A apresentação do Senhor (Lc 2,21-40)
O relato de Lucas
A CIRCUNCISÃO
Conforme à lei judaica, este preceito foi cumprido aos 8 dias após o nascimento e, nesta ocasião, foi dado ao menino o nome de Jesus, já indicado pelo anjo Gabriel.
O RESGATE
Era uma normativa que se aplicava aos primogênitos do sexo masculino entre os judeus. Todo primeiro filho devia ser consagrado ao Senhor, em memória do fato de que Deus havia exterminado os primogênitos dos Egípcios. Na realidade, somente os levitas permaneciam ao serviço do Senhor, enquanto os primogênitos das outras tribos eram resgatados a partir de um mês de idade mediante o pagamento de cinco siclos.
A PURIFICAÇÃO
Interessava exclusivamente a mulher. Ao dar à luz um menino, ela contraía a impureza legal que durava quarenta dias, após os quais deveria se apresentar ao sacerdote no santuário, para ser declarada pura através de um rito purificatório. Nesta ocasião, a puérpera oferecia um cordeiro de um ano para o holocausto, um pombo ou uma rola em sacrifício de expiação. As mulheres pobres podiam substituir o cordeiro por um par de rolas ou pombos.
IMPRECISÕES NO RELATO DE LUCAS
No versículo 22 de Lucas, observam-se algumas imprecisões:
- diz-se: “quando chegou o tempo da PURIFICAÇÃO DELES…”, o que leva a crer que ambos os pais deveriam se submeter ao rito, enquanto na realidade apenas a mãe deveria fazê-lo;
- a oferta do par de pombos parece mais relacionada com a cerimônia do resgate do que com a da purificação;
- não se menciona o pagamento dos cinco siclos.
Estas imprecisões sugerem um conhecimento superficial do judaísmo e uma ignorância dos detalhes, dificilmente atribuíveis a um autor criado em um ambiente judaico na Palestina.
As explicações podem ser diversas. Nos tempos do AT, a aplicação prática das normas poderia ocorrer segundo modalidades da tradição viva desconhecidas por nós, onde, por exemplo, por conveniência prática, as duas cerimônias do resgate e da purificação poderiam ter sido combinadas na prática popular.
Segundo alguns autores, Lucas inspirou-se em seu relato na história de Samuel, obtendo os seguintes paralelos:
- Elcana e Ana vão ao santuário de Siló para destinar o menino ao serviço do Senhor, após terem obtido milagrosamente o seu nascimento. José e Maria sobem ao templo para apresentar o menino, concebido milagrosamente pela obra do Espírito Santo.
- Eli abençoava todos os anos os pais de Samuel quando subiam ao templo. Simeão abençoa o pai e a mãe de Jesus.
- Em Siló, algumas mulheres prestavam serviço na entrada da tenda do encontro. Em Jerusalém, Ana nunca se afastava do templo.
- Samuel crescia em estatura e bondade diante do Senhor e diante dos homens. Jesus crescia e se fortalecia cheio de sabedoria e a graça de Deus estava sobre ele.
- Uma diferença: enquanto Samuel permanece no templo, Jesus retorna com seus pais para casa.
O deles refere-se a todo o povo de Israel, cuja purificação – libertação é também celebrada por Ana e pelo sacerdote Zacarias. As válidas razões que nos levam a tal interpretação são:
- a semelhança e a correlação que existe entre o início da perícope (v. 22) e o fim (v. 38) onde a “purificação deles” parece referir-se a Jerusalém, que é o símbolo de todo o povo de Israel;
- outras vezes os evangelhos usam “deles” para indicar os judeus, como por exemplo: “nas Sinagogas deles“. (Mt 1,39; 4,23; 9,35; 10,27; 13,54)
- Malaquias, em um de seus textos proféticos, fala da purificação de forma similar referindo-se aos filhos de Levi (Ml 3,3).
