:
«A esperança está na promessa futura, na graça e na herança que nos é reservada» (Homiliae in Psalmos 36,5,1 [PG 12, 1360B]).
Em tempos difíceis, ele escreve:
«Recorda-te da palavra dada ao teu servo, na qual me fizeste esperar. Esta é minha consolação na aflição» (Homiliae in Psalmos 118, 49f [SC 189, 270]).
Nos comentários e homilias sobre os Evangelhos, Orígenes define esperança como:
«A esperança é a espera de bens futuros prometidos por Deus» (Commentarium in Matthaeum 13,30 [GCS Orig. 10, 268]).
Ele também fala da esperança no cumprimento das promessas divinas:
«‘O homem bom tira coisas boas do seu tesouro’ (Mt 12,35); e é com esta esperança que o justo aguarda sua retribuição» (Commentarium in Matthaeum 12,34 [147]).
Orígenes frequentemente reflete sobre a esperança na vida futura:
«Esperamos, pois, uma vida eterna que não termina com a morte, mas é apenas então revelada» (Homiliae in Lucam 15,1 [92,92]).
Esperança e ressurreição
Orígenes discute a esperança na ressurreição ao comentar os diálogos de Jesus com os saduceus:
«‘Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos’ (Mt 22,32); assim, nossa esperança está firmada não em carne corruptível, mas no poder divino de ressuscitar os que nEle confiam» (Commentarium in Matthaeum 17,29-36).
Orígenes: entre fé e esperança
Para Orígenes, a esperança cristã vai além da mera crença na imortalidade:
«Não é suficiente crer na alma imortal; devemos aspirar, com esperança, à configuração com Cristo, que nos conduz ao Pai» (Homiliae in Lucam 29,7).
Essa esperança está associada tanto à Encarnação como à Parusia:
«Aqueles que vieram antes esperaram nEle. E agora nós também esperamos por Sua segunda vinda» (Commentarium in Iohannem 13,59).
Esperança eclesial e existencial
A esperança também aparece ligada à missão da Igreja:
«E eu te digo: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja…’ (Mt 16,18); não apenas cremos nesta promessa, mas nela esperamos nossa perseverança» (Commentarium in Matthaeum 16,22).
Ela serve como consolação para os fiéis:
«Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele’ (Jo 6,56); essa é a esperança que nos consola nas tribulações» (Commentarium in Iohannem 6,55).
E também como antecipação:
«‘O justo viverá pela fé’ (Rm 1,17); mas essa fé não está sozinha: ela traz consigo a esperança dos bens eternos» (Fragmentum in Matthaeum 79).
Em suas Homilias sobre Jeremias, Orígenes liga esperança, fé e caridade com base em 1 Coríntios 13,13:
«Maldito o homem que confia no homem (Jr 17,5); bendito o que espera no Senhor. Pois a esperança que se fundamenta em Deus não decepciona» (Homiliae in Ieremiam 6,3).
Ele interpreta Jeremias 10,13 como expressão da esperança escatológica:
«As câmaras dos céus estão abertas aos que, por suas obras, merecem ressuscitar para maior glória» (Homiliae in Ieremiam 6,3f).
E finalmente, sobre Jeremias 15,5 (LXX), exorta:
«Não cesses de converter-te; o caminho do Senhor é um caminho de esperança, que leva ao monte de refúgio, Cristo» (Homiliae in Ieremiam 13,3).
Conclusão
Para Orígenes, a esperança é muito mais do que uma disposição psicológica: é uma virtude teológica profundamente entrelaçada com a vida espiritual, a exegese das Escrituras e a prática da fidelidade. Sua esperança não se restringe a bens futuros distantes, mas transforma o presente com coragem, amor e confiança em Deus. Orígenes apresenta uma esperança encarnada, alimentada pela Palavra e conduzida pela Igreja, que leva os fiéis ao amadurecimento espiritual e à plenitude prometida por Deus.
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