Quem distribui a graça Maria ou o Espírito Santo?
Existe um fato que pode ser observado por todos: nos santuários dedicados à Mãe do Senhor, nas pequenas capelas perdidas nos lugares mais remotos, nas edículas ao longo da estrada estão expostas placas de mármore ou corações de prata por uma Graça Recebida . Outras vezes são objetos votivos, como imagens de cera que muitas vezes imortalizam a experiência de uma graça obtida e concedida pela Virgem Maria em momentos existenciais muitas vezes trágicos e sem saída.
Esta experiência de graça recebida é por vezes tão intensa e repetida que atribuímos ao ícone de Nossa Senhora, diante do qual rezamos, o título de Nossa Senhora das Graças. Muitas vezes, um santuário dedicado a ela é construído com este título.
O motivo fundamental do título diz respeito às graças recebidas por intercessão da Virgem. Nas origens e ao longo da história, os cristãos experimentaram Maria como uma taumaturga, ou seja, aquela que obtém de Deus a graça e a concede a quem invocar com fé:
- cura nas doenças físicas e mentais;
- proteção nos momentos de perigo em terra e no mar;
- vitória sobre a esterilidade pelo dom da descendência;
- livramento dos flagelos da peste e da guerra;
- ajuda e consolo nas situações tristes e trágicas da vida.
Numa palavra, as pessoas recorrem a Maria para socorrer nos seus problemas vitais e humanamente insolúveis:
- a salvação eterna;
- a harmonia nas relações familiares;
- as graças temporais como a saúde;
- o sucesso nas circunstâncias particulares.
Em geral podemos dizer que as pessoas pedem a Maria, antes de tudo, graças espirituais, depois graças de relacionamento e, finalmente, graças materiais. Mais acima está a convicção de que Maria, intercedendo por nós junto a Deus, pode obter qualquer graça. Este aspecto invadiu a devoção popular: Maria aparece como uma amorosa mãe mediadora que obtém tudo o que os homens precisam para esta vida e para a vida eterna.
Não é apenas uma convicção intelectual, mas uma percepção experiencial de Maria. A compreensão do por que desta forma de viver o cristianismo não é uma pergunta colocada, mas em sentido contrário, a naturalidade diz-nos que dirige-se a Maria com confiança ilimitada e experimentar a sua ajuda eficaz nos momentos difíceis da vida corresponde desde sempre ao quotidiano da fé.
O dado fenomenológico importante que emerge do comportamento do mundo devoto diante de uma imagem de Maria é o sentido da “presença”: a Virgem é um “tu” vivo, termo de diálogo afetuoso e agradecido. As qualidades que se reconhecem nela são a bondade materna, o poder e a beleza. Encontrando-se agora na região da luz com Deus, que se expressa nas tábuas votivas por uma coroa de nuvens luminosas, Maria é vista na sua santidade: ela é diferente de nós, que estamos imersos no mundo do pecado. Mas não está longe da história dos homens porque experimentou a espada da dor.
A partir desta breve análise, poderíamos inferir que o título de Nossa Senhora das Graças provém de uma fonte dupla. A primeira é de natureza antropológica e compreende a esfera das necessidades vitais, isto é, da necessidade de pão, trabalho, saúde, união e crescimento familiar, paz e reconciliação no país e no mundo.
A segunda fonte é a força mobilizadora da figura da Virgem Santa, que ativa a fé do povo de Deus, fala ao seu coração e desperta a emoção mais profunda. Em outras palavras, trata-se do encanto ou fascínio que Maria exerce sobre quem dela se aproxima.
Depois de Cristo, ninguém pode competir com a Virgem Maria em influência pessoal ao longo dos séculos. Da história da Mariologia emerge o fascínio que dela emana e a sua benéfica e inspiradora presença de toda boa obra nas diversas culturas. Esta interpretação é confirmada por Bento XVI na sua peregrinação a Etzelsbach (2011):
«quando os cristãos de todos os tempos e de todos os lugares se voltam para Maria, deixam-se guiar pela certeza espontânea de que Jesus não pode recusar os pedidos que lhe apresenta com a sua Mãe: e baseiam-se na confiança inabalável de que Maria é também nossa Mãe ao mesmo tempo – uma Mãe que experimentou o maior sofrimento de todos, que percebe todas as nossas dificuldades junto conosco e pensa maternalmente em superá-las. Quantas pessoas ao longo dos séculos foram em peregrinação a Virgem Maria para encontrar diante da imagem de Nossa Senhora das Dores – como aqui em Etzelsbach – consolo e conforto!»
A origem da graça
Ao questionar o Novo Testamento sobre o significado da palavra graça, somos apresentados ao mundo misterioso de Deus que se encontra com os seres humanos. Neste mundo de Deus, que corresponde à história da salvação, descobrimos que a graça é diferente no plural e diferente no singular. As graças são identificadas com:
- carismas (em grego, carisma tem a mesma raiz de cháris = graça),
- ajudas particulares, enquanto a graça é uma realidade muito mais profunda e misteriosa.
Examinemos estes dois grandes significados do mundo divino que encontra o mundo humano: graças e graças.
Os textos do Novo Testamento, sobretudo as cartas de São Paulo, descrevem a vida do da Igreja nas várias comunidades da Ásia Menor e assinalam que nelas o Espírito distribui e suscita dons, virtudes, ministérios e carismas. O Concílio Vaticano II descreve a situação eclesial com estas palavras:
«Além disso, o Espírito Santo não se limita a santificar e guiar o povo de Deus através dos sacramentos e ministérios, ornando-o com virtudes, mas
«distribuindo a cada um os seus dons conforme a sua vontade» (1 Cor 12,11),
dispensa também aos fiéis de todas as ordens graças especiais, com as quais os torna aptos e prontos para assumir diversas tarefas e ofícios úteis para a renovação e maior expansