O Rosário e os Bispos de Roma

A obra realizada pelos Bispos de Roma, tanto no passado quanto no presente, foi a de promover, motivar e incentivar nos fiéis a oração evangélica do Rosário, uma prece que sabe bem acompanhar as estações da vida dos fiéis. O apelo de São João Paulo II, que convidava todos os cristãos (pastores, teólogos e leigos) a retomar com confiança o Saltério da Virgem, redescobrindo-o à luz da Palavra revelada, em harmonia com a liturgia da fé, no contexto da existência cotidiana (cf. RVM 43), ainda é atual.

Além disso, a oração do Rosário não apenas pontua, de maneira orante e contemplativa, a existência cotidiana e normal dos fiéis católicos, mas também é reconhecida e experimentada como um auxílio e conforto valiosos, como ensinou o próprio Papa Wojtyła, na experiência da dor e da doença. A Sagrada Escritura, texto fundamental da fé judaico-cristã, que deve ser entendida em suas partes do Antigo e Novo Testamento como “um único livro, e este livro é Cristo” (Hugo de São Vítor, A arca de Noé, II,8), deve ser considerada pelos fiéis como o grande livro da “história” de Deus e, em Deus, da humanidade.

Ela é, ao mesmo tempo, um relato santo e verdadeiro do olhar misericordioso/materno de Deus sobre o mundo: “Os olhos do Senhor percorrem toda a terra” (Zc 4,10); um olhar atento, capaz de penetrar nos lugares mais secretos (cf. Eclo 23,19). Esses olhos paternos/maternos, atentos às diferentes realidades e necessidades do homem e da mulher infinitamente amados, estão prontos para perceber e enxugar as lágrimas do sofrimento, que Deus mesmo recolhe com ternura em um odre (cf. Sl 56,9). Eles se comprazem com a pobreza espiritual dos humildes e pobres, como a anaw Maria de Nazaré. O olhar compassivo e o coração terno e generoso de Deus Uno e Trino sempre acompanharam a história da humanidade e de cada um dos seus membros; e isso a Mãe e Serva do Senhor experimentou, foi beneficiada por esse olhar, e, por isso, o indica em sua maternidade universal!

Além disso, a Mãe do Senhor e da Igreja, que na terra conheceu o sofrimento e a dor, não apenas por causa do Filho e de sua obra salvífica, é invocada desde sempre como Salus infirmorum (Saúde dos enfermos), sendo solícita e cheia de ternura ao socorrer seus filhos marcados pelo sofrimento. Por isso, as comunidades cristãs, os doentes e aqueles que se encontram na dor a invocam com a recitação do Rosário, para, por sua intercessão, recuperarem a saúde do corpo e a paz do coração, o consolo e a esperança do espírito. Nos santuários, onde a recitação do Rosário é mais fervorosa, encontram-se muitos testemunhos da imensa confiança que os sofredores depositam na Mãe de Cristo, porque algo de novo aconteceu em suas vidas: a conversão ou a cura.

Não é de se surpreender, portanto, que os Papas ao longo dos séculos, tanto em tempos de dificuldade quanto de serenidade social e eclesial, tenham tido o Rosário mariano em grande estima, recomendando-o constantemente à atenção e prática do povo cristão, convidando-o a recitá-lo com a simplicidade e o fervor dos humildes, dos aflitos e dos confiantes. Não é por acaso também que os Bispos de Roma do século XX, especialmente o Papa João Paulo II, tenham proposto com convicção “a todas as famílias cristãs a oração do Rosário, para que possam saborear a beleza de parar juntos para meditar com Maria os mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos da nossa Redenção, e assim santificar os momentos felizes e os difíceis da vida cotidiana“.

Por ocasião de sua peregrinação para o 150º aniversário das aparições no célebre santuário de Lourdes – 14-15 de setembro de 2008 – o Papa Bento XVI lembrou com força como o santuário francês (e isso também vale para as outras inúmeras “casas de Maria”, que são os santuários dedicados a ela) é, por vocação própria, lugar de intenso e verdadeiro encontro de oração com Deus e, ao mesmo tempo, de concreta fraternidade/sororidade humana na companhia da Mãe de Jesus. De fato: “a vocação primária do santuário de Lourdes [e de todos os santuários marianos] é ser lugar de encontro com Deus na oração e lugar de serviço aos irmãos, especialmente na acolhida dos doentes, dos pobres e de todas as pessoas que sofrem. Nesse lugar, Maria nos aparece como a mãe sempre disponível às necessidades de seus filhos. Através da luz que emana de seu rosto, é a misericórdia de Deus que transparece. Deixemo-nos tocar pelo seu olhar: ele nos diz que somos todos amados por Deus, jamais por Ele abandonados! Maria vem nos lembrar que a oração, intensa e humilde, confiante e perseverante, deve ocupar um lugar central em nossa vida cristã. A oração é indispensável para acolher a força de Cristo. ‘Quem reza não desperdiça seu tempo, mesmo que a situação tenha todas as características de emergência e pareça exigir apenas ação’ (Deus caritas est 36). Deixar-se absorver pelas atividades corre o risco de fazer com que a oração perca sua especificidade cristã e sua verdadeira eficácia“.

