O princípio mariano da Igreja: Maria junto à Cruz

Introdução

A presença junto à cruz de Jesus constitui o momento mais elevado da participação materna de Maria na obra redentora de Cristo, na qual ela personifica de modo singular a participação materna da Igreja.

Na presença de Maria «junto à cruz», pode-se resumir o significado do que hoje é chamado, tanto no âmbito do magistério de João Paulo II quanto na teologia, o princípio mariano da Igreja. Não se trata, porém, de um retorno ao tema do «princípio primeiro» da mariologia, sustentado em um passado recente; com este princípio pretende-se afirmar, antes, aquele aporte de luz e de ação no mistério da Igreja, que vem da pessoa de Maria e da sua participação singular no mistério da redenção. João Paulo II, na «Carta às mulheres» (1995), anuncia profeticamente um desenvolvimento futuro adicional da Igreja no terceiro milênio, ligado a novas e surpreendentes manifestações do «gênio feminino» (n. 11), em sintonia precisamente com o «princípio mariano da Igreja». Este princípio se define em um contexto múltiplo: aquele da relação entre a «Igreja e Maria», entre a «Igreja-Maria» e «a mediação redentora soberana de Cristo», entre «Maria» e «a identidade da mulher». Se é verdade, de fato, que a relação entre Cristo e a Igreja-Maria, encontra suas raízes na mais antiga tradição cristã, a partir da própria Escritura, hoje aparece particularmente importante, também para a «questão da mulher», que constitui um dos sinais dos tempos. Na realidade, o papel da mulher emerge, na história salvífica, naquela presença do feminino que vai das primeiras páginas da Escritura (Gen 1-3) às últimas (Ap 12; 21).

É preciso, contudo, afirmar, desde o início, para evitar equívocos e para uma avaliação correta, que o «princípio mariano da Igreja» não pode ser afirmado de maneira autônoma: ele deve ser sempre considerado em relação ao outro princípio: aquele estrutural sacramental-petrino, ao qual deve estar sempre profundamente unido. É nesta relação, sobretudo, que se define o valor original do princípio mariano da Igreja, pelo qual não se afirma uma dependência, da Igreja como «instituição», em relação a Maria: trata-se, antes, de compreender, como afirmava Paulo VI, que «a realidade da Igreja não se esgota na sua estrutura hierárquica, na sua liturgia, nos seus sacramentos, nos seus ordenamentos jurídicos. Sua íntima essência, a fonte primeira de sua eficácia santificadora, deve ser procurada em sua mística união com Cristo». Nesta linha, é preciso também afirmar, como diz o Novo Catecismo da Igreja Católica, citando as palavras de João Paulo II, que a estrutura da Igreja «é completamente ordenada à santidade dos membros de Cristo. E a santidade se mede segundo o “grande Mistério”, no qual a Esposa responde com o dom de amor ao dom do Esposo». Maria precede todos nós no caminho da santidade que é o mistério da Igreja «Esposa sem mancha nem ruga» (Ef 5,27). Por esse motivo, «a dimensão mariana da Igreja precede a sua dimensão petrina».

O princípio feminino da Igreja-Maria na Cruz e na Encarnação

É conhecida a importância das figuras femininas com as quais o povo de Deus é representado já na Escritura antiga e depois no Novo Testamento e na Tradição patrística. O mistério da Igreja é simbolicamente expresso em figuras como Nova Eva, Mãe, Esposa e Virgem. A relação entre Cristo e a Igreja, representada através da profunda analogia dessas figuras femininas, quer expressar que se Cristo está no centro dos planos originais do Pai, que tudo elegeu e decidiu recapitular n’Ele (Ef 1,10), a Igreja e o cosmo inteiro nunca estão ausentes em qualquer momento deste plano divino. Na verdade, a Igreja não é sequer um simples cenário no qual se atualiza este plano, mas um parceiro essencial (feminino) da obra divina. O argumento fundamental para esta afirmação baseia-se no fato de que não há uma autêntica revelação de Deus sem uma sua «interiorização na consciência de uma comunidade fiel». Assim, a oferta original e sempre viva do Amor trinitário redentor, revelado na cruz-ressurreição de Cristo, traz consigo uma resposta fiel a este mesmo amor. Tal resposta, contudo, é ela mesma fruto da iniciativa do Pai, da ação do Filho e do Espírito Santo que a suscita no coração humano.

Pode-se, portanto, considerar que no desígnio do Pai, em correspondência ao «Cordeiro imolado desde a fundação do mundo (Ap 13,8)» há também um eterno «parceiro feminino» de Cristo: é a presença da comunidade fiel, a Igreja, que logo cedo, na Tradição, foi referida também a Maria. Portanto: «assim como o Proto-evangelho (Gen 3,15) indica uma ecclesia ab Adão, assim também indica uma ecclesia ab Eva-Maria, na qual é atribuído à mulher o primeiro lugar no novo começo da criação (2Cor 5,17) que se realizará em Cristo, o Novo Adão». A personificação do mistério da Igreja, nas imagens femininas, chega a um momento totalmente singular na pessoa real e histórica de Maria de Nazaré, culminando na sua presença junto à cruz e na comunidade orante no cenáculo à espera da vinda do Espírito (At 1,14). É nela que se realiza concretamente e simbolicamente o mistério pessoal da Igreja. Ao longo da tradição, tanto patrística quanto medieval, a relação «Igreja-Maria» tende a fundir-se «no quadro de uma maternidade idêntica, ao mesmo tempo virginal e esponsal, pela qual a abertura do seio de Maria é a abertura do seio da Igreja».

O nascimento da Igreja como Mistério Sacramental a partir do Crucificado

Na reflexão teológica dos Padres, o «princípio feminino» da Nova Eva é afirmado inicialmente na contemplação do nascimento da Igreja, como «mistério sacramental», a partir do evento da Cruz, na narração do golpe de lança e da saída de gotas de sangue e água (Jo 19,34-37). Neste episódio, a patrística, lembrando a descrição simbólica do Gênesis (2,21-23), lê seu cumprimento na origem da Igreja do lado do Novo Adão, durante o sono de sua morte. Ela, como sua Esposa dos novos tempos, é preenchida pelo Cristo crucificado, seu Esposo, com a superabundância dos dons de graça, não para suprir sua carência, mas para atender à nossa carência. Neste episódio do relato evangélico da cruz de Jesus, pode-se dizer que se consomem as núpcias do Verbo com a nossa humanidade e se define o rosto sacramental/petrino da Igreja, que, se encontra suas raízes no próprio tempo pré-pascal da história de Jesus, é cumprido, contudo, no mistério pascal e no dom do Espírito. Assim, a Igreja, nascida do sangue e da água, como «sinal da presença de Cristo» (Lumen Gentium 48) na história, prolonga o exercício do ministério sacerdotal, como seu «Corpo» e «Sacramento universal de salvação».

Por parte de muitos Padres, não se dá importância teológica à cena de Maria aos pés da cruz (Jo 19,25-27). Ela é comentada, ao invés, como expressão da piedade filial de Cristo para com a Mãe.

Considerado nesta luz, o rosto sacramental da Igreja, nascida do lado traspassado de Cristo crucificado, evidencia mais a presença, nela, da própria pessoa de Cristo, em seu ministério pastoral. Ela participa do mistério salvífico de Cristo, da ação do seu sacrifício, continuando, na história, sua permanente função ministerial sacerdotal, e sublinha mais tanto a sua unidade com Cristo quanto a presença de Cristo em sua vida litúrgica (SC 7.11), enquanto o predomínio do ponto de vista cristológico-sacramental-petrino, na imagem Eva-Igreja, a aproxima mais da ideia paulina de Corpo de Cristo.

