A nossa dor e a Nossa Senhora das dores

Introdução

A memória litúrgica da Virgem das Dores nos recorda os sofrimentos da Mãe do Senhor e nos convida a nos sentirmos próximos e compassivos para com toda pessoa que sofre no espírito e no corpo.

Partilhando o limite das dores

A denominação exata da memória litúrgica de 15 de setembro é precisamente o epíteto de Nossa Senhora das Dores. Ele identifica uma pessoa, ou seja, uma mulher dolorosa, Maria mãe de Jesus. As formas devocionais contemplam situações de dor e aflições dessa mesma pessoa, ou seja, as sete dores de Maria. Portanto, 15 de setembro representa uma boa oportunidade para estar próximo com atenção compassiva a uma pessoa humana dolorida como foi Maria e para renovar nosso compromisso de expandir essa mesma atitude de compaixão para com as pessoas que sofrem, como os afligidos pelas várias formas de dor encontradas na vida cotidiana.

A dor é uma herança inalienável da vida humana. É uma situação transitória, uma passagem para portos de alegria estável. Sofrer é uma etapa da existência: «Toda a criação geme e sofre até agora nas dores do parto e não só ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos interiormente esperando a adoção como filhos, a redenção do nosso corpo» (Rm 8,22-23). Não é possível renunciar à dor, assim como não é possível renunciar à vida.

É possível invocar o alívio, a diminuição, o afastamento do cálice doloroso (cf. Mt 26,42). É possível valorizar a dor transformando-a em sacrifício de oferta (cf. Fil 2,17). É possível a compaixão mútua, carregando os fardos e dores uns dos outros (cf. Gal 6,2). A celebração da Virgem das Dores é uma pausa para repensar nossas convicções de fé, que às vezes vacilam diante do impacto da dor própria ou alheia. Para avaliar a reação diante da dor, muitas vezes impregnada de desespero ou rebelião, e o sentir comum em relação à dor alheia, nem sempre compartilhada, mas, ao contrário, frequentemente amortecida pela indiferença, insensibilidade e medos fugitivos.

Dor e compaixão

A devoção mariana sofre um resultado prejudicado se a figura da Virgem das Dores for absolutizada. Na Terra, Maria foi uma mulher aflita, a sua história terrena inclui dores humanas. Mas sua atualidade não é mais a de uma mulher aflita, mas sim a de uma gloriosa, pois ela compartilha totalmente a glória do Senhor, assim como compartilhou durante sua vida mortal experiências de dor.

Essa verdade de fé – a Assunção à glória celestial em alma e corpo – ilumina a veracidade da iconografia mariana. Embora não ignoremos, obviamente, a imagem da Virgem das Dores, parece que as imagens mais coerentes não são figuras chorosas e lamurientas, mas sim aquelas da mulher gloriosa, junto com o Filho, aliás, na glória da Trindade. Portanto, as imagens da Virgem das Dores são mais como pontuações que capturam momentos de dor, úteis como mensagem de esperança e estímulo à compaixão. A história da devoção à Virgem das Dores nos instrui.

A piedade mariana ‘descobriu‘ a Virgem das Dores bastante tarde. Os estudiosos observam que esse culto só brilhou no II milênio e gradualmente se expandiu. O fundamento é perfeitamente ortodoxo, pois é evangélico: as primeiras atenções devocionais referem-se à presença de Maria aos pés da Cruz de Jesus, meditam sobre as dores da Mãe e as dores do Filho.

O Evangelho de João (cf. Jo 19,25-27) é sóbrio ao lembrar essa cena, ele enfatiza a confiança mútua de Maria e do discípulo amado deixado como presente por Jesus (daí o nome de commendatio da memória celebrativa, começando no século XV). Não se prolonga em listar as respectivas aflições: as do Crucificado foram antecipadas nas profecias (cf. Is 52,14-53,12) ou serão lembradas nas liturgias da igreja (cf. Fil 2,6-8). As da Mãe não são registradas por nenhum hagiógrafo!

Será a piedade mariana que irá desenrolar a coroa de dores de Maria. Antes de nos determos na compaixão das dores, a devoção mariana precisa parar e recordar o significado desses eventos dolorosos e questionar por que Maria é chamada de Virgem das Dores. Dito de forma aforística, o culto se aprimora com a cultura. Maria foi afligida porque sua vocação era ser mãe do Messias, uma vocação que passaria também pela Paixão e Morte na Cruz, para alcançar a vida na Ressurreição e garantir uma nova vida às criaturas humanas pecadoras.

