Os mais antigos testemunhos do Advento

A meditação sobre a Palavra revelada, a reflexão sobre os acontecimentos da salvação, o esforço de penetração doutrinal centraram-se muitas vezes no mistério da encarnação. Nisso o fato celebrativo de Advento revelou-se decisivo: a maior parte da produção patrística e teológica a esse respeito nasceu da liturgia. Muitas vezes é a homilética que nos dá o material mais vivo e ainda atual.

O lecionário patrístico, na busca de uma espiritualidade substancial, neste período de intensidade e de luz mais forte, desenvolve vários temas como um todo. Podemos identificá-los e agrupá-los penetrando assim na densidade dos mais antigos testemunhos sobre o Advento

A natureza escatológica do advento 

A pregação profética, anunciando o advento do reino do Messias, apresentou os elementos das ‘duas vindas ou manifestações’: o primeiro evento é o início do cumprimento das promessas, o segundo é a conclusão, no final da história.

Uma primeira série de leituras tem um tom escatológico. Na realidade, os Padres da Igreja já olhavam para o retorno posterior de Cristo na glória e em concomitância para o estabelecimento de seu reino no final dos tempos. A Igreja peregrina aguarda com grande alegria o retorno de Cristo, seu Senhor e Salvador. Ao mesmo tempo, os pais da doutrina cristã colocam em primeiro plano o mistério do amor de Deus e este é o tema das leituras patrísticas dos dias imediatamente anteriores ao Natal no ofício de leituras.

Santo Irineu de Lyon (m. 202) afirma que existem três estágios para ver Deus. 

1 – no primeiro, Deus é escrutinado no Espírito por meio da profecia;

2 – no segundo ele é visto no Filho;

3 – no terceiro ele é contemplado em sua paternidade. 

Este terceiro estágio é a vida eterna. O Advento é simultaneamente a atualização da primeira etapa, a experimentação da segunda e a antecipação, na fé e na esperança, da etapa final (Adversus haereses, IV, 20, 4-5).

A Igreja primitiva viu a realidade do reino já presente na vinda de Cristo ao mundo e na sua inserção na história. O cristão já vive nos últimos dias, Cristo veio e voltará. Em todas as épocas, o reino de Deus envolve o cristão entre dois eventos históricos. Ele voltará com alegre expectativa e firme esperança para a vinda de Cristo. O presente da era messiânica é um período de progresso contínuo cujo resultado final será o cumprimento do reino de Cristo e a glorificação do seu corpo, a Igreja.

Iluminando o significado e o conteúdo do Advento estão dois textos que relatamos por sua grande importância. São Cirilo de Jerusalém (m. 386) que afirma «Nós anunciamos Cristo que virá. De fato, a sua vinda não é única, mas existe uma segunda, que será muito mais gloriosa que a anterior. O primeiro, de fato, teve o selo do sofrimento, o outro usará uma coroa de realeza divina. Pode-se dizer que quase sempre em nosso Senhor Jesus Cristo todo evento é duplo. A geração é dupla, uma de Deus Pai, antes dos tempos, e outra, o nascimento humano, de uma Virgem na plenitude dos tempos. Duas são também suas descidas na história. A primeira vez veio de forma escura e silenciosa, como a chuva sobre a terra (cf. Sl 71,6). A segunda vez virá no futuro em esplendor e clareza diante dos olhos de todos. Na primeira vinda foi envolto em panos e colocado num estábulo, na segunda será vestido de luz como uma veste (Sal 103,2). Na primeira aceitou a cruz sem recusar a desonra (Heb 2,12), na outra avançará escoltado pelas hostes dos anjos e será cheio de glória. Portanto, não nos limitemos a meditar apenas na primeira vinda, mas vivamos na expectativa da segunda. O Salvador virá não para ser julgado novamente, mas para julgar aqueles que o condenaram» (Catequese 15,1-3).

São Bernardo (m. 1153) distingue de forma ainda mais precisa: «sabemos que uma tríplice vinda do Senhor, uma vinda oculta, de fato se coloca entre as outras duas que são manifestas. Na primeira, o Verbo foi visto na terra e conversou com os homens, quando, como ele mesmo diz, eles o viram e o odiaram. Na última vinda todos verão a salvação de Deus (Lc 3,6) e olharão para aquele que traspassaram (Zc 12,10). Oculta é então a vinda intermédia, na qual apenas os eleitos é que o verão dentro de si mesmos, e as suas almas são salvas. Na primeira vinda, portanto, ele veio na fraqueza da carne, nesta vinda intermediária ele vem no poder do Espírito, na última ele virá na majestade da glória. Portanto, esta vinda intermediária é, por assim dizer, um caminho que une o primeiro ao último: no primeiro Cristo foi a nossa redenção, no último ele se manifestará como nossa vida, nisto ele é nosso repouso e nossa consolação». (Sermão V do Advento, 1-3)

Encarnação no Mistério da Salvação

A Encarnação do Verbo inscreve-se na amplitude do tema escatológico que abarca toda a história da salvação.

