Maria e a Eucaristia
Introdução
De acordo com a antiga e universal tradição da Igreja, a memória de Maria faz parte da celebração da Eucaristia. Ninguém deve considerar que a lembrança de Maria na Oração Eucarística seja de natureza puramente devocional: é um sinal de que não podemos omitir a memória de Maria no memorial dos mistérios de Cristo. Na verdade, a recordação explícita da Mãe de Deus surge de uma profunda necessidade: a Eucaristia, sendo a celebração plena dos mistérios salvíficos realizados por Deus por meio de Cristo no Espírito, não pode deixar de recordar a santa Mãe do Salvador, que está indissoluvelmente ligada a esses mistérios (cf. Ecclesia de Eucharistia, nn. 53-58).
A conexão entre Encarnação e Eucaristia, e nela a comunhão com Aquela da qual historicamente o corpo e o sangue de Cristo nos foram dados, une a devoção mariana à celebração eucarística. Assim reza o Prefácio II/A do Advento no Missal Romano: “do seio virginal da filha de Sião brotou aquele que nos alimenta com o pão dos anjos“. O Papa Sao João Paulo II escreve:
«De certa forma, Maria exerceu sua fé eucarística antes mesmo que a Eucaristia fosse instituída, pelo simples fato de ter oferecido seu seio virginal para a encarnação do Verbo de Deus. A Eucaristia, enquanto remete à paixão e ressurreição, ao mesmo tempo se insere em continuidade com a Encarnação. Maria concebeu o Filho divino na Anunciação na verdade física de corpo e sangue, antecipando em si mesma o que de alguma forma se realiza sacramentalmente em cada fiel que recebe, no sinal do pão e do vinho, o corpo e o sangue do Senhor»
(Ecclesia de Eucharistia, n. 55).
A hora eucarística da Encarnação
Em Maria, consagrada pelo Espírito Santo, estabeleceu-se a nova e eterna aliança, que é Cristo Jesus: em seu santíssimo ventre, como em um templo, o Redentor começou a oferecer ao Pai o sacrifício que reconcilia toda a humanidade. Dela, como de uma espiga madura pelos raios do Sol divino, é oferecido ao mundo “o pão da vida“. Dela, a vida da uva mais pura cultivada pelo celestial Agricultor, jorrou “o sangue derramado por todos” que enche o cálice de nossas Eucaristias.
O mistério que celebramos no altar remete, de fato, à hora da Anunciação (cf. Lc 1, 26-38). Isso é destacado por um texto litúrgico que ora: «Aceita, ó Deus, os dons que apresentamos no altar e consagra-os com o poder do teu Espírito, que santificou o ventre da Virgem Maria» (Oração sobre as ofertas, IV Domingo do Advento). Na verdade, o evento singular da Encarnação na Virgem se perpetua “sacramentalmente” na Igreja por meio da celebração da Eucaristia.
Os “sinais” podem mudar, mas a realidade é a mesma: como já explicava São Justino no século II, o sacrifício realizado no pão e no vinho não é um “sacrifício de pão e vinho” porque nós cristãos «aprendemos que, pela força da palavra de oração que vem de Cristo, aquele pão e aquele vinho se tornam carne e sangue daquele mesmo Jesus que se encarnou» (Apologia I, 66).
Portanto, uma vez que historicamente a carne e o sangue do Redentor nos foram entregues por meio de Maria, é apropriado afirmar que sua presença materna revive, de alguma forma, nos mistérios que são o memorial dessa carne e desse sangue. Maria não pode ser separada da mesa eucarística: isso foi expresso artisticamente pelo Beato Angélico, que, ao retratar a Comunhão dos Apóstolos nas mãos de Jesus na Última Ceia, colocou a Virgem Maria de joelhos em oração e envolvida no Mistério!
À luz de Nazaré, o evento da Palavra de Deus que se torna carne e sangue em Maria, devido à sua fé e ao Espírito Santo, ilumina profundamente o mistério da Palavra que se torna carne e sangue na Igreja celebrante, para formar com ela, pelo mesmo Espírito, “um só corpo e um só espírito” (cf. Oração Eucarística III).
Seguindo o exemplo da Virgem anunciada, que forma “um só corpo” com o Filho do Altíssimo, a Igreja, através da comunhão eucarística, torna-se parente do Filho de Deus. A expressão em que o apóstolo Paulo sela sua experiência de comunhão com o Senhor: “Já não sou eu que vivo, mas Cristo vive em mim” (Gal 2,20), se aplica de forma muito especial à Virgem fiel, assim como à Igreja que comunica nos santos mistérios do corpo e sangue do Senhor.
A marca mariana da Eucaristia
A comunhão entre Cristo, Maria e os discípulos, estabelecida aos pés da Cruz (cf. Jo 19, 25-27), encontra vitalidade no memorial do sacrifício de Jesus: a hora da Cruz sacramentalmente coincide com a hora da celebração eucarística. E assim, na implementação sacramental desse sacrifício, também a presença de Maria tem lugar: ela colabora para formar no coração dos crentes que participam dos santos mistérios a imagem de seu Filho Jesus.
A Eucaristia é, de fato, o momento em que todas as maravilhosas dádivas que Cristo nos fez “em sacramento” revivem, incluindo o presente da Mãe para nós e de nós para ela. A Eucaristia fortalece o vínculo perene de amor entre “filhos e Mãe“, em Cristo. Desde a antiguidade – veja a Tradição Apostólica atribuída a Hipólito (séc. III) e o Cânon Romano (séc. IV-V) – a Bem-Aventurada Virgem Maria é lembrada e invocada na Oração que está no cerne da celebração eucarística.
E isso não vem de circunstâncias contingentes, mas de uma necessidade íntima: como a Eucaristia é a celebração dos mistérios salvíficos realizados por Deus através de Cristo no Espírito, ela não pode deixar de lembrar a Virgem, que estava indissoluvelmente ligada a esses mistérios como a Mãe do Redentor e dos redimidos. Como nos diz São João Paulo II:
«Esta maternidade é particularmente sentida e vivida pelo povo cristão no sagrado banquete – a celebração litúrgica do mistério da redenção – no qual Cristo, seu verdadeiro corpo nascido da Virgem Maria, está presente. Com razão, a devoção do povo cristão sempre reconheceu uma profunda ligação entre a devoção à Virgem santa e o culto à Eucaristia: isso é um fato observável na liturgia tanto ocidental quanto oriental, na tradição das famílias religiosas, na espiritualidade dos movimentos contemporâneos, também jovens, na pastoral dos santuários marianos. Maria guia os fiéis para a Eucaristia».
(Redemptoris Mater 44)
A “Mulher” que, pelo Espírito Santo, se tornou o templo do Sacerdote eterno, sempre vivo para interceder por nós junto ao Pai (cf. Heb 7,25), é o espelho da Igreja que celebra os santos mistérios. Em Maria, morada do Deus vivo, estabeleceu-se o sacrifício da Aliança eterna que é Cristo, o Redentor, de seu ventre, elevou-se aos céus o perfeito louvor ao Verbo encarnado. Dela, tomou forma o Pão descido do céu que dá vida ao mundo, Dela, jorrou para nós o Sangue derramado por todos. Por isso, ao celebrar a Eucaristia, a Igreja olha para Maria, experimentando a comunhão de oração com ela e a exemplaridade de sua figura para viver em Cristo, com Ele e para Ele.
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