A evolução da Esperança no período helenístico

Introdução

No período helenístico, os conceitos filosóficos evoluíram significativamente, refletindo as complexidades de uma era marcada por mudanças políticas e culturais. Um dos conceitos menos explorados foi o de esperança (ἔλπις). Este artigo examina como diferentes escolas filosóficas, como o epicurismo e o estoicismo, abordaram a esperança, além de explorar a transformação desse conceito em Políbio e na época do Império Romano.

Pouco interesse filosófico pela Esperança

Nos últimos séculos antes de Cristo, as principais filosofias helenísticas demonstraram pouco interesse pelo conceito de esperança. Epicuro, por exemplo, orientava para uma vida feliz baseada na relação do indivíduo com o tempo interior. Ele defendia que o ser humano não deve esperar nada seguro do futuro, que está além de seu controle, mas também não deve acreditar que nada acontecerá (Carta a Meneceu, 133). Essa postura equilibrada permite ao indivíduo experimentar alegria tanto nas memórias do passado quanto nas expectativas futuras (Diog. Laércio 10, 137, 4d; Epicuro, fragmento 444 Usener = Cícero, Tusculanas 3, 33).

Apesar de adotar uma atitude mais positiva em relação à esperança, Epicuro advertia contra preocupações excessivas com o futuro (fragmentos 242 Arrighetti; 397 Usener = Cícero, Fins 1, 18, 60). Ele preferia buscar uma alegria duradoura ao invés de se apoiar em esperanças vazias, rejeitando a ideia de uma vida além-túmulo e qualquer intervenção divina (Carta a Meneceu, 124-134; Plutarco, Non posse suaviter vivi secundum Epicurum 27, 1105A; 31, 1107B). No entanto, Epicuro sugeriu que o ser humano poderia esperar um futuro onde sua liberdade fosse decisiva, sem temer a inveja dos deuses (Carta a Meneceu, 134; Filódemo, Sobre a Morte 12/20; 36/9).

A postura Estoica

Em contraste, a filosofia estoica demonstrava completo desinteresse pela esperança. Termos como ἔλπις e seu equivalente latino spes aparecem raramente nos fragmentos estoicos antigos. Segundo os estoicos, todos os acontecimentos seguem a ordem da razão divina, e o sábio deve submeter-se à providência, ajustando-se ao fluxo do cosmos (Zeno, fragmento 211 [SVF 1, 51]). A felicidade, para o estoico, reside na aceitação do presente, sem permitir que desejos ou medos futuros perturbem sua paz (SVF 3, 63-94; Van Menxel 143-146).

A transformação da Esperança em Políbio

Políbio utiliza os termos ἔλπις e ἔλπίζειν de maneira dual, tanto para expectativas racionais quanto para expectativas confiantes (Histórias 15, 1, 12; 23, 15, 3; 4, 36, 8; 1, 30, 8). Ele associa a esperança com confiança, direcionando-a para bens materiais fornecidos pelos deuses, ao contrário de uma esperança em um além espiritual (Histórias 38, 7, 9; 8, 1). Interessantemente, não há evidências de que ἔλπις se refira a uma vida após a morte nas inscrições funerárias da época. Pelo contrário, é usada para expressar desolação dos vivos e esperança frustrada dos mortos (Antologia Grega 7, 184, 453, 497, 490, 376; Woschitz 179-182).

A época do Império romano

Com o advento do Império Romano, a visão sobre a esperança sofreu transformações significativas. Plutarco apresenta um Deus ativo no aprimoramento da humanidade, descrevendo a vida futura como um serviço divino e convivência com pessoas puras (De sera numinis vindicta 4-8; Fragmento 1781). Ele menciona os Elpísticos, que viam na esperança alegre o alicerce da vida humana (Quaestiones convivales 4, 4, 3, 668E).

No mundo latino, a dupla acepção de spes e sperare (esperança/confiança) tornou-se amplamente aceita: de um lado, a expectativa neutra ou negativa; de outro, uma expectativa confiante de um bem futuro, frequentemente em oposição à desesperação (desperatio) (Cícero, Tusculanas 4, 80; Inv. 2, 163).

Cícero e a Esperança no contexto romano

Cícero define spes como uma “expectativa de um bem futuro” e explora a relação entre esperança (spes) e medo (metus) (Tusculanas 1, 24, 32, 44). Ele sugere que os estadistas sacrificam-se pelo bem da pátria motivados por uma grande esperança de imortalidade (Tusculanas 1, 32). Em sua velhice, Cícero contrapõe a esperança insensata da juventude com a prudência que reconhece a incerteza do futuro, rejeitando ilusões como certas (Cato Maior 67-84).

Um jovem que acredita estar seguro de uma longa vida deposita esperança de forma tola (insipienter sperat), pois não faz sentido tomar o incerto como certo ou o falso como verdadeiro. Por outro lado, um idoso já não pode esperar uma vida longa, mas possui a satisfação de ver sua expectativa de vida cumprida (Cato Maior 68). Essa perspectiva não implica em desesperança, mas sim na ideia de que, ao morrer, o homem deixa apenas a hospedaria deste mundo para alcançar a vida definitiva (Cato Maior 84; cf. Tusculanas 1, 51; 1, 117f).

Mesmo que esse pensamento fosse um erro, Cícero defende que não poderia abrir mão desse “feliz engano” (Cato Maior 85; cf. Tusculanas 1, 11; 1, 24). No entanto, ao tratar da imortalidade da alma, ele não utiliza os termos spes (esperança) ou sperare (esperar), mas sim cernere (perceber), credere (acreditar) e consolari (consolar-se) (Cato Maior 84f).

Conclusão

O período helenístico apresenta uma visão multifacetada sobre a esperança, variando desde a moderação epicurista até a rejeição estoica e a transformação no pensamento romano. A esperança, embora pouco valorizada por algumas escolas filosóficas, encontrou novas formas e significados à medida que interagia com diferentes contextos culturais e religiosos. Essa evolução reflete a complexidade das concepções humanas sobre o futuro, a felicidade e a relação com o divino ainda antes da Encarnação do Verbo.

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