Maria sofreu suas dores porque foi uma serva disponível, realizando a palavra do Senhor que também custava sofrimentos, assim como o próprio Cristo, embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu (Hb 5,8). Maria compartilhou o limite do Filho que também é Filho de Deus. Esse limite é a Cruz de Jesus, que assumiu em si o pecado e os sofrimentos da humanidade.

A Mãe do Crucificado completou primeiro em sua própria carne o que faltava nas aflições de Cristo em benefício de seu corpo, a Igreja (cf. Col 1,24). Com a Encarnação, Deus quis precisar de uma mãe virgem, com a Redenção, Cristo quis precisar de uma mãe aflita, com a Ressurreição, o Senhor quis que uma mulher compartilhasse primeiro, e depois toda criatura humana tivesse a oportunidade de compartilhar, a vida nova e eterna.

As etapas da dor

A devoção à Virgem das Dores tornou-se patrimônio espiritual de várias instituições religiosas, muitas Congregações de Irmãs e algumas de Religiosos adotam o nome da Dolorosa. A celebração dos Sete Dores em 15 de setembro, desde 1668, era liturgia dos frades Servos de Maria, através dos quais foi estendida aos ritos católicos ocidentais, esta Ordem ainda mantém em seu ritual a Solenidade de Maria junto à Cruz, na sexta-feira da quinta semana da Quaresma.

Mas, mesmo antes disso – por pelo menos cinco séculos -, a piedade mariana delineou as etapas da dor de Maria em sete eventos, alguns retirados das narrativas evangélicas, outros deduzidos por verossimilhança. Os devotos têm à disposição a coroa da Dolorosa, um rosário de sete etapas ou dores intercaladas por sete Ave-Marias, bem como a Via Matris Dolorosae, um itinerário análogo ao Via Crucis, limitado a sete paradas dentro dos sete sofrimentos de Maria.

Essa fórmula eucológica constitui uma homenagem cultual de compaixão e um estímulo de inspiração comportamental para confortar e compartilhar; a estrutura atual conduz à meditação sobre um evento doloroso do passado e à atenção comprometida no presente. O percurso deste rito é seletivo, mas permanece aberto às atualizações. Tudo começa com a profecia de Simeão, que anuncia a Maria a espada que transpassará sua alma (cf. Lc 2,34-35), sempre interpretada como espada da dor e até multiplicada por sete, ou seja, muitas vezes: mas a espada também representa a palavra penetrante de Deus (cf. Hb 4,12-13), exigente e consoladora.

Em seguida, há a contemplação dos sofrimentos durante a infância de Jesus: a fuga para o Egito com José e Maria para escapar da loucura de Herodes (cf. Mt 2,13-14-18), emblema de todo perseguido. O extravio no templo em Jerusalém (cf. Lc 2,41-52), emblema do sofrimento pelas incompreensões. O Calvário representa o ápice da dor de Maria e de Jesus, Mãe e Filho. existe o encontro no caminho do Calvário, onde a tradição também colocou a mãe aflita, representação da solidariedade compassiva. A morte na Cruz e ali junto à mãe (cf. Jo 19,25-27), à qual a piedade coloca nos lábios as palavras do profeta: «Vós todos que passais pelo caminho, considerai e vede se há dor semelhante à minha dor» (Lam 1,12), sinal de compartilhamento do limite mais doloroso, que é a morte, e ao mesmo tempo um ato de reconciliação com a própria morte; a deposição da Cruz (cf. Mc 15,42-46), representação plástica de toda piedade. O sepultamento (cf. Jo 19,38-42), dor aliviada pela espera da Ressurreição.

Conclusão

Num mundo como o que vivemos hoje, onde prevalecem sofrimento, violência, divisões e morte, parece que não há nada a fazer, a ponto de estarmos inclinados a nos fechar ainda mais em nossa concha para nos defender e pensar em salvar nossa alma. Mas os sofrimentos de Cristo e de Maria não se satisfazem com nossas devoções, eles nos ensinam e nos capacitam a testemunhar o amor do Crucificado e da Dolorosa, que se torna inspiração e encorajamento. Pode iluminar o sentido da celebração dos sofrimentos de Maria esta aclamação: «Bendita és tu, Rainha dos mártires: associada à paixão de Cristo, te tornaste nossa mãe, sinal de esperança em nosso caminho».

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