A centralidade da esperança em Paulo e em Hebreus
Introdução
A esperança é um dos pilares fundamentais da fé cristã, especialmente nas Escrituras do Novo Testamento. Embora o termo grego ἔλπίς (esperança) seja predominantemente utilizado nos escritos de Paulo, sua essência permeia toda a teologia apostólica, mesmo fora do vocabulário técnico. Este artigo explora como a esperança se posiciona no centro da fé apostólica, suas múltiplas dimensões conforme delineadas por Paulo e sua originalidade no contexto escatológico cristão.
1. Paulo como proclamador da esperança cristã
Nos textos geralmente atribuídos a ele, Paulo emerge como um proclamador e defensor da esperança cristã. Seu principal objetivo teológico — a salvação da humanidade e a reconciliação de todo o cosmos a partir da ressurreição de Cristo — o leva a enfatizar a tensão entre o “já” e o “ainda não” do plano de salvação.
O “já” inclui:
- A justiça da salvação pela fé (Romanos 3, 21);
- A esperança da glória (Romanos 5, 2);
- A liberdade dos filhos de Deus (Romanos 8, 15; Gálatas 4, 5-6);
- A posse do Espírito Santo (Romanos 8, 16; 2 Coríntios 1, 22).
Entretanto, Paulo reconhece que a consumação da salvação ainda está por vir (Filipenses 3, 12; 1 Coríntios 13, 12). Essa tensão é fundamental em suas cartas, especialmente em 2 Coríntios e Romanos.
2. A esperança em Romanos
Em Romanos, Paulo contrapõe sua visão evangélica de justiça pela fé à concepção judaica de salvação (Romanos 1, 17). Para ele, essa fé inclui a esperança, pois Deus é o “Deus da esperança” (Romanos 15, 13), e os cristãos são chamados de “pessoas de esperança” (Romanos 12, 12; cf. 1 Tessalonicenses 4, 13).
Paulo recorre à figura de Abraão como exemplo de uma vida marcada pela esperança confiante (Romanos 4, 17-18). Essa esperança permite perseverar mesmo em tribulações (Romanos 5, 2-5; Gálatas 5, 5; 1 Coríntios 13, 7). O cristão, ainda que já salvo pela fé, aguarda a plenitude da salvação na ressurreição (Romanos 8, 18-23; Filipenses 3, 10; 1 Tessalonicenses 1, 10; 1 Coríntios 1, 7).
Paulo descreve a esperança como a expectativa do que ainda não se vê (Romanos 8, 24; 1 Coríntios 15, 19; 2 Coríntios 4, 18) e como uma espera paciente (Romanos 8, 25). Essa esperança não se baseia em méritos humanos, mas no poder gracioso de Deus. É fundamentada em Cristo, o “segundo Adão”, cuja ressurreição é a base da esperança dos cristãos (Romanos 5, 11-14; 1 Tessalonicenses 4, 13-18).
A esperança também é mediada pelo Espírito Santo, dado no batismo como expressão do amor divino (Romanos 5, 5; 8, 11; 15, 13), e que conhece o anseio humano mais profundamente do que o próprio homem (Romanos 8, 25-27). Essa perspectiva permite a Paulo suportar a rejeição temporária de Israel, mantendo sua esperança no plano salvífico de Deus (Romanos 9-11, especialmente 11, 25-32).
3. A esperança em 2 Coríntios
No 2 Coríntios, Paulo defende seu ministério, destacando sua glória superior aos serviços anteriores. Ele apresenta seu apostolado como paradigma da esperança cristã (2 Coríntios 2, 14-4, 6, especialmente 3, 12-13; cf. Filipenses 3, 1-17).
A tensão entre o “já” e o “ainda não” se reflete em seus próprios sofrimentos. Suas fraquezas tornam-se fundamento de sua esperança, pois, confiando em Deus — que ressuscita os mortos e o preserva da morte —, ele tem certeza de perseverar e também de esperar pelo dom da vida eterna (2 Coríntios 1, 3-10; cf. Filipenses 1, 19-20).
4. A Teologia da esperança nos escritos do Novo Testamento
A esperança em Paulo e nas Epístolas deuteropaulinas
Em suas cartas, Paulo conecta intimamente a esperança (ἔλπίς) à fé (πίστις) e ao amor (ἀγάπη). Ele frequentemente as apresenta como uma tríade essencial da vida cristã, um modelo que encontra suas raízes em tradições anteriores, mas que Paulo transforma em um paradigma da existência cristã (1 Tessalonicenses 1, 3; 5, 8; 1 Coríntios 13, 13). Embora a tríade tenha caráter formulaico, é fundamentada na ideia de que a fé é a base para o amor, que persevera na esperança confiante e paciente até o fim.
Nas epístolas deuteropaulinas (Colossenses, Efésios, 1 e 2 Timóteo, Tito), a teologia da esperança paulina é desenvolvida e adaptada. Embora a ênfase na “presença da salvação” seja mais forte nesses escritos, a orientação para o futuro permanece clara.
- A esperança está ligada à eleição dos cristãos em Cristo, que se expressa como expectativa de salvação futura (Efésios 1, 12; Colossenses 1, 5; 3, 1-4).
- O Espírito é apresentado como garantia da herança futura (Efésios 1, 14; Tito 1, 2; 2, 13).
- As exortações à paciência e perseverança refletem a espera confiável pelo cumprimento das promessas divinas (Colossenses 1, 11, 23; 1 Timóteo 4, 8; 2 Timóteo 2, 16).
- A esperança, enraizada em Cristo (Efésios 1, 12; Colossenses 1, 27; 1 Timóteo 1, 1; 2 Tessalonicenses 2, 16), é vista como a característica distintiva da fé cristã. A “unidade da esperança” é exaltada em Efésios 4, 4, onde a esperança é apresentada como marca da vocação cristã (cf. Efésios 2, 12; 1 Timóteo 4, 10; 5, 5).
A Esperança no Hebreus
O autor de Hebreus dirige sua mensagem de exortação e consolação (Hebreus 13, 22) a uma comunidade em crise de fé e esperança (Hebreus 3, 7-4, 11; 5, 11-6, 4; 12, 12-15). Influenciado pelo pensamento da sinagoga helenista, o autor interpreta espiritualmente a jornada de Israel no deserto, descrevendo a comunidade cristã como o povo de Deus em peregrinação rumo à consumação (Hebreus 3, 7-13; cf. 2, 18).
No centro da mensagem está a tensão entre o “já” e o “ainda não”:
- As promessas já cumpridas, como a vinda de Cristo (Hebreus 2; 6, 19-20), são contrapostas à plenitude ainda esperada (Hebreus 3, 6; 6, 11).
- A esperança é baseada na fé que se ancora na palavra de Deus e no reconhecimento de Cristo como Filho (Hebreus 4, 3-14).
- A esperança, por sua vez, é descrita de duas maneiras:
- Grega, como convicção de realidades invisíveis (Hebreus 11, 1; cf. 3, 18; 4, 1-3; 6, 11; 9, 15. 28);
- Judaica, como uma confiança perseverante e paciente (Hebreus 6, 18; 7, 19; 9, 28; 10, 19-23).
O autor apresenta exemplos de fé e esperança no passado, como os justos que “esperavam pela cidade” (Hebreus 11, 10), buscavam o “lar verdadeiro” (Hebreus 11, 14) e viam de longe as promessas (Hebreus 11, 13). Contudo, o modelo supremo de fé e esperança é Jesus, o “autor da fé”, que suportou a cruz (Hebreus 12, 2).
O Culme da Esperança Cristã
O autor de Hebreus alcança o ápice da “cristianização” da esperança presente nos Salmos e na Bíblia Grega. A esperança cristã é apresentada como uma caminhada rumo à promessa final, ancorada na fé em Cristo e sustentada pela paciência e confiança no cumprimento das promessas divinas. Essa esperança, mais do que uma virtude, torna-se o elemento distintivo da vida cristã, conectando o “já” da salvação com o “ainda não” da consumação.
Conclusão
A esperança nas Escrituras do Novo Testamento é central para a fé apostólica, integrando expectativa, fé e paciência em uma confiança sólida nas promessas de Deus. A originalidade da esperança cristã, especialmente sua dimensão escatológica, distingue-a das visões anteriores, proporcionando uma base sólida para a fé e a prática cristã. Essa esperança não apenas motiva a perseverança diante das adversidades, mas também orienta a visão de futuro da comunidade cristã, enraizada na ressurreição de Cristo e na expectativa de sua segunda vinda.
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