Anunciação de Leonardo Da Vinci (1472-1475)

O Ambiente

Leonardo conscientemente se afastou da iconografia tradicional do tema da Anunciação, definindo a cena em um jardim do lado de fora da casa da Virgem, em vez da habitual loggia ou quarto de Maria.

De acordo com a tradição medieval, o cenário era sempre colocado num local fechado, pelo menos no que dizia respeito à Virgem, de forma a inserir elementos iconográficos, como a cama, enquanto o Anjo podia ser posicionado no exterior, mas num hortus conclusus, ou um jardim cercado por muros altos que aludem ao ventre de Maria.
Da Vinci é tradicional de outras maneiras, pois de fato encontramos a localização dos dois personagens (a Nossa Senhora à direita e o Anjo à esquerda) como por exemplo na Anunciação de Beato Angélico.

Além disso, para manter o sigilo do encontro, Leonardo pintou Nossa Senhora em um canto do prédio, porém, permitindo vislumbrar a cama do portal; depois, um muro baixo delimita o pequeno jardim, mas com passagem. A grande parte da cena dedicada à natureza parece querer sublinhar como o milagre da Encarnação divina envolve, assim como a humana Maria, toda a criação.

A grande atenção é dada à descrição botânica das flores e outras espécies de plantas tanto no gramado quanto no fundo: é uma homenagem à variedade e riqueza da criação divina. As flores do prado, em particular, aparecem estudadas da vida, com precisão lenticular.

Ao fundo, para além da muralha, vê-se um rio com curvas e barcos, montanhas salpicadas de torres e árvores. A luz é muito clara, como se fosse de manhã, e suaviza os contornos das figuras, anunciando a nuance.

A configuração espacial, ao invés de ser dada pela perspectiva geométrica do século XV (que também está presente na ornamento dos detalhes arquitetônicos e nas proporções do edifício, o piso e o púlpito, com um ponto de fuga no centro da mesa) se traduz mais pela gradação das cores, especialmente no fundo.
Leonardo utilizou a perspectiva aérea, técnica que proporciona uma coloração mais tênue e matizada para os detalhes mais distantes, como se estivessem envoltos em uma neblina; na verdade, ele sabia que muitas camadas de poeira atmosférica se sobrepõem entre o olho e um objeto colocado à distância, tornando as bordas menos nítidas, às vezes confusas. Por outro lado, objetos próximos foram meticulosamente retratados precisamente porque quanto mais próximos os objetos estão, mais eles podem ser visíveis.

Entende-se que este é um trabalho jovem pelo fato de que a perspectiva aérea não é renderizada de forma gradual, mas há um descolamento além das árvores mais próximas, muito acentuado em relação ao fundo. Destas árvores, os ciprestes estão dispostos como colunas, parecem dividir matematicamente a cena.
O Anjo

O Anjo é retratado em uma posição clássica, como se tivesse acabado de planar com as asas batendo, pouco antes de fechar. O vestido, no entanto, ao contrário de outros exemplos (como a Anunciação de Simone Martini), já caiu completamente no chão e mostra seu peso na grama, onde também parece ser capaz de apreender o deslocamento de ar do pouso .

Ao contrário dos anjos normalmente representados, o Anjo não possui asas de pavão (considerado um animal sagrado e símbolo de imortalidade), mas asas autênticas de pássaros, estudadas através da anatomia das aves, ornitologia.

Existe, no entanto, uma estranha anomalia porque as asas originais eram mais curtas. Mais tarde alguém pintou um acréscimo, não entendendo que aqui Leonardo queria representar o anjo que pousou, portanto que está fechando as asas. Essa “correção” comprometeu todo o trabalho de estudo de Leonardo sobre as aves e a representação realista da asa.

O anjo entrega um lírio, emblema de pureza e castidade, à Virgem Maria. O cipreste (no fundo) está associado à imagem da Virgem Maria, Cristo e a Igreja, provavelmente em virtude de sua característica de crescer alto em direção ao céu.

A configuração da posição é clássica de Leonardo, considerando o drapeado com dobras largas e suaves. Às vezes o artista fazia modelos de barro das figuras, envolvia-as em mantos macios embebidos em gesso e depois reproduzia pacientemente o curso do drapeado. A posição das mãos é natural: a direita está anunciado com a curvatura dos dedos a Deus Uno e Trino juntamente com a natureza divina e humana de Jesus enquanto a esquerda segura o lírio, símbolo de pureza.