Porém, ao colocar o acento apenas na unidade-identidade da Igreja com o ministério de Cristo, como sinal permanente e vivo de seu amor pelos homens (cf. GS 76), e insistindo apenas neste registro, que une harmonicamente e organicamente elementos teológico-estruturais-institucionais da Igreja, constituída por Cristo e fundada em Cristo, de modo que ela é no mundo, como uma sua presença permanente, corre-se o risco de despersonalizar a Igreja. Ela se tornaria apenas uma função cristológica, ou seja, o ato de presença comunicativa do Ressuscitado e da sua oferta de graça para o homem. É sabido como o Concílio Vaticano II, para evitar este perigo, sublinha o caráter particular deste sinal sacramental, que, além do seu essencial remeter à Pessoa e ministério de Cristo, comporta o da sua realidade social, visível, humana, pelo qual o «ser sacramento» da Igreja consiste também na sua existência como comunidade humana universal. Nesta luz, encontra-se, no próprio interior da concepção sacramental da Igreja, aquele princípio feminino que garante a relação esponsal entre a humanidade e Cristo, princípio que resplandece particularmente na imagem de Maria aos pés da cruz.

A participação de Maria na salvação da Cruz

A Igreja Nova-Eva, que nasce do evento da cruz (Jo 19,31-37), é não apenas um princípio estrutural (sacramental), operando através de pessoas humanas «ordenadas» para um ministério (princípio petrino), em direta representação de Cristo, mas é também um «alguém», como «interlocutor», do evento trinitário de Deus, que se oferece em Jesus Cristo: é alguém que Jesus Cristo amou, por quem se entregou e que responde a este amor. A Igreja é também um sujeito, consistindo em «pessoas humanas organicamente unidas em uma comunhão fraterna». Considerando a Igreja deste ponto de vista, como pessoa, em sua relação esponsal com Cristo, sua própria vida litúrgica e pastoral não deve ser restringida exclusivamente à ação ministerial do sacerdócio ordenado, à ação doadora de graça que ele exerce in Persona Christi, como sua «presença pessoal», nem pode limitar-se à única orientação ativa dos pastores: o mistério da Igreja envolve também a totalidade de seus membros, na ação espiritual do «nós de todos os fiéis», como sujeito e não apenas objeto de vida pastoral.

É aqui que se revela a importância do papel particular de Maria, em sua ação materna, cooperando com o mistério primordial da ação redentora de Cristo, no evento de sua cruz, e operando, em seu valor icônico, em relação a toda a Igreja. Maria avançou na peregrinação da fé e «guardou fielmente sua união com o Filho até a cruz, onde, não sem um desígnio divino, permaneceu (Jo 19,25), sofrendo profundamente com seu Unigênito e associando-se com ânimo materno ao sacrifício d’Ele, consentindo amorosamente na imolação da vítima por ela gerada e, finalmente, pelo mesmo Jesus morrendo na cruz, foi dada como mãe ao discípulo com estas palavras: Mulher, eis aí teu filho» (Lumen Gentium 58). A presença da pessoa de Maria junto à cruz lança luz tanto sobre o mistério da redenção cumprida em Cristo quanto sobre a imagem da própria Igreja, revelando a importância do seu «princípio mariano». Maria revela, de fato, que o «cumprimento» (Jo 19,28) que se realizou e continua se realizando (Jo 19,30) na oferta de Cristo na cruz, não consiste apenas na obra de Cristo (Christus solus), pela qual o ser humano é salvo, mas também na participação da criatura humana no próprio evento de sua morte na cruz. Esta «participação ativa» deve ser entendida, contudo, não apenas em referência aos ministros que, na Pessoa de Cristo, prosseguem, na história, seu ministério pastoral salvífico, mas também na participação ativa de todos os fiéis que, unidos aos pastores, constituem o «nós» da própria Igreja, em sua face comunitária. A obra da salvação deve ser vista sempre neste quadro dialógico da nova aliança, que tem seu início temporal na Encarnação do Filho, enviado pelo Pai, no Espírito Santo, e sua consumação em sua morte e ressurreição e na participação da Igreja como «sujeito», unida em relação esponsal, a este mistério.

