Como encontrar Maria na Bíblia?
Introdução
Onde e como encontramos Maria na Bíblia?
Estamos diante de duas questões interessantes, mas não de fácil resposta! Este é um assunto que interessa a todos os fiéis em Cristo, uma vez que Maria é a mãe de Cristo e nossa mãe. Ela nos convida a acreditar nas palavras de seu Filho e colocá-las em prática. Na Sagrada Escritura, Maria é descrita como a Virgem, uma mulher humilde e pobre, uma discípula atenta, uma vigilante guardiã de cada gesto e palavra relacionados a Jesus. Ela é uma mulher de oração no Cenáculo com a Igreja primitiva.
Quando se fala de Maria na Bíblia, temos a impressão de que a Sagrada Escritura não é generosa em informações sobre ela. Este é um julgamento acrítico, na verdade, um preconceito que não reconhece o caráter não quantitativo, mas qualitativo da Palavra de Deus e sua finalidade histórico-salvífica. A Escritura, ao contrário da literatura apócrifa e devocional, não se interessa diretamente pela biografia e pela história particular da mãe de Jesus, mas sim pelo seu papel e significado no contexto do plano de salvação.
Estatisticamente, os trechos explícitos sobre a mãe de Jesus não são numerosos, mas também não são escassos, em qualquer caso, são textos estratégicos e de densidade excepcional. Estratégicos, porque estão localizados nas viradas fundamentais da história da salvação: Encarnação – Mistério Pascal – Pentecostes. De extraordinária densidade, pois estão vitalmente inseridos nesses mistérios, dos quais derivam valor e significado.
Maria, devido à sua íntima participação na história da salvação, deve ser estudada em toda a Bíblia, não apenas nos trechos explícitos, mas também nos trechos do Antigo Testamento, onde a mãe do Redentor é prefigurada. É compreensível por que o objeto de nossa reflexão é importante para aqueles que desejam viver sua vocação cristã seguindo os passos de Maria, a mãe do Senhor e nossa mãe.
Por que procurar o rosto de Maria na Bíblia?
A Constituição Conciliar Dei Verbum nº 24 afirma: «A teologia sagrada se baseia, como em um fundamento perene, na palavra de Deus escrita, com a sagrada tradição, e nela se consolida e rejuvenesce constantemente, examinando à luz da fé toda a verdade contida no mistério de Cristo. As Sagradas Escrituras contêm a palavra de Deus e, por serem inspiradas, são verdadeiramente a palavra de Deus; o estudo das páginas sagradas deve ser como a alma da teologia sagrada».
Nesse sentido, a Sagrada Escritura também é a fonte da Mariologia. Se quisermos conhecer o verdadeiro rosto de Maria, o primeiro passo fundamental e inevitável é aprofundar os trechos bíblicos que falam dela. A Sagrada Escritura é a palavra divinamente revelada e inspirada sob a orientação do Espírito Santo. A verdade contida na Bíblia é fundamentada nesse elemento da revelação divina. Portanto, os textos marianos da Bíblia são pontos de referência confiáveis.
Os Padres da Igreja também percorreram um caminho de descoberta da verdade bíblica sobre Maria e nos transmitiram os elementos que constituem a teologia mariana na tradição da igreja, tais como a antítese Eva-Maria, a divina maternidade, a perpetuidade da virgindade, a santidade sublime, a poderosa intercessão, a participação na realeza de Cristo, entre outros. A tradição da Igreja recorreu a fontes bíblicas para celebrar os eventos centrais de sua vida na liturgia.
Existe a tendência em afirmar que Maria é vista como um ponto de divisão entre as várias confissões cristãs. No entanto, Maria não divide; são seus filhos que se dividem por causa dela. Muitas vezes, nos dividimos em relação a ela. Para o diálogo ecumênico entre as diferentes igrejas sobre Maria, mãe de Jesus, é imperativo voltar à Bíblia. A Bíblia deveria ser nosso primeiro ponto de referência para uma mariologia ecumênica. A Sagrada Escritura não é, certamente, a única fonte da revelação divina, mas é a fonte principal.
Como ler os versículos mariológicos?