Se, por um lado, a oração é uma experiência teofânica, por outro lado, ela é também uma antropofania, ou seja, uma manifestação do homem; de fato, na oração-comunhão, o ser humano experimenta o esplendor, a beleza e a bondade de Deus. E o Três Vezes Santo, na sua impensável e exemplar humildade e na sua complacência que o caracteriza, faz experiência do ser humano, enchendo-o de seu amor e proporcionando-lhe uma experiência transfiguradora, à imitação das teofanias do Antigo Testamento, mas sobretudo da cristofania do Tabor (cf. Lc 9,28-36), onde o apóstolo Pedro, extasiado e… confuso por tanta santa e divina beleza, exclamou: “é bom estarmos aqui!” (Lc 9,33 [cf. Lc 9,28-36]; cf. Mc 9,2-13; Mt 17,1-9).

O mundo hoje sofre com a chocante feiura e brutalidade infligidas à humanidade e à criação; é preciso recuperar e estabilizar a ecologia do coração e da mente para buscar a beleza perdida, que sempre pode ser perseguida: uma ecologia integral que o Filho Belo e Santo de Deus é capaz de irradiar, indicar e restaurar no ser humano e no mundo, e da qual a Tota Pulchra (Toda Bela) é um ícone saudável e esplêndido. Não é por acaso que, na mesma linha da experiência transfiguradora do Tabor, cada verdadeira e providencial – pois é tornada tal pelo desígnio de Deus – aparição/mariofania é, ao mesmo tempo, uma experiência altamente estética: encontra-se ali uma realidade incontaminada, uma Pessoa Belíssima que amavelmente nos chama a viver uma vida bela e boa. Por isso, em nosso caminho teologal rumo ao Três Vezes Santo, através da diaconia da Tota Pulchra, seja na oração, na contemplação, ou na experiência mística e teologal do Mistério, somos levados a fazer, ainda que com as devidas diferenças, a experiência dos Apóstolos no Tabor, com Maria, a mãe de Jesus (At 1,14)!

A beleza transcendente e valorosa do Filho de Deus convida o discípulo/discipula a “subir” e a deixar-se imergir na aura da santidade divina para ser completamente transformado em uma criatura com “novo espírito e novo coração”. A esse respeito, a teóloga japonesa Luca M. Ritsuko Oka escreve: “A transformação do coração – ou seja, de toda a pessoa corporal-espiritual – de Maria se completou na plena participação do corpo glorificado de Cristo. Maria ‘vive com Jesus completamente transfigurada’ e ’em seu corpo glorificado, junto com Cristo ressuscitado, parte da criação alcançou toda a plenitude de sua beleza’ (Francisco, Laudato si’, 241)“.

Sobre os frutos teologais que derivam da oração/contemplação do Rosário, é paradigmático o discurso de piedade popular ao término da recitação do Rosário na Praça de São Pedro em 31 de maio de 2013, onde, descrevendo a atitude da Mãe de Jesus como o evangelista Lucas nos narrou no episódio da visita a Isabel, o Pontífice a resume em três palavras: escuta, decisão, ação. Um trio que, de fato, constitui o próprio objetivo da oração do Rosário: contempla-se com Maria o mistério de Jesus, para aprender a escutar, a decidir-se e a agir pelo Reino de Deus.

Um trio que, no ano seguinte, em 31 de maio de 2014, o mesmo pontífice resumiria no título mariano de “Nossa Senhora da prontidão”. Para o Papa Francisco, o Rosário é, portanto, uma oração que educa a “estar prontos“: prontos para ouvir a Palavra de vida; prontos para a decisão ou para a opção fundamental pelo Deus de Cristo; prontos para a ação e o serviço do Evangelii gaudium, a exemplo da Virgem de Nazaré, mulher exemplar de fé, mulher amada por Deus, e que aprendeu de Deus a misericórdia como escuta, como decisão, como sua ação no presente da Igreja e do mundo. Por fim, algo não secundário afirma o Papa Francisco: “Há uma realidade: Maria sempre nos leva a Jesus. Ela é uma mulher de fé, uma verdadeira fiel“.

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