Introdução
Bem-vindo à nossa série de artigos sobre As Origens da Esperança. Neste espaço, ao longo de várias semanas, exploraremos como a noção de esperança (ἔλπις, em grego) foi compreendida tanto em contextos filosóficos gregos quanto na tradição judaico-cristã. Apesar do tom acadêmico e do rigor conceitual, buscaremos manter a linguagem acessível e convidativa, para que você possa acompanhar cada etapa do desenvolvimento histórico e teológico deste conceito tão fundamental à experiência humana.
O termo
O termo grego ἔλπις é considerado pelos estudiosos como uma vox media, algo que podemos traduzir como “expectativa”. Historicamente, o componente positivo de ἔλπις ganhou força em períodos posteriores ao período clássico (como observado em Pseudo-Platão, Definições, 416A), mas esse otimismo nunca se tornou absoluto. Contudo, no contexto linguístico judaico-cristão, a palavra assume um sentido exclusivamente positivo, sendo compreendida, de fato, como “esperança”.
É importante destacar que, nessa tradição, o caráter positivo de ἔλπις não surgiu, num primeiro momento, por causa da esperança em um “além” cristão específico. A ideia de uma esperança no além dentro da cultura grega — como encontramos nos mistérios de Elêusis (cf. Hino Homérico a Deméter, 480-483) — não esclarece completamente o sentido de ἔλπις.
Na língua grega, a raiz ἔλπ- alude essencialmente à expectativa ou suposição baseada na experiência e na compreensão geral do mundo. A fronteira entre suposição e conhecimento por vezes se revela turva, mas ganha relevância na filosofia, que distingue a mera opinião (δόξα, ἔλπις) do conhecimento efetivo do ser (ex.: Parmênides, Fragmentos, VS 28 [18] B 1, 30; Platão, Filebo 12d, 39e, Político 306a).
A definição do lugar da esperança (especialmente a esperança no além) — pertence ao domínio da fé e da opinião ou ao domínio do conhecimento — dependerá da escola filosófica em questão. Em Platão, por exemplo, vemos no Fédon que a esperança pode ser vinculada a uma forma de conhecimento superior. Mesmo entre os “iniciados” nos mistérios, a esperança se basearia em um conhecimento especial (εἰδώς, conforme Eurípides, Bacantes, 72-74).
Para a filosofia helenística, entretanto, o conhecimento real sobre a estrutura do mundo seria o único fundamento sólido para a ação ética. Nesse sentido, condutas que se baseiam em esperança ou suposições não teriam o mesmo estatuto de algo fundamentado em conhecimento. É por isso que, a partir do período clássico tardio, termos como πίστις (fé), δόξα (opinião) e ἔλπις (esperança) são considerados, em muitos casos, inferiores ao saber demonstrável.
Já os estóicos, ainda que não empregassem ἔλπις como termo técnico para classificar um dos quatro afetos fundamentais, recorriam a ἐπιθυμία (desejo) para expressar julgamentos incorretos sobre o bem ou o mal. Assim, no esquema estóico de afetos relacionados ao presente e ao futuro — dor, prazer, esperança e medo —, a esperança, embora esteja presente como conceito geral, não recebia em ἔλπις a melhor expressão linguística, devido ao seu caráter de vox media.
Uso filosófico e religioso
No uso tanto filosófico quanto não filosófico do grego clássico, esperança, suposição e conhecimento se referem essencialmente à ordem da natureza — um horizonte em que teorias poderiam ser verificadas ou descartadas pela própria realidade. Para a mentalidade grega, em geral, não haveria uma instância fora do cosmos à qual a esperança ou o conhecimento pudessem se reportar. Os deuses, nessa concepção, também fazem parte do cosmos, ainda que no cosmos inteligível dos platonistas.
Por outro lado, a tradição bíblica introduz a esperança como algo que diz respeito diretamente à promessa ou à ação de um Deus criador que transcende o mundo natural. Tanto no Antigo Testamento, que enfatiza uma esperança voltada para o presente (por exemplo, Salmo 91), quanto no Novo Testamento, com sua ênfase escatológica no além, essa esperança não pode ser mensurada pelos parâmetros do universo físico ou pela organização social vigente. Ela se manifesta, em última instância, na obediência e na confiança (cf. Salmo 73).
Esperança como conceito positivo
No uso judaico-cristão, o termo esperança (ἔλπις) adquiriu uma conotação essencialmente positiva, diferenciando-se consideravelmente do uso habitual na cultura grega. É um fenômeno linguístico semelhante ao que ocorreu com a palavra πίστις (fé), que ganha novos contornos de significado sob a influência do pensamento bíblico.
Dessa forma, a interrogação principal não é se a esperança mira o “além”, mas em qual ponto de referência último ela se apoia:
- O cosmos, com suas leis e normas morais inerentes; ou
- Um Deus criador e redentor, que se revela de maneira independente da ordem cósmica.
Na Bíblia, ἔλπις muitas vezes é traduzido como confiança ou perseverança confiante, revelando a noção de uma relação direta entre Deus e o ser humano (ver, por exemplo, Jó 24). Assim, o ponto crucial desse debate reside em como se articula a esperança fundamentada nas leis naturais em contraste com uma esperança alicerçada na promessa divina.
Conclusão e continuidade
Com este primeiro panorama, observamos como o conceito de esperança emergiu e se desenvolveu no pensamento grego e bíblico, assumindo significados distintos em cada contexto cultural e religioso. Na próxima parte da série As Origens da Esperança, aprofundaremos essas reflexões, examinando mais detidamente como essas duas vertentes — filosófica e religiosa — interagem e se transformam ao longo da história.
Fique atento à nossa próxima publicação e acompanhe semanalmente a continuidade deste estudo. Esperamos, com isso, oferecer a base para uma compreensão sólida e engajada sobre o tema, sem jamais abrir mão do rigor acadêmico que ele requer. Afinal, conhecer as diferentes raízes da esperança nos ajuda a entender melhor por que ela é tão essencial e, ao mesmo tempo, tão diversa em suas manifestações até alcançar a Mãe da Esperança.