Ler a Sagrada Escritura adequadamente não é algo fácil. Existem vários métodos de leitura, e essa variedade é uma verdadeira riqueza. A hermenêutica bíblica tornou-se uma arte e uma ciência muito importantes entre os estudiosos da Bíblia. Nos últimos 40 anos, muitos exegetas católicos têm dedicado suas habilidades para promover o estudo e o conhecimento da mariologia bíblica. A esse respeito, merecem consideração algumas declarações feitas pela Pontifícia Academia Mariana Internacional (A Mãe do Senhor, nº 24) como orientações que merecem atenção:
«Nos tempos atuais, os exegetas recorrem a uma variedade de métodos para abordar a Bíblia. É claro que essa variedade é legítima, pois, evitando qualquer fundamentalismo, por um lado, não se deve negligenciar o sentido literal da Escritura, cuja identificação tem sido grandemente facilitada pelo método histórico-crítico, e, por outro lado, não se deve subestimar o caráter peculiar da Bíblia, como a palavra de Deus inspirada, transmitida em linguagem humana por muitos hagiógrafos ao longo de muitos séculos, acolhida por uma comunidade de fé, com um propósito teológico (a auto-revelação de Deus) e um propósito soteriológico (a salvação da humanidade!). Nessa variedade de abordagens, o princípio enunciado pelo Vaticano II mantém seu valor inalterado: a Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada com a ajuda do mesmo Espírito pelo qual foi escrita, para extrair com precisão o sentido dos textos sagrados, deve-se prestar a devida atenção ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura, levando em consideração a tradição viva de toda a Igreja e a analogia da fé.
Na mariologia, o princípio da “unidade de toda a Escritura” pode ter aplicações frutíferas, considerando-a como um único Livro, pois um é o Autor, um é o povo a quem se dirige, e único é o propósito que se estabelece. Esse princípio permite, por exemplo, conectar de maneira não arbitrária a Mulher de Gênesis 3,15 com a Mulher de Apocalipse 12,1!
Bem como destaca a continuidade da ‘bênção‘ concedida às mulheres que tiveram uma missão libertadora em Israel: Débora (cf. Jz 5,24), Judite (cf. Jd 15,9.10), Maria de Nazaré (cf. Lc 1,42). A referência à “tradição viva de toda a Igreja” deve nos convencer a não negligenciar, na pesquisa mariológica, a exegese patrística: os Padres da Igreja são os fundadores dessa tradição e também são mestres insuperáveis de uma leitura teológica eclesial, realizada com um autêntico espírito cristão e de valor inestimável.
Seria conveniente não repetir constantemente, como um refrão, que a Sagrada Escritura fala pouco sobre a Mãe do Senhor. A esse respeito, o Papa João Paulo II já observou que «a Bem-aventurada Virgem é […] depois do Apóstolo Pedro e do Precursor João, a personagem mais citada nos Evangelhos canônicos».
No testemunho evangélico sobre a Virgem Maria, deve-se considerar, mais do que a quantidade, a qualidade dos relatos. A narrativa da Anunciação (Lc 1,26-38), da Visitação (Lc 1,39-56), das bodas de Caná (Jo 2,1-12), do mútuo confiamento do Discípulo à Mãe e da Mãe ao Discípulo (Jo 19,25-27) estão entre as páginas mais elevadas e densas dos Evangelhos.
Maria no Antigo Testamento: é uma pergunta legítima?
Antes de responder a essa pergunta, gostaria de fazer uma introdução. Os evangelistas, ao narrarem a identidade de Jesus Cristo e a sua missão redentora, recorrem também às Escrituras do Antigo Testamento. Jesus Ressuscitado fez o mesmo ao falar com os dois discípulos em Emaús: “Começando por Moisés e por todos os Profetas, explicou-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” (Lc 24,27).
Jesus fez o mesmo ao aparecer a todos os discípulos reunidos em Jerusalém, dizendo: “são estas as palavras que vos disse quando ainda estava convosco: era necessário que se cumprisse tudo o que está escrito a meu respeito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras” (Lc 24,44-45). Assim como a identidade de Jesus foi compreendida na primeira comunidade cristã a partir do Antigo Testamento, também é necessário compreender a verdadeira identidade de Maria, sem negligenciar o Antigo Testamento.
Quais trechos do Antigo Testamento preanunciam implicitamente ou prefiguram Maria?
Como o Antigo Testamento nos ajuda a entender a identidade da mãe do Salvador?
Diversas mulheres descritas pelos autores do Antigo Testamento prefiguram Maria. Por exemplo: Sara – esposa de Abraão (Gen 16,1-2; 17,3-8.15-19; 18,10-14; 21,1-7), Ana – esposa de Elcana, são mulheres estéreis que concebem por obra de YHWH. No Magnificat, o evangelista Lucas relaciona o hino de gratidão pronunciado por Ana (1 Sam 2,1-10) com o mistério de Maria. Em casos como esses, e em outros em que YHWH intervém na história da salvação de Israel, essas mulheres refletem a vocação de Maria.