Na carta aos Hebreus, o evento da Encarnação redentora de Cristo é definido, já em seu próprio ser existencial, como vontade de obediência ao Pai (Hb 10,9; Sl 40,7-9), culminando na oblação por ele realizada uma vez por todas (Hb 10,10). A esta condição constante de vontade de obediência sacerdotal, responde a obediência de Maria, tanto na própria Encarnação (Lc 1,38), quanto em sua participação na oferta sacrifical do Filho na cruz (Jo 19,25-27). Pode-se dizer, então, que o «eis que venho» de Cristo (Hb 10,9), simultaneamente, suscita e acolhe o sim de Maria, e nele, de toda a Igreja. É na hora da cruz que esta relação esponsal encontra sua consumação. Não é irrelevante que o «tetélestai» (está consumado) da cruz esteja intimamente ligado, pela primeira vez (Jo 19,28), à cena anterior da «Mãe e do discípulo que Jesus amava». Tal consumação se expressa então, de forma adicional, no expirar de Jesus, no dom do seu Espírito (Jo 19,30). Se no Espírito, dado já na cruz, encontra-se a consumação da obra redentora, isso ocorre porque o Espírito eterno inspira, ao mesmo tempo, a oblação suprema, sem mácula, do Crucificado (Hb 9,14) e a oblação da Mãe Maria-Igreja, a Ele unida de forma esponsal. Assim, «aos pés da cruz “está” Maria, a primeira dos discípulos e a Mãe do Senhor e da Igreja. Ela (…) é ao mesmo tempo o ícone do amor trinitário e a primícia da humanidade nova revestida da veste nupcial da caridade. Nela se unem o sim do amor de Deus e o sim da resposta da humanidade redimida por Cristo». Não há, então, uma «consumação» da obra sacerdotal de Jesus, que prossiga em uma «Igreja-sacramento», restrita apenas ao ministério do sacerdócio ordenado, sem uma participação ativa de «Maria-Mãe», e nela, da «Igreja-Mãe».

A participação ativa pessoal de Maria no evento da cruz de Cristo se afirma, então, em seu valor icônico, na medida em que, por sua ação materna espiritual e universal, personaliza e antecipa em si a resistência oblativa do sacerdócio universal de toda a Igreja. Maria, pode-se dizer, encarna as qualidades fundamentais daquele sacerdócio universal, que se exerce, na Igreja, tanto através do exercício do «culto em espírito e verdade», quanto através da oferta, na vida, de «sacrifícios espirituais» por parte de todos os fiéis, que em virtude da misericórdia de Deus, oferecem a si mesmos (seus corpos), como «sacrifício vivo, santo e agradável a Deus» (Rm 12,1; cf. LG 34). Tal exercício de culto e oferta espiritual não se realiza paralelamente à oferta do sacerdócio ministerial, mas se exerce, em comunhão com ele, em um único ato oblativo com a única oferta sacerdotal de Jesus, elevada, no Espírito, a louvor e glória do Pai.

O nascimento da Igreja a partir da Maternidade Espiritual de Maria

Gostaria aqui de retomar e desenvolver ainda mais algumas reflexões sobre a participação de Maria e da Igreja-Mãe no evento redentor da cruz. A Mãe de Jesus, em toda a sua existência terrena, aparece como aquela pessoa humana que é tornada pelo Espírito capaz de acolher e gerar o Verbo divino, primeiro no coração e depois no corpo; é a mulher na qual se revela, no contexto da nova aliança, ao mais alto grau (aspecto icônico), não só a graça da oferta do dom que precede, em sua absoluta gratuidade, a resposta da criatura humana, mas também a graça da receptividade que suscita a correspondência ao dom do amor divino. Maria aparece, de fato, antes de tudo, como a mulher predestinada, Eleita por excelência, como «sinal» da predileção da graça divina oferecida à humanidade (κεχαριτωμένη: Lc 1,28), para acolher em si, para toda a humanidade, a plenitude da ágape do Pai. Assim, ela, sobre quem paira o Espírito (Lc 1,35), personifica a Nova Sião, aquela que tem em si a plenitude da presença do Senhor (Lc 1,28b). Este mistério de eleição e de personificação do mistério da Igreja resplandece particularmente no evento da cruz (Jo 19,25-27), no qual ela é proclamada por Cristo «Mulher», Mãe dos discípulos e de todos os homens. Se é verdade, então, que em Maria, a ideia primigênia de Igreja, como «mistério do nascimento do alto» (Jo 3,3) toma concretude histórica na sua forma mais perfeita, a Igreja, em Maria, reconhece-se na sua identidade de Mãe na ordem do Espírito, em essencial correlação ao evento Cristo e em essencial correlação à humanidade inteira.

Como Mãe dos fiéis, pela virtude do Espírito, Maria aparece como o ícone revelador da fecundidade do próprio Espírito. Posso dizer: visto que o Espírito é a Pessoa divina que melhor nos revela «aquilo que pode corresponder em Deus, no incriado, a esta realidade criada que é o ser feminino» (L. Bouyer), assim a obra de Deus, como Espírito, que dispõe o ser humano a acolher em profundidade e interioridade a Palavra do Filho, constituiu em Maria, na sua própria feminilidade, o sujeito humano histórico que tornou possível a vinda entre nós desta Palavra. Em sua maternidade pneumática, proclamada por Cristo crucificado (Jo 19,25-27), Maria aparece como o protótipo da dimensão espiritual da Igreja que age constantemente chamando à santidade e orientando os fiéis aos valores do Espírito e à vida mística. H.U. von Balthasar, em sua estética teológica, descreve o que poderíamos chamar de experiência arquetípica da marianidade da Igreja (a experiência mariana de Deus), distinta daquela arquetípica dos apóstolos. Esta experiência mariana, exprime uma função icônica, precisamente porque aparece em toda a sua valência interior e transistórica, comunicativa de transcendência. Ela desempenha um papel essencial, insubstituível, para que a identidade da Igreja não se contraia às suas meras estruturas organizativas, às expressões de conceptualidade técnica e às simples historicizações: «quando a imagem da mulher desaparece da realidade teológica, prevalecem uma conceptualidade e uma técnica abstrata masculinas e sem imagem. Mas então a fé se vê expulsa do mundo e relegada ao campo do paradoxo e do absurdo».

Este ponto de vista é particularmente importante hoje no âmbito do diálogo ecumênico com as igrejas evangélicas, com as quais, apesar das diferenças em relação à afirmação da teologia católica sobre o modo como a «Igreja-Maria» (e também o cristão individual) «coopera» com a salvação de Cristo, estão se abrindo maiores possibilidades de entendimento. Na medida em que, «no exemplo de Maria se compreende a cooperação como um “participar receptivo”», cai um primeiro impedimento essencial segundo o pensamento evangélico». Por isso, o Papa Paulo VI, em sua Exortação Apostólica Marialis Cultus (2 de fevereiro de 1974, n. 33), afirma que, apesar do reconhecimento das diferenças existentes, «a veneração da humilde serva do Senhor, em quem o Onipotente fez maravilhas, não é um impedimento, mas, ainda que lentamente, torna-se um caminho e um ponto de encontro para a unidade de todos os cristãos».

O princípio mariano e a participação do Povo Sacerdotal no sacerdócio de Cristo

Se na sua maternidade espiritual, proclamada na cruz, Maria aparece como a ícone reveladora da fecundidade da graça do Espírito Santo, podemos dizer que nela resplandece o mistério da Igreja, como mistério de santidade, como comunhão dos santos, como culto em espírito e verdade, mistério que se funda na participação da própria santidade de Cristo. Este estado de santidade, porém, no contexto do evento da encarnação, tem sua realização concreta em um quadro de economia sacramental do qual não pode prescindir: para adorar o Pai em espírito e verdade, é necessário, de fato, viver uma vida espiritual proveniente do Espírito Santo, vida que implica um novo nascimento (Jo 3,5-6). Isso significa que essa santidade, esse culto em espírito, para o cristão, tem seu fundamento no batismo, pelo qual ele vive sua condição de consagração sob a inspiração vital do Espírito Santo (Rm 8; 1Jo 2,20). A essa condição de consagração compete o nome de sacerdócio espiritual, cujo objetivo não é um ministério particular, mas um modo de existência e de vida, um comportamento pessoal e comunitário de adoração. «Para adorar o Pai em espírito e verdade, é necessário ser santificado interiormente pelo Espírito Santo, ser penetrado pela revelação de Cristo e animado por sua vida filial. A vida humana deve ser colocada sob o domínio da vida divina da Trindade: esse domínio constitui uma consagração sacerdotal, prolongamento daquela que foi perfeitamente realizada em Jesus».

Este sacerdócio comum e universal, sacerdócio santo, pelo qual a Igreja, como «edifício espiritual», é constituída em grau de «oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo» (1Pe 2,5), sacerdócio já anunciado por Cristo (Jo 4,23), encontra sua primeira fundamental realização justamente na figura materna de Maria aos pés da cruz. Na verdade, a primeira participação de Maria na condição desse sacerdócio espiritual começa já no mistério da anunciação, através de sua singular união ao «Sacramento arquetípico» que é o Cristo, enquanto sua Mãe, investida pela virtude do Espírito Santo (Lc 1,35). Nesse momento, ela já acolheu a graça da santidade do sacerdócio espiritual, em sua obediência à vontade divina (Lc 1,38). Mas é na cruz que a santidade sacerdotal de Jesus, consumada em seu sacrifício de obediência ao Pai, tem sua perfeita ressonância em Maria, na qual se personifica a Nova Eva (a «Mulher»: Jo 19,26; Gn 3,20), a Igreja. A participação espiritual na oferta sacrificial de Cristo define, assim, conjuntamente, o sacerdócio da Igreja universal e sua qualificação mariana. E isso, não porque Maria o exerça em virtude de um poder próprio ou de uma força que germina do íntimo de suas faculdades e potencialidades humanas. Para Maria, o exercício deste sacerdócio espiritual «é um singularíssimo dom de graça, de uma graça que só Deus pode conceder». O Concílio Vaticano II adverte os teólogos que ao tratarem da Virgem Maria vejam como todos os seus dons estão ordenados a Cristo (LG 67)».

Portanto, se o Concílio Vaticano II afirma que, na Igreja, Maria é invocada «com os títulos de Advogada, Auxiliadora, Socorro, Medianeira» (LG 62), estas atribuições (particularmente «medianeira») devem ser interpretadas em um contexto em que propriamente se afirma a transcendência e eficácia de Cristo único Mediador (cf. LG 62). Neste contexto, a linguagem preferida pelo Concílio é a de «cooperação», linguagem que deve, ela mesma, ser dissociada de qualquer ambiguidade: «cooperar» para a visão católica é sempre corresponder à iniciativa da graça, é responder reconhecidamente aos dons de Deus: assim a obra de Maria, o seu sim, se afirma em uma economia de «oferta de graça», que faz espaço à livre resposta da criatura.

O papel singular de Maria, no evento salvífico da cruz deve ser melhor descrito, porém, não apenas como cooperação, mas, «em consonância com a antiga tradição de fé, como “maternidade espiritual”» ou como «mediação materna». Com isso se afirma, pelo menos implicitamente, que a participação de Maria, por mais subordinada e participada que seja em relação à de Cristo, deve ser entendida também «em sentido diferente da linha de sua eficácia salvífica». O papel eficaz de Maria não deve ser colocado, de fato, na linha da comunicação-doação de graça, que na teologia é referida à eficácia da ação redentora de Cristo nos sacramentos. Maria não deve ser considerada como um oitavo sacramento, nem muito menos como um super-sacramento. O papel ativo pessoal de Maria deve ser entendido antes na linha da acolhida da graça, que é oferecida por Cristo, pela ação do Espírito Santo, àqueles que, na fé, participam da vida sacramental da Igreja. A concepção cristã da graça comporta, de fato, como já mencionei acima, a exigência de conjugar dois de seus aspectos essenciais: o da precedência do dom de Deus e o da gratuidade da resposta pessoal-comunitária a esse dom. Em Maria encontram-se esses dois aspectos: de fato, não só nela irrompe o dom da graça proveniente do Cristo crucificado e ressuscitado, mas se realiza também, em sua acolhida, a resposta de amor, sempre sob a ação do Espírito. Nela se realiza historicamente o ‘fiat’ de acolhimento, de consentimento e de comunhão esponsal ao dom que provém do Pai em Cristo Jesus, na unidade do Espírito que se perpetua na vida da Igreja. Posso dizer, então, que Maria, em sua maternidade física, não só gera, pela virtude do Espírito Santo, Aquele que encarna a própria salvação, o Salvador, o conteúdo objetivo da fé, que só nela se doa, mas gera também, no Espírito Santo, a própria fides qua creditur da Igreja, a qual, como Mãe, gera espiritualmente em Maria. E onde quer que a obra geradora da Igreja se realize na história, prolonga-se a maternidade espiritual de Maria. Por isso pode-se afirmar com os Padres, que quando a alma fiel, na fé, se abre para acolher, no Espírito, a semente da Palavra, ela, como a Igreja e Maria, torna-se «geradora do Verbo». Portanto, Maria, em sua mediação materna, «pessoalmente» e não apenas exemplarmente, vive e opera na Igreja, naquela influência materna geradora de santidade, feita de acolhimento e de dedicação.

O princípio mariano da Igreja, ao nos recordar a participação de Maria no mistério da cruz de Cristo, não compromete o primado absoluto da graça. Ao contrário, ele mostra que o próprio dom da graça não exclui a resposta humana, pelo contrário, a suscita, a torna possível e até a obriga. A receptividade da graça, se expressa o princípio primeiro inderrogável de que não somos a origem de nós mesmos, nos coloca em nós mesmos como pessoas responsáveis: «a graça que chama, se faz graça que permite responder». Assim, o «princípio mariano» nos lembra que a resposta humana é uma parte integrante do processo redentivo. Mas isso significa que este aspecto ativo que brilha na ação materna de Maria e da Igreja, em seu próprio caráter livre pessoal, deve ser considerado, não isolado em si mesmo, mas no contexto da influência derivada da oferta do amor divino em Cristo, que com o dom de seu amor misericordioso, alimenta também a atitude da resposta fiel e total, na qual a ação de Cristo encontra sua consumação (Jo 19,25-28).

Assim, podemos ver exercida, em Maria, de modo exemplar, a dupla participação do sacerdócio universal da Igreja na ação sacerdotal de Cristo:
a. em relação à sua mediação descendente, na comunicação de graça, Maria nos aparece como modelo excelentíssimo, da Igreja, na atitude de acolhimento da graça no Espírito. Assim, ela nos lembra que a fé não é antes de tudo uma busca de Deus por parte do homem, mas o reconhecimento de que Deus, em Cristo, vem ao seu encontro em sua graça;
b. em relação à mediação ascendente de Cristo, expressa em sua oração e em sua oferta ao Pai, Maria encarna de modo prototípico, para a Igreja, o princípio da criatura que participa de modo ativo na oblação de Cristo. É assim que após a Marialis cultus, estuda-se com particular atenção a presença de Maria na liturgia da Igreja, de modo que «descobrir a presença viva e operante da Mãe do Senhor na liturgia e celebrar sua memória torna-se a expressão mais alta de veneração e, por isso mesmo, reconhecimento de sua exemplaridade. Olhando para Maria, somos convidados a fazer de nossa vida um culto a Deus e de nosso culto um compromisso de vida» ( MC, 21).

