Introdução
A esperança, ou spes em latim, desempenha um papel multifacetado na literatura e filosofia romanas. Desde os discursos eloquentes de Cícero até a poesia inspiradora de Virgílio e as reflexões estoicas de Sêneca, a esperança é retratada de maneiras que refletem as complexidades culturais e intelectuais da época. Este artigo explora como diferentes autores romanos abordaram a esperança, destacando suas nuances e implicações filosóficas.
A Esperança no discurso e na poesia
Na obra Pro C. Rabirio Postumo (54/53 a.C.), Cícero menciona a spes posteritatis (esperança de posteridade), um conceito que vai além de uma mera previsão ou expectativa vaga, representando uma evidência robusta da imortalidade (Rab. Post. 29). No Somnium Scipionis, ele promete aos que se dedicaram ao bem-estar do Estado um lugar no céu, onde poderão desfrutar da vida eterna em felicidade (República 6, 13). Mesmo neste contexto, Cícero utiliza o termo certum esse (ser certo) em vez de spes, justificando sua certeza com a referência a Deus, o supremo governante do universo e guardião da ordem política (República 6, 13; cf. Tusculanas 1, 13; Lactâncio, Institutiones Divinae 1, 15; Macróbio, Somnium Scipionis 1, 8, 1).
“De fato, aprendemos ali os princípios da vida, e não apenas recebemos o caminho para viver com alegria, mas também uma esperança mais serena para morrer.” (Leis 2, 36)
A IV égloga de Virgílio: o canto da Esperança
A IV égloga de Virgílio, frequentemente chamada de “Cântico da Esperança”, foi escrita para celebrar o pacto de paz entre Otaviano e Antônio (41-40 a.C.). Apesar de suas referências religiosas, o poema se orienta para uma esperança de um futuro terreno com a Roma eterna (Ecl. 4, 4f), sem mencionar os termos spes ou sperare. Na Eneida, Virgílio utiliza spes com mais frequência. A esperança de um “império sem fim” (Aeneida 1, 279) e as jornadas de Eneias, permeadas por esperança e medo, exemplificam isso (Aeneida 1, 31; 1, 218; 2, 162; 2, 354). Em momentos de triunfo e dificuldade, spes não apenas significa a expectativa de algo bom (salus), mas também contrasta com o medo, que é a expectativa de algo ruim. Em Eneias e Ascânio, especialmente com Ascânio descrito como “segunda esperança da grande Roma” (magnae spes altera Romae), spes torna-se símbolo de confiança no futuro glorioso da civilização romana.
A perspectiva filosófica sobre a Esperança em Virgílio, Horácio e Sêneca
Virgílio emprega spes não apenas no sentido de “expectativa confiante”, mas também como certeza que exclui a dúvida (Aeneida 4, 54f), uma confiança nas armas (Aeneida 1, 451f; 2, 162f; 2, 675-678) e até mesmo um tipo de confiança que pode ser dirigida à divindade, embora limitada a questões terrenas (Aeneida 4, 382f; 10, 627).
De acordo com o ideal estoico de serenidade, Horácio sustentava que, devido à brevidade da vida, grandes expectativas não faziam sentido (Odes 1, 4, 15). Em vez disso, ele aconselhava a encarar cada dia como se fosse o último (Odes 1, 4, 15; Cartas 1, 4, 12f). Esperar pela imortalidade era, em sua visão, algo ainda menos aceitável (Odes 4, 7, 7f; 1, 11, 6f), refletindo seu ceticismo em relação à astrologia.
Sêneca e a filosofia da presença
Sêneca desenvolveu uma filosofia de vida baseada na ideia de que a filosofia é o único caminho para a bem-aventurança. Ele defendia que, para proteger a alma das oscilações entre o medo e a esperança, era essencial evitar preocupações desnecessárias com o futuro (Cartas a Lucílio 5, 6-9; 6, 2; Brev. Vit. 10, 15, 5; Tranq. An. 9, 2, 7; 9, 10, 5). Ele definia esperança como uma “expectativa de um bem incerto” (Spes enim incerti boni nomen est, Cartas 10, 2).
Embora sua filosofia estivesse profundamente orientada para o presente, Sêneca esperava que os homens não apenas orassem a Deus com coragem, mas também respondessem aos pedidos de ajuda de outros (Cartas 10, 4; 48, 7f). Ele consolava aqueles em sofrimento ao descrever a morte como algo natural (Ad Marciam 7, 11/11, 5; 17, 1; 20, 1), que leva a uma “grande e eterna paz” (magna et aeterna pax), onde não há medo da pobreza, preocupação com riquezas, desejos insaciáveis ou inveja (Ad Marciam 19, 6; 24, 5; 26, 7).
Sêneca, no entanto, evitava o uso da palavra spes ao se referir à aspiração pela eternidade, pois considerava que o termo implicava uma expectativa demasiadamente incerta, incompatível com seu ideal filosófico de autossuficiência e serenidade.
Conclusão
A esperança na literatura e filosofia romanas é retratada de maneira complexa e multifacetada. De Cícero e sua spes posteritatis a Virgílio e sua confiança no império eterno, passando pelo ceticismo estoico de Horácio e a filosofia da presença de Sêneca, observamos como a esperança se adapta e reflete as dinâmicas culturais e intelectuais de seu tempo. Essa evolução demonstra a profundidade com que a esperança permeia a experiência humana, servindo tanto como motivação quanto como reflexão crítica sobre o futuro e a própria existência.