As mulheres mencionadas na genealogia de Jesus são quatro: Tamar, Raabe, Rute e Betsabea (Mt 1,3.5.6). Qual é a conexão profético-messiânica entre essas quatro mulheres e Maria na concepção e nascimento de Jesus?
Existem várias interpretações:
Alguns afirmam que Maria, uma mulher humilde e santa, está em contraste com essas quatro mulheres que entraram na linhagem de Jesus como estrangeiras, apresentadas por Mateus no início de seu Evangelho como descendente de Davi e Abraão.
Outros argumentam que essas quatro mulheres desempenharam papéis benéficos importantes na história do povo de Israel. No entanto, é importante notar a mudança estilística peculiar em Mt 1,16b. Nesse versículo, Mateus altera o estilo da frase estereotipada e imutável (A gerou B, B gerou C, etc).
Por que essa mudança súbita?
Porque no nascimento de Jesus, há uma exceção singular e única. Jesus não tem um pai humano. Maria concebeu pela obra do Espírito Santo (Mt 1,18). Isso exemplifica como o mistério de Maria deve ser interpretado à luz do Antigo Testamento.
Passagens como Gen 3,15; Is 7,14 e Miq 5,2 são muito importantes para entender a vocação de Maria como mãe do Redentor. O evangelista Mateus faz referência ao texto de Is 7,14 e esclarece aos seus leitores a virgindade de Maria. Além disso, existem três livros do Antigo Testamento (Rute, Ester e Judite) que apresentam casos de vocações femininas que participam de diferentes maneiras no plano salvífico de Deus na história de Israel. Essas três mulheres são mediadoras entre Deus e o povo de Israel e são figuras distantes de Maria a qual foi chamada a cumprir o plano de Deus para a salvação da humanidade. Em momentos de perigo para o povo, Deus escolhe essas mulheres para salvar a vida das pessoas. Essas figuras femininas antecipam e definem a missão de Maria.
Além dessas passagens clássicas, existem numerosas alusões e referências aos títulos atribuídos a Maria:
a sarça ardente (Ex 3,2), o jardim fechado, a fonte selada (Ct 4,12), a filha de Sião, a arca da aliança, entre outros. As prefigurações de Maria são encontradas nos seguintes textos: Sara (Gen 17,16-19; 18,10-14), Rebeca (Gen 24,12-16), Miriam (Ex 15,20-21), Ana (1 Sam 1,2-10). Esses trechos do Antigo Testamento que mencionamos explicam como o mistério de Cristo está oculto no Antigo Pacto e também explicam como o mistério de Maria, mãe do Redentor, deve ser descoberto e interpretado à luz do Antigo Testamento.
Maria no Novo Testamento
Já sabemos quase todos de cor os trechos marianos neo-testamentários, pois os lemos ou ouvimos diversas vezes. Agora não queremos, nem mesmo podemos, aprofundar esses trechos marianos do ponto de vista exegético-teológico. Queremos simplesmente mencioná-los e oferecer uma chave de leitura e apresentar brevemente a sua mensagem espiritual para nós hoje.
Ausência da figura da mãe de Jesus no corpus paulino?
No antigo hino cristológico de Filipenses (2,7), encontramos uma menção indireta à mãe de Jesus: o gesto do Filho de Deus, que assume a condição humana, ocorre através do nascimento de uma mulher, que se declara ‘serva‘ do Senhor. A obediência de Jesus ao Pai e a obediência de Maria ocorrem no mesmo evento da encarnação. O texto mariano mais antigo do Novo Testamento é Gal 4,4: “mas quando veio a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei“.
À primeira vista, este versículo parece referir-se à mãe de Jesus de maneira indireta e superficial. No entanto, quando se coloca o texto em seu contexto e se faz uma análise exegético-teológica cuidadosa, entende-se que este texto paulino contém ‘uma mariologia em germe‘.
A mulher, cujo nome nem é mencionado, está inteiramente a serviço do evento salvífico que envolve a Trindade e beneficia todos os homens. O tempo do fim é o tempo em que o princípio divino de nossa existência, Jesus Cristo, penetra nela. A aparição de Jesus Cristo neste eon baseia-se no ato do envio e consiste na Encarnação. O Filho de Deus assim enviado, insere-se na natureza humana, determinada pela mulher.