Este movimento no qual a Igreja acolhe e oferece, através de sua oração, os dons que descem do Pai, pelo Filho Encarnado, e por Ele sobem ao Pai, encontra na ação eucarística sua mais completa realização. Mas na Eucaristia aparece ainda, em todo o seu valor, o princípio mariano que caracteriza a Igreja em seu papel

de povo sacerdotal. É particularmente na Eucaristia, de fato, que opera a dupla dimensão do Sacerdócio de Cristo, na ação do sacerdócio ministerial e do sacerdócio universal. Nela aparece de modo exemplar o profundo significado de sua relação recíproca de complementaridade. Se é verdade, como diz o Concílio Vaticano II, que é «para formar e conduzir o povo sacerdotal» e para oferecer em seu nome o Sacrifício eucarístico que existe a sacra potestas do sacerdócio ordenado, é também verdade que o sacerdócio universal eclesial está relacionado ao ministério sacerdotal na medida em que ele só pode ser exercido em comunhão com este ministério. Por esse ministério, de fato, tal sacerdócio régio é constituído e, por meio dele, os fiéis «concorrem para a oblação da Eucaristia, e a exercem ao receber os sacramentos, com a oração e a ação de graças, com o testemunho de uma vida santa, com a abnegação e a caridade operosa». Mas o batizado, consagrado à imagem de Cristo, é chamado a viver uma vida de acolhimento da graça na escola de Maria, em sua existência de fé, participando do culto sacerdotal e filial, que em Cristo sobe ao Pai, em Espírito e Verdade, no mistério da Eucaristia. Esta tarefa deve prosseguir, no mundo, com sua ação de testemunho, pela qual o sacerdócio universal envolve no culto de Cristo e da Igreja, a própria vida do mundo e contribui para sua santificação. Neste sentido, os batizados são sacerdotes da humanidade, sacerdotes cujo culto pessoal beneficia a todos. O sacerdócio comum tende a elevar a santidade do universo.

Conclusão

Em conclusão, a presença de Maria junto à cruz de Jesus representa o ápice de sua participação materna na obra redentora de Cristo, simbolizando de modo singular a participação da Igreja. Este momento, destacado tanto pelo magistério de João Paulo II quanto pela teologia contemporânea, encapsula o “princípio mariano” da Igreja, um princípio que não deve ser considerado isoladamente, mas sempre em profunda conexão com o princípio estrutural sacramental-petrino.

Maria, em sua união com Cristo na cruz, revela o mistério da Igreja como um mistério de santidade e comunhão dos santos, fundamentado na participação na própria santidade de Cristo. Este mistério se manifesta na realidade sacramental da Igreja, nascida do lado traspassado de Cristo, e se expressa através do sacerdócio espiritual comum dos fiéis. Maria, como a Nova Eva, não apenas coopera na obra redentora de Cristo, mas personifica a Igreja em sua dimensão maternal, destacando a importância da resposta humana à graça divina.

O papel de Maria como Mãe dos crentes e ícone da Igreja realça a necessidade de uma espiritualidade vivida em comunhão com o Espírito Santo, com um chamado à santidade e à vida mística. Sua presença na liturgia eucarística exemplifica a complementaridade entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio universal dos fiéis, onde a participação ativa dos crentes na oblação de Cristo se realiza plenamente.

Em última análise, o princípio mariano da Igreja não compromete o primado da graça, mas enfatiza a integração da resposta humana no processo redentivo. Maria, em sua maternidade espiritual, exemplifica a acolhida e a dedicação à graça divina, mostrando que a verdadeira santidade envolve tanto a recepção da graça quanto a resposta ativa e fiel a ela. Assim, o princípio mariano nos lembra que a participação de Maria na cruz de Cristo é um modelo para toda a Igreja, um chamado a viver plenamente o sacerdócio universal em comunhão com Cristo e uns com os outros.

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