As «grandes coisas» de Deus em Maria
Introdução
Neste artigo vamos meditar sobre as consequências dessas conexões que ligam a Mãe de Jesus aos eventos capitais da Redenção. Vamos mostrar que as “grandes coisas” realizadas nela pelo Senhor (cf. Lc 1,49a) devem ser anunciadas e conhecidas de geração em geração. Portanto, Maria também se torna um capítulo de importância primária no quadro da missão evangelizadora da Igreja.
Ela foi tanto sujeito quanto objeto da catequese. Sujeito, no sentido de que Maria informa a Igreja sobre os eventos de graça realizados em sua própria pessoa pelo Deus da Aliança. Objeto, porque a Igreja, por sua vez, tornou conhecidas essas “grandes coisas” operadas pelo Senhor nela, para o bem de todo o seu povo.
Nas Escrituras, as “grandes coisas” de Deus referem-se às maravilhosas intervenções de graça realizadas ao longo de toda a história da Aliança. De acordo com o ensinamento constante da Escritura, as “grandes coisas” do Senhor são destinadas em benefício de todo o seu povo. Como tal, devem ser anunciadas a todos, de uma geração a outra.
«Grandes coisas» para todo o povo
É de extrema importância lembrar que, de acordo com o ensinamento constante das Escrituras, as “grandes coisas” de Deus sempre têm uma finalidade eclesial e comunitária. No plano divino, elas são ordenadas especificamente para o bem de toda a comunidade dos Seus eleitos. O salmista tem todo o direito de exclamar: “O Senhor fez grandes coisas por nós” (Sal 126,2).
A Bíblia documenta várias ocasiões em que o Senhor realiza “grandes coisas” em favor de uma única pessoa: Abraão, Moisés, José, Davi, Salomão, Jeremias, Ester, Judite, Isabel, mãe de João Batista… No entanto, mesmo nesses casos, a intenção da ação divina permanece de natureza eclesial e comunitária. Ou seja, se o Senhor realiza “grandes coisas” para uma pessoa individual, Seu propósito é ajudar todo o povo ou grupo do qual essa pessoa é membro.
Esta economia subjacente ao projeto redentor mantém sua validade também para a Mãe de Jesus. Se o Todo-Poderoso realizou “grandes coisas” nela (Lc 1,49a), Ele o fez em benefício de todo o povo da Aliança. E, de fato, Maria, em seu cântico, está consciente dos laços que a ligam à comunidade do povo de Deus. Ela se chama de “serva” do Senhor (Lc 1,48a) e, ao mesmo tempo, celebra Israel como “servo” do Senhor (Lc 1,54a). Além disso, ela está ciente de que Deus, ao olhar para a sua “pobreza” (Lc 1,48a), exalta todos os “pobres” (Lc 1,52b). Finalmente, a Virgem reconhece que o Senhor, ao realizar “grandes coisas” nela (Lc 1,49a), cumpre as promessas feitas “a nossos pais, a Abraão e à sua descendência” (Lc 1,55).
Em resumo, Maria demonstra uma clara convicção: o que Deus fez em sua pessoa, Ele fez por ela mesma e por todo o povo dos fiéis, do qual Abraão é o pai. Portanto, a graça derramada em Maria, por um lado, deve beneficiar toda a Igreja do povo de Deus. Por outro lado, a Igreja deve reconhecer e celebrar essa componente da sabedoria divina revelada na história da salvação.
«Grandes coisas» para anunciar a todos
De acordo com o ensinamento persistente das Escrituras, as “grandes coisas” de Deus devem ser proclamadas, devem ser conhecidas, é necessário anunciá-las publicamente. Essa necessidade decorre do fato de que tais intervenções de graça do Senhor, mesmo que realizadas por meio de uma única pessoa, são concebidas em última análise para o bem de todo o povo.