O olhar está fixo em Maria, no ato do anúncio.
Existe uma perplexidade em relação à cabeça do anjo: a tez é pálida e achatada e não tem as transparências clássicas de Leonardo. Notamos uma grande diferença com o anjo do Batismo de Cristo: aqui o cabelo não desbota, mas aparece como uma massa compacta de cachos, o que faz pensar que tenha sido um auxiliar a pintar a testa.
Maria

A Anunciação de Leonardo é certamente uma das obras mais conhecidas. Muito tem sido escrito acerca da obra, mas pouco tem sido dito sobre a questão mariológica. Sobretudo porque as análises mariológicas da arte ainda hoje carecem de divulgação.
Esta obra nasce como uma das primeiras obras quando Da Vinci ainda estava no atelier de Verrocchio. A localização original e o comissionamento deste trabalho são desconhecidos. Chegou à Galleria degli Uffizi em 1867 provinda da sacristia de São Bartolomeu a Monteoliveto, fora do portão de San Frediano. Já se nota a atenção cuidadosa às mudanças atmosféricas na paisagem que serão desenvolvidas pelo artista em trabalhos posteriores.

Maria está atrás de um altar de mármore esculpido sobre o qual repousa o púlpito. O altar mostra o quanto Leonardo foi influenciado pelos ensinamentos de Verrocchio: é decorado com motivos clássicos, que se refletem em um monumento de seu mestre, o túmulo de Giovanni e Piero de ‘Medici na Antiga Sacristia de San Lorenzo. Semelhantes são os suportes em forma de ramos de leão que se desenvolvem nas laterais em elementos vegetais, espirais e volutas. Entre os cachos superiores, que ecoam a ordem jônica, estende-se um festão com folhas, frutos e flores, encimado por uma concha entre fitas esvoaçantes, símbolo da nova Vênus, que é Maria, e de eterna beleza. De grande requinte é o véu semi transparente sob o livro das Sagradas Escrituras que a Virgem estava lendo, símbolo das profecias do Antigo Testamento (em particular, neste caso é representada uma passagem de Isaías), que se realiza com o ato de aceitação de Maria.

Maria está com a mão direita apoiada no livro como se quisesse impedir que ele se fechasse (talvez por causa do vento causado pelo anjo), enquanto a mão esquerda está levantada em sinal de aceitação da sua vocação. Muito largo é o manto azul que cobre as pernas, caindo também sobre o assento, o que dá uma forte sensação de plasticidade e realça a forma oculta das pernas.

Em alguns pontos, bem de perto, é possível encontrar as impressões digitais de Leonardo de vinte anos, que às vezes misturava a cor com a ponta dos dedos para obter efeitos de nuance e amálgama. Esta técnica encontra-se nas folhas dos festões na base do púlpito e nos dedos da mão direita da Virgem.
Conclusão mariológica

Depois de termos vislumbrado quanto esta Anunciação é complexa podemos concluir algumas coisas em relação à visão do autor sobre a figura da Virgem Maria.
Em primeiro lugar a Virgem aparece representada não pela sua humildade arqueada com as mãos no peito em direção ao chão mas numa visão típica do humanismo cristão, de forma livre, com o consenso. Elemento mariológico que hoje ganha a sua cidadania na teologia ao afirmar que o homem capaz de Deus é chamado a livremente e de forma responsável apresentar o seu sim a Deus.
Em segundo lugar, o livro e a Virgem, ou melhor, a Palavra e a Filha de Israel oferece-nos uma visão global muito mais proeminente da importância escriturística para determinar a nossa interpretação mariológica. Seja pela posição da mão que indica a continuidade antes e depois da aparição do anjo, quanto pela memória da Revelação que profeticamente anuncia o Messias que agora habita no ventre da Virgem.
Em terceiro lugar, o espaço aberto do jardim, não mais um hortus conclusus de muros altos, sublinhando a perpétua virgindade de Maria mas o espaço horizontal da escolha humana que encontra espaço no agir de Deus na história, é uma recriação do Jardim Paradisíaco. O Éden de ontem hoje torna-se na nova criação não o lugar do pecado, vergonha arrependimento mas o centro da convergência de toda a história. O novo Adão habita no ventre da Virgem que é a Nova Eva, tornando-se presente Deus através do Mensageiro divino, que no passado tinha sido usado para expulsar os humanos progenitores e agora encontra-se a anunciar aos novos progenitores da Nova Criação segundo o Espírito.

Em quarto lugar, vemos a face da Virgem, a sua posição hierática, direi até majestática, não vemos o temor, a confusão, mas a visão na linha do horizonte a quem oferece o consenso, Maria não olha para o Anjo, olha para o espaço e oferece o seu consenso em nome da criação e com a criação ao Deus que se revela. Eventualmente parece oferecer o seu consenso, através da posição da mão ao Deus no seu interior mais do que ao anjo.
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