Desvendando a Natividade de Maria: um enigma para a Tradição Eclesial
Você já se perguntou: “E se a Tradição Eclesial não existisse por um momento, poderíamos ainda falar sobre a Natividade de Maria?” Essa questão pode parecer ousada, mas nos leva a uma jornada fascinante para explorar a história por trás do nascimento da Mãe de Jesus.
Embora a Natividade de Maria não seja um dado bíblico, é um evento histórico que desempenha um papel crucial na história da humanidade. Se Jesus é verdadeiramente homem, isso se deve à sua mãe, Maria, e a sua própria história, que remonta ao nascimento dela.
Essa simples reflexão desafia a típica pergunta: “Onde está isso na Bíblia?” Ela nos lembra que a Palavra de Deus e a história da salvação são intrinsecamente ligadas, e muitas vezes esquecemos que as figuras bíblicas têm uma história real, um rosto, uma jornada e um propósito.
Para entender o contexto desse tema, vamos viajar para Jerusalém, a cidade de Deus para os hebreus. Neste lugar sagrado, vemos a conexão entre a Antiga e a Nova Aliança, representadas pelo Templo e pelo nascimento da Nova Arca da Aliança de Deus com os homens: Maria. Jerusalém é onde as tipologias moldam as festas e os santuários, e é onde a Natividade de Maria encontra o seu significado.
Como podemos celebrar a morte de Maria e sua Assunção sem celebrar seu nascimento? É lógico pensar que a peregrinação aos lugares santos inspiraria celebrações litúrgicas em outras partes do cristianismo ocidental e oriental.
Os primeiros indícios da celebração da Natividade de Maria remontam ao século V, quando um hino à Natividade foi composto por Romano o Melode, introduzido posteriormente em Constantinopla em 555. Na Igreja latina, a festa foi incluída no calendário litúrgico pelo Papa Teodoro no século VII.
Para a Igreja Antiga, essa festa litúrgica era um memorial que celebrava o cumprimento das profecias messiânicas dos Profetas e a preparação da Antiga Aliança. À medida que a liturgia se desenvolvia, todos os eventos que levaram à Páscoa de Cristo eram celebrados, incluindo Maria, os Apóstolos e a Igreja de Jerusalém. A tradição das figuras do Antigo Testamento e dos oráculos se tornou parte do mistério de salvação celebrado.
Para que Jesus fosse verdadeiramente o cumprimento das Escrituras, era necessário que ao longo de sua vida, ele demonstrasse que as profecias haviam se concretizado. Aqui entra a Natividade de Maria, pois Jesus é chamado de filho de Davi devido à sua relação legal com José, embora não saibamos se Maria era descendente de Davi ou de linhagem sacerdotal.
Um fato intrigante é que, historicamente, as bênçãos eram transmitidas estritamente pelo sangue masculino, mas na genealogia de Jesus, encontramos quatro mulheres. Isso sugere que, desde os primeiros séculos, Maria era vista principalmente em seu aspecto religioso e espiritual, enquanto hoje tendemos a explorar a sua história e antropologia.
O nascimento de Maria pode não estar registrado na Palavra escrita, mas a sua ascendência e importância na história patriarcal e real de Israel a conectam à aurora dos novos tempos.
Ao examinarmos a liturgia da Natividade, vemos como as leituras do Profeta Miquéias, da Carta aos Romanos e do Evangelho de Mateus se entrelaçam para nos mostrar o cumprimento das Escrituras e a preparação para o nascimento do Salvador.
A celebração da Natividade de Maria é essencial para entender a jornada da salvação e a ligação entre o Antigo e o Novo Testamento. A festa nos lembra que Maria desempenhou um papel vital na história da redenção e que a sua história é um elo indispensável na salvação.
A arqueologia também nos revela a localização da casa de nascimento de Maria, perto da piscina de Bezeta, que se tornou um local de culto no século V. Essa festa tem seu lugar no calendário litúrgico como parte das “Três Grandes Natividades”: Jesus em 25 de dezembro, João Batista em 24 de junho e Maria, nove meses após a Imaculada Conceição, em 8 de setembro. Esta última data é particularmente significativa, pois marca a aurora da redenção e coincide com a dedicação da Basílica da Natividade.
É importante lembrar que o ano litúrgico bizantino começa em 1º de setembro, tornando o nascimento de Maria o ponto de partida para uma jornada espiritual profunda. A Páscoa da Theotokos em 15 de agosto, que encerra o ano litúrgico bizantino, prepara o terreno para o ciclo natalício-revelativo, que nos lembra que não há Messias sem o Mistério Pascal, que se completa no ventre de Maria.
Nesta Memória mariológica, recordo um dos Sermões de Santo André de Creta, um bispo do século VIII, onde ele explora a renovação que ocorre na Natividade de Maria, destacando como Cristo é o cumprimento da lei, transformando-a de um jugo opressor em liberdade espiritual. O nascimento de Maria é o princípio de uma série de eventos que culminarão na união do Verbo com a carne, a encarnação de Cristo. O Bispo enfatizava no seu Sermão que esta festa é um ponto de encontro entre o Antigo e o Novo Testamento.
Concluindo, a Natividade de Maria, embora não esteja diretamente registrada na Bíblia, desempenha um papel crucial na história da salvação. Ela nos liga à promessa messiânica, à preparação da Antiga Aliança e ao início da Nova Aliança. Esta festa nos convida a compreender o Antigo e o Novo Testamento e o papel de Maria na história da redenção. Portanto, celebrar a Natividade de Maria é celebrar a esperança e a aurora da salvação para o mundo inteiro.
Daniel Cerqueira Afonso
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