Portanto, elas constituem um patrimônio comum que deve ser transmitido e compartilhado de uma geração para outra. No Deuteronômio (4,9), lemos: “Não deixes escapar do teu coração [as coisas vistas e ouvidas], por todos os dias da tua vida. Ensinarás a teus filhos e aos filhos de teus filhos“. Seguindo esta instrução, o velho Tobias recomenda a seu filho Tobias: “Fazei conhecer a todos os homens as obras de Deus… e não deixeis de agradecer. É bom guardar o segredo do rei, mas é glorioso revelar e manifestar as obras de Deus” (Tb 12,7.11).
Em um tom de oração, o Sal 145,4-5 lembra o compromisso catequético dentro da comunidade de Israel: “Uma geração conta à outra as tuas obras, anuncia as tuas maravilhas. Proclamam o esplendor da tua glória e relatam os teus prodígios”.
Maria, “sujeito” e “objeto” de evangelização
Se a Mãe de Jesus estava tão intimamente ligada aos mistérios da nossa redenção, ela se tornou necessariamente “sujeito” e “objeto” da catequese no contexto da fé cristã. Vamos explicar isso em dois momentos.
Primeiramente, a Mãe de Jesus se tornou sujeito da catequese, pois ela mesma tornou conhecidas as “grandes coisas” realizadas pelo Senhor em sua própria pessoa. Ela foi, de fato, a principal fonte de informações durante a infância e a primeira adolescência de Jesus. Essa doutrina, firmemente enraizada nas Escrituras, é comum aos Padres da Igreja e aos escritores da Igreja a partir dos séculos IV-V.
Por exemplo, São Bruno de Segni (m. 1123) afirmava: “Não teríamos nada disso se Maria não tivesse guardado. Essas coisas vêm até nós de seus tesouros“. Vários autores, antigos e modernos, chegam a essa conclusão com base no texto de Lucas 2,19: “Maria, por sua vez, guardava todas essas coisas em seu coração” (cf. também Lc 2,51b). Em outras palavras, Maria – devido à sua missão excepcional – sabia que não pertencia mais a si mesma, mas ao mundo.
Na verdade, ela sentiu a necessidade de compartilhar com a Igreja nascente as notícias dos eventos salvíficos dos quais foi protagonista singular e imediata. Isso aconteceria após o Pentecostes, ou seja, depois que o Espírito Santo concedeu à mãe do Senhor a compreensão harmônica das várias partes do plano salvífico.
Em segundo lugar, a Mãe de Jesus se tornou objeto de catequese, no sentido de que a Igreja, por sua vez, começou a anunciar e celebrar as “grandes coisas” suscitadas por Deus nela. Isso ocorreu tanto na pregação oral da mensagem cristã quanto na redação escrita dos Evangelhos. Nestes livros sagrados, o Espírito Santo, por meio dos autores humanos, testemunha à Igreja de todos os tempos o que o Senhor, também através de Maria, fez “por nós homens e pela nossa salvação“.
Conclusão
A Páscoa é o epicentro da questão mariana. Após a iluminação decisiva que a Ressurreição lançou sobre a pessoa de Cristo, a Igreja apostólica dos primeiros tempos foi levada a refletir também sobre a identidade e o papel da Santa Virgem, sempre em estreita conexão com a pessoa do Filho. Se Ele ascendeu ao Pai de maneira tão misteriosa e prodigiosa do ventre do túmulo (a terra-mãe!), de que forma Ele desceu ao ventre de Maria (a mulher-mãe!) para aparecer como homem entre os homens?
Daqui entendemos por que a Igreja estava inclinada a unir o binômio “encarnação-ressurreição” e a descobrir a presença ativa da Mãe de Jesus tanto em um quanto no outro desses dois maiores eventos salvíficos. Ao fazer memória das “grandes coisas” que Deus havia realizado na Mãe de Seu Filho, a comunidade cristã tirou as devidas consequências para a proclamação da Palavra e para a catequese. A evangelização, se quiser ser íntegra e fiel, também deverá se estender a Maria de Nazaré: Filha de Sião, Mulher – Mãe do Messias Cristo e de todo o povo de Deus.
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