Maria e a família de Jesus em Marcos
O evangelista Marcos refere-se a Maria em dois textos: 3,31-35 e 6,3. Estes dois trechos falam da família de Jesus. A expressão ‘irmãos de Jesus‘ no evangelho de Marcos suscita vários problemas. Por exemplo, os protestantes dizem que se Jesus tinha irmãos, não podemos acreditar que Maria permaneceu virgem após o parto. A virgindade de Maria é questionada. Outro problema levantado é: se o próprio Jesus rejeitou Maria, dizendo ‘quem é minha mãe?’, por que devemos nós dar importância a Maria?
Estas perguntas são superficiais. A palavra ‘adelphoi‘ usada pelo evangelista não significa necessariamente os irmãos de sangue de Jesus, mas no linguajar semítico significa os primos de Jesus. Quanto à pergunta de Jesus quem é minha mãe? Quem são meus irmãos?, Jesus não rejeita de forma alguma sua mãe, pelo contrário, não quer limitar sua relação com ela ao nível biológico, mas a coloca ainda em um nível superior – ou seja, apresenta sua mãe como aquela que ouviu primeiro a palavra de Deus e a colocou em prática em sua colaboração com Deus para a salvação do mundo.
Identidade e Missão de Maria em Mateus e Lucas
Os primeiros capítulos de Mateus e os dois primeiros capítulos de Lucas são muito importantes para entender a verdadeira identidade e missão de Maria, a mãe de Jesus. Apenas estes evangelistas falam da infância de Jesus, por isso são chamados ‘evangelhos da infância‘. Mateus começa seu evangelho com a genealogia. Maria é relacionada com as quatro mulheres na lista da genealogia e mostra como Maria concebeu Jesus pela obra do Espírito Santo. Invocando Is 7,14, Mateus destaca a virgindade de Maria. No relato mateano da infância de Jesus, Maria é uma mulher obediente, silenciosa e executa as ordens do Pai celestial. A parte narrativa do segundo capítulo, a adoração dos magos, nos dá uma imagem clara de Maria como a rainha. Porque seu Filho Jesus é adorado como o Rei, que salvará toda a humanidade (Mt 2,1).
Entre os sinóticos, Lucas é o evangelista que oferece uma visão mais histórica e detalhada da vida de Maria em referência à infância de Jesus nos primeiros dois capítulos de seu evangelho: Anunciação, Visitação, Magnificat, o nascimento de Jesus, apresentação de Jesus no templo, anúncio profético das dores de Maria, Jesus adolescente encontrado no templo de Jerusalém. Lucas fala de Maria também nos Atos dos Apóstolos (1,14). Maria ora com os apóstolos no cenáculo.
A Mãe de Jesus em João
João nunca escreve o nome de Maria em seu Evangelho. Ele sempre a chama com a expressão ‘mãe de Jesus‘. Os dois trechos marianos do IV Evangelho são: o primeiro sinal de Jesus nas bodas de Caná (2,1-12) e Maria aos pés da cruz no Calvário (19,25-27). Jesus chama sua mãe de ‘mulher‘ nestes trechos. Isto ecoa a mulher de Gen 3,15. Pode-se conectar esta palavra ‘mulher‘ do evangelho à ‘mulher‘ do Apocalipse 12. A teologia mariana do evangelista João é muito rica e densa. Alguns exegetas interpretam a ‘mulher‘ do Apocalipse como a Igreja perseguida da Ásia Menor, e outros exegetas veem a imagem de Maria nesta ‘mulher‘. Ambas as interpretações (eclesiológica e mariológica) não são exclusivas ou incompatíveis, mas são complementares. Uma interpretação enriquece a outra.
Alguns exegetas dizem que Jo 1,13, lido com o verbo no singular (foi gerado – não foram gerados), alude à concepção virginal e ao parto virginal de Jesus, em consequência à virgindade de Maria. Todos os manuscritos antigos leem este versículo no plural, ou seja, referem-se ao nascimento batismal dos fiéis. No entanto, o testemunho de alguns Padres da Igreja (latinos e orientais) para a leitura do versículo no singular são mais antigos dos manuscritos que temos hoje. A questão da crítica textual deste verbo ainda está aberta à discussão.
Conclusão
Podemos dizer que a Sagrada Escritura nos oferece o testemunho mais confiável sobre a pessoa e missão de Maria, a mãe de Jesus. Diz-se que a ignorância das Escrituras é a ignorância de Cristo. Isso significa que a ignorância da Escritura é também a ignorância de Maria. Então, leiamos a Bíblia com reverência e devoção, mas com métodos apropriados. Assim poderemos conhecer melhor Maria e seguir seus passos, cumprindo a vontade de Deus.
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