História primordial de Maria: iconografia e arte

São os encolpias e as cruzes processionais da arte palestina a partir do século VI, contemporâneos da última grande época da literatura religiosa sobre Maria, a dos assunçionistas calcedonenses. Tais artefatos não só nos revelam a origem da iconografia mariana, mas também confirmam o que foi atestado pelas fontes que examinamos. O primeiro tipo iconográfico é o da Theotókos ou Blachernitissa, em que Maria está ligada à Cruz; o segundo é o da Calchopratía, em que Maria aparece como Corredentora enquanto o Sangue do Filho escorre da Cruz até o crânio de Adão guardado na Gruta dos Tesouros do Calvário; o terceiro é o da Mãe Advogada, que no Calvário intercede pela Igreja. Esses modelos são representados em artefatos menores, como relicários, eulogias, ampolas, cruzes, isoladamente ou em ciclos de cinco, sete, nove ou doze cenas, calculadas no calendário litúrgico.

Temos, por exemplo, um ciclo de cinco cenas na tampa de uma caixa de relíquias do século VI, obviamente palestina, outrora conservada no Sancta Sanctorum do Laterano e hoje no Vaticano. Outro ciclo similar está em um encolpio-cruz de prata dos séculos VIII-IX, que da Palestina chegou à Itália e é preservado em Vicopisano. Na tampa, em torno da Calchopratía, há imagens marianas da Ressurreição e da Natividade, da Ascensão e do Batismo de Jesus, agrupadas em pares. No encolpio, sempre em torno do mesmo modelo, temos a Anunciação, o Batismo de Jesus, a Natividade e a Apresentação no Templo. No verso, temos a Madonna assistindo à Ascensão com os Apóstolos e, em outra cena, à Descida aos Infernos. Dessa iconografia, é confirmada a notícia do Evangelho dos Hebreus, que no século II afirmou que Jesus foi batizado sob conselho de sua Mãe. Além disso, é corroborada a afirmação de uma aparição do Ressuscitado à Mãe e a presença dela na Ascensão do Filho, além de seu conhecimento em visão da jornada ultraterrena daquele.

A iconografia palestina é replicada em muitos exemplares por ela influenciados, como as ampolas de Bobbio ou de Monza, bem como várias ícones do Sinai. Para as ampolas de Bobbio, cito a número 17, a número 18 e a número 19. A primeira tem um ciclo de sete mistérios com a Ressurreição no centro: à direita, são visíveis a Crucificação, o Batismo e a Visitação, enquanto à esquerda, agora desaparecidas, eram representadas a Ascensão, a Anunciação e a Natividade. A segunda ampola tem no centro a Crucificação, abaixo a Ressurreição, acima a Ascensão e aos lados a Anunciação, a Visitação, a Natividade e o Batismo. A terceira ampola, também fragmentária, tem nove cenas relacionadas ao Monte das Oliveiras e não ao Calvário, como as outras duas: no centro está a Ascensão, em torno dela a Anunciação, a Visitação, o Batismo, a Natividade, a Adoração dos Pastores e dos Magos. Faltam a Crucificação e a Ressurreição, agora perdidas.

Quanto às ampolas de Monza, cito a número 2. Ela vem de Belém e contém no centro a Natividade, cercada simetricamente pela Anunciação e Visitação, Batismo e Crucificação, Ressurreição e Ascensão. Correspondentes a essa ampola são a cruz de esmalte dos papas Símaco, Sérgio I e Pascoal, conservada no Vaticano, e o fragmento de ícone B 41 do Sinai. Ambas vêm de Belém. Também têm a Natividade no centro. A cruz tem representadas a Anunciação, a Visitação, a Viagem de Maria a Belém, a Adoração dos Magos, a Apresentação no Templo e o Batismo de Jesus. Se somarmos todas essas cenas, temos doze mistérios relacionados à vida de Maria, que foram sintetizados na Idade Média em outras representações. A base foi a liturgia palestina, que historicizou todos os mistérios, revivendo-os nos locais onde ocorreram: o Calvário, Belém, o Monte das Oliveiras.

Fora dos limites da Palestina, também a arte cristã tardo-antiga pré-constantiniana constitui uma importante fonte documental. Os temas figurativos convergem com os literários e os integram, sendo corroborados tanto quanto os achados arqueológicos. A arte catacumbal, cemiterial e funerária, embora por força das circunstâncias tenha um número limitado de tipos representativos, inspira-se nos relatos da Infância, tanto bíblicos quanto apócrifos, atestando sua circulação: Anunciação, Natividade, Adoração dos Magos – a mais frequente representação – e a imagem simbólica de Maria com Balaão/Isaías. As mais antigas representações da Adoração dos Magos e de Maria com Balaão/Isaías são do século II, na Catacumba de Priscila. Segundo Orígenes, os Magos descendiam de Balaão, que profetizou sobre o Messias em Nm 24, 17. Em geral, na arte tipológica, Maria é apresentada em oração, sem o Menino e com os braços levantados, como imagem da Igreja. Em um vidro dourado dos séculos III-IV, Maria é retratada entre Pedro e Paulo.

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