Se, portanto, o interesse dominante do evangelista não é a purificação de Maria, mas a do Povo, as imprecisões perdem a importância que lhes poderia ser atribuída. O evangelista quer, com seu relato, destacar que com sua viagem a Jerusalém e a entrada no templo, símbolo e compêndio ideal de todo Israel, e com sua consagração ao Pai, Jesus realiza a purificação espiritual dos judeus pré anunciada pelos profetas.
A Festa de 2 de Fevereiro
A mudança do nome original da festa de “Purificação de Maria” para “Apresentação do Senhor” é determinada pelo trecho do evangelho de Lc 2,22-40, onde é lembrada primeiramente a Apresentação de Jesus no templo e apenas marginalmente a Purificação de Maria.
A PURIFICAÇÃO DA MULHER APÓS O PARTO
Toda mulher que tinha dado à luz precisava purificar-se porque, segundo a mentalidade da época, o sangue era a sede da vida e pertencia somente a Deus, fonte de toda vida. Qualquer perda de sangue, inclusive a do parto, tornava a mulher impura por não estar em perfeita comunhão com Deus. Para restabelecer essa comunhão com Deus, fonte da energia vital, praticava-se o rito da purificação. A mulher permanecia impura por 40 dias após o nascimento de um filho masculino e 80 após o de uma filha. Durante esse período, ela não podia tocar em nada sagrado ou entrar em locais de culto.
O RESGATE DOS PRIMOGÊNITOS MASCULINOS
O conceito do resgate dos primogênitos masculinos tem suas raízes em tradições e leis encontradas no Antigo Testamento da Bíblia. Esse costume está principalmente associado à nação de Israel e reflete a importância dos primogênitos na cultura e religião judaicas. Um ato que simboliza a consagração e o reconhecimento do papel especial dos primogênitos na tradição judaico. Como exemplos bíblicos sugerimos a leitura de Ex 13,1-2,11-15;Nm 3,40-51;18,15-16.
MARIA E JOSÉ OBEDIENTES À LEI
Em seu relato, Lucas enfatiza a obediência de Maria e José à lei e destaca a apresentação do Menino. Por duas vezes sublinha que foi levado a Jerusalém para oferecê-lo ao Senhor. As palavras proféticas de Simeão e de Ana são dirigidas principalmente ao menino, Messias do Senhor. O foco não é tanto na apresentação, mas na consagração de Jesus.
Mais do que um primogênito a ser resgatado, Jesus parece uma oferta a ser apresentada ao Pai. Esta leitura sacrificial é reforçada por vários detalhes:
- Não consta de nenhum documento que o resgate do primogênito devesse ocorrer no templo, mas os pais podiam apresentar-se a qualquer sacerdote;
- o motivo pelo qual Maria e José levam o menino a Jerusalém era o de “oferecê-lo ao Senhor”, expressão que ressoa muitos passos do Antigo Testamento usados para descrever a oferta das vítimas nos sacrifícios (Lv 16,7.10) ou as pessoas votadas ao serviço do Senhor como os Levitas (Nm 8,13; Dt 10,8). Paulo usará termos similares para exortar os cristãos a oferecer seus próprios corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus em um culto espiritual (Rm 12,1);
- Por que Lucas não menciona de forma alguma o preço pago pelo resgate? Porque Jesus, embora não fosse da tribo de Levi, não pagava o resgate de sua libertação, mas permaneceria para sempre consagrado a Deus, a quem ofereceria sua vida em sacrifício perene.
Já nesta visita ao templo, Maria, que guarda e medita em seu coração todas as coisas, começa a compreender que seu filho não pertence a ela, mas é para sempre doado a Deus. A ação de Maria tem o valor de uma consagração do Filho à qual Ela se associa, quase formando uma única realidade com ele. Nesse sentido, pode-se falar de uma purificação – consagração que envolvia mãe e filho e, por isso, talvez, Lucas tenha outro motivo ainda para falar da purificação “deles“.
Responses