Introdução
Quando olhamos para uma imagem de Nossa Senhora das Graças é inevitável a projeção de uma imagem atual que pouco tem haver com o contexto em que foi desenhada, pintada, esculpida e eventualmente descrita. Neste sentido é importante entender o significado profundo mariológico que permanece imutável pois pertence à Revelação.
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A invocação da Virgem com o título ‘das graças’ evoca a fidelidade e coerência com a tradição da Igreja na proximidade da Intercessora. Falar de Tradição é também dizer Magistério e as suas indicações para os exercícios de piedade. A inserção de Maria no único culto cristão da Igreja tem trazido a partir de Cristo uma renovação no Espírito que conduz ao Pai.
O empenho ativo do devoto é vital para entender que nós vivemos aquilo que rezamos e rezamos aquilo que acreditamos (lex credendi-lex orandi-lex vivendi). Não é então estranho pensar que um devoto de Nossa Senhora o viva realmente! Rezando perante Nossa Senhora das Graças invoca-se a misericórdia, o homem se une realmente com o Absoluto feito carne, e pela força da encarnação, o devoto torna-se participante e experimenta o seu renascimento espiritual. Neste sentido a misericórdia é a experiência-testemunho cotidiano: é Jesus que nos repete: ‘sede misericordiosos como é misericordioso o vosso Pai’ (Lc 6,36).
É neste sentido que nós vemos o temor de Deus de Maria, isto é a confiança, não na ira, mas na grandeza que oferece à criatura sempre novidades a todo o momento. A geração que Deus realiza no coração do fiel é uma atitude para com os irmãos e irmãs que cria espaços è compreensão recíproca.
Ex-voto a graça recebida
Quando percorremos santuários de todo o mundo, encontramos manifestações das graças recebidas normalmente em situações trágicas e sem via de salvação! Esta experiência é de tal forma intensa que o devoto tem necessidade de testemunhar a grandeza do que Deus realizou na sua vida através da intercessão de Maria.
Ao longo dos séculos o cristianismo experimentou esta intercessão ao ponto de invocar Maria como Taumaturga, que significa Aquela que obtém de Deus e concede a quem a invoca com fé. Este ponto intermédio entre Deus e o homem tem sido motivo de desenvolvimento, revisão e proposta do ponto de vista mariológico que neste artigo não podemos expor, contudo fica a advertência que cada tempo se apresenta mais próximo da verdade de Deus pois o Espírito Santo nos guia à verdade plena (Jo 16,13). A imagem de Maria como a Mãe amorosa vai para além da percepção intelectual e coloca-se no âmbito da factualidade experiencial. O fiel recorre a Maria com confiança ilimitada e experimenta a ajuda eficaz nos momentos difíceis da vida. O dado fenomenológico de relevância emerge do comportamento cristão perante Maria pois relaciona-se com uma presença viva, dialogante e reconhecida. A exaltante santidade de Maria num primeiro momento parece tão diversa de nós, pelo mundo em que vivemos, mas por outro lado, tão próxima de cada pessoa nos momentos mais dolorosos da espada de dor (Lc 2,35).
O nascimento do título de Nossa Senhora das Graças
O contexto das realidades vitais como alimento, trabalho, saúde, unidade, família, paz, reconciliação juntamente com o poder mobilizador da figura da Santa Virgem que se configura com a fé cristão, fala ao coração de confiança e de afeto. Este fascínio mariano resulta da contínua ação de salvação de Jesus, a influência de Maria ao longo dos século inspira gerações a procurar um apoio, independentemente da cultura, na Mãe dos viventes. Recordando a peregrinação do Papa Bento XVI a Etzelsbach em 2011, o mesmo afirmava que:
«quando os cristãos em todos os tempos e em todos os lugares se dirigem a Maria, fazem-se guiar da certeza espontânea que Jesus não pode refutar os pedidos que lhes apresenta sua Mãe e apoiam a sua confiança inabalável que Maria é ao mesmo tempo também nossa Mãe – uma Mãe que experimentou o sofrimento maior de todos, que percebeu juntamente conosco todas as nossas dificuldades e pensa de forma materna na sua superação»
Procurar um significado na Tradição bíblica e eclesial
Quando olhamos para o Novo Testamento encontramos a graça como espaço de encontro entre Deus e os homens. É o mundo que Deus se torna história de salvação. Numa leitura muito simples o plural graças são os carismas e outras ajudas, quando é usado no singular graça estamos falando de uma realidade muito mais profunda e misteriosa, sobretudo porque falamos de dois mundos que se tocam: o divino e o humano.
Nas cartas de São Paulo nós encontramos a descrição da vida cristã das primeiras comunidades na atual Ásia menor e notamos que nelas o Espírito distribui e suscita dons, virtudes, ministérios e carismas. O Concílio Vaticano II na Lumen Gentium 12 a este propósito afirma que:
«o Espírito Santo não só santifica e conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos e ministérios e o adorna com virtudes, mas ‘distribuindo a cada um os seus dons como lhe apraz’ (1 Cor 12,11), distribui também graças especiais entre os fiéis de todas as classes, as quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da Igreja, segundo aquelas palavras: ‘a cada qual se concede a manifestação do Espírito em ordem ao bem comum’ (1 Cor 12,7). Estes carismas, quer sejam os mais elevados, quer também os mais simples e comuns, devem ser recebidos com ação de graças e consolação».
Em uníssono podemos afirmar que o ministério não se sobrepõe aos carismas pois este é um elemento carismático. Tanto mais que os ministérios são conferidos preferivelmente a homens carismáticos (At 13,2-4). A inteira realidade eclesial recebe o carisma como um elemento estrutural da Igreja e os seus membros são edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo como pedra angular o mesmo Cristo Jesus (Ef 2,20). O primeiro dos carismas é o amor (1 Cor 13,13) depois desse carisma encontramos a fé, infundida pelo Espírito Santo, o dom das curas (1 Cor 12,9.28.30). São eventos novos, sinais da nova aliança que nos reconduzem às ações do Espírito (1 Cor 12,10).O Espírito Santo é origem e ‘dispensador’ dos carismas. Esta afirmação parece criar um contraste ou contradição com a invocação mariana contudo quanto mais se aprofunda os dons espirituais da graça mais se manifesta o único Espírito (1 Cor 12,11) que levou Maria à plenitude da criaturalidade. Paulo afirma que os dons Espirituais são ‘manifestações do Espírito’ (1 Cor 12,1.7) pelo que as graças são então dons espirituais concedidos aos fiéis carismáticos e ligados à mediação das pessoas. Os carismas podem então ser permanentes ou temporários de acordo com a vontade de Pai, as graças não são isoladas mas existem a favor da comunidade e provêm em última análise do Espírito do Pai e do Filho.
No próximo capítulo falaremos sobre “Maria mediadora da graça em Cristo e no Espírito“. E você, quais suas dúvidas a respeito de Nossa Senhora das Graças?