Esta acontece sob diversos pontos de vista:

O amor de Deus pelos homens

S. Pedro Crisólogo (m. 450) recorda-nos que o pecado tem provocado não só o afastamento dos homens de Deus, mas também tem gerado medo de Deus. Quando existe medo, não pode haver amor. Mas Deus adiantou-se primeiro: o seu amor, concretizado nos acontecimentos da história da salvação, é um testemunho que afasta o antigo medo, gera nele um desejo e nos convida a voltar. A nova civilização será construída sobre o amor: só assim conservará os bens da salvação (Sermão 147).

Guilherme de S. Thierry (m. 1148) afirma neste sentido que Deus nos amou primeiro: esta é a grande lição que tiramos disso. O Filho nos amou até morrer na cruz; e isso ele não fez porque precisava ser correspondido, mas simplesmente porque amar-nos é a única maneira de sermos o que Ele queria que nós fôssemos (Sobre a contemplação de Deus, 9-11).

«Da nossa parte, Senhor, amamos-te com a força e a vontade de amor que nos deste. Na verdade, vós criaste as nossas almas e os bons sentimentos que nelas habitam. A tua bondade e o teu amor são o mesmo, ó Deus, são o teu Espírito Santo».

Deus prepara a encarnação

No exato momento em que o homem se distancia de Deus, Deus inicia a economia da salvação. Este termo significa o plano de salvação para a humanidade, o qual se revela através da criação e sobretudo através da redenção realizada em Jesus (Ef 1,10).  

S. Agostinho (m. 430) afirma que este trabalho requer todo um caminho. Deus

«fixou os tempos exatos para suas promessas e para seu cumprimento» –  (Comentário aos Salmos, 109)

– que com o passar dos séculos se distinguiram e mostraram seu desenvolvimento progressivo. O tempo da promessa vai dos profetas a João Batista; e do cumprimento desde o Batista até à parusia. Na plenitude dos tempos, o Pai enviou seu Filho como salvador; na hora marcada ele voltará como juiz.

Diz-se na Carta a Diogneto, escrita no ano 120 (c. 8, 5-9) que Deus concebeu um desígnio eterno para salvar a humanidade no Filho, ao longo da história. Nela ele criou o tempo presente da graça; quando nossos pecados e injustiça atingiram seu pico, chegou a hora marcada para revelar seu poder, bondade, misericórdia e compaixão. Existe um abismo entre Deus e o homem. Uma troca entre os dois, se possível facilmente aceitável para os humanos. O pensamento patrístico, especialmente o grego, fez este esforço de investigação e penetração e derivou dele que Deus se faz homem para que o homem se torne Deus. Nesta mesma linha encontramos S. Irineu de Lyon (m. 130)  quando descreve que Cristo tornou-se primeiro como nós para que possamos nos tornar como ele é (Adversus haereses, 1. V).

Mais profundamente S. Atanásio (m. 373) explica que a encarnação é apresentada como a restauração da imagem de Deus no homem, como era no princípio (A encarnação do Verbo, 3,3-4), portanto o advento é basicamente uma transformação do homem. Este modelo de regeneração é o fundamento da vida cristã.

Oração final – Advento

Maria o espera,
Em seu devir, Ele já existe; em sua vinda, já se oferece.
E dá a sua Mãe a certeza da própria missão, e nesta certeza reside o conhecimento seguro da redenção do mundo.
E esse dom não termina n’Ela; por meio d’Ela alcança a Igreja, até chegar a nós.
Temos parte neste dom.
Quando Maria encontra os conhecidos em seu ambiente, ela olha para eles do ponto de vista da redenção.
Eles também estão entre aqueles a quem será dada a graça de levar seu Filho.
E o círculo se expande para incluir desconhecidos, aqueles que ela encontra por acaso, aqueles que estão longe e que ela nunca mais verá, que ela não conhece de todo.
Mas todos precisam da mesma redenção e, portanto, ela tem algo para dar a todos: seu Filho.
E assim ela se alegrará em todos, porque ela poderá dar este dom a todos.
Raramente será uma tarefa visível e tangível, quase sempre permanecerá uma tarefa que se realiza unicamente dentro do seu grande abandono a Deus.
Portanto, na sua missão existe algo que não se poderia absolutamente prever no momento do seu sim e que agora se torna visível: a inclusão de todos os outros; a coexistência de todos na expectativa do Redentor.
Mesmo aqueles que ainda não sabem nada sobre isso, que não serão capazes de conhecer.
O cumprimento se encontra junto de Deus.
Mas também está na vocação da Mãe, em se colocar à disposição, em sua disponibilidade, em sua perseverança nesta atitude.
E por isso está também no convite que ela dirige a todos para estarem presentes e a se deixarem envolver, a partilharem com ela esta participação para que todos possam participar na festa que o Filho prepara para a sua Mãe, sem atenuação através dos tempos, para que seja Natal para todos,  
Nesta confluência de todos os tempos no tempo do Advento está, escondido nas profundezas, o mistério de Maria: o seu inclinar-se, o seu seguir, compreender, obedecer, amar.
Como convidados, nos é permitido partilhar com ela a sua esperança, que tem por fundamento a sua missão e,  por meio desta, a missão de cada pessoa que participa na fé.
Talvez não haja melhor preparação para o Natal do que saber que estamos incluídos na oração da Mãe, na sua serena certeza de que por graça do Filho, o dia em que ele vier a nós, nos será oferecida a possibilidade de corresponder às suas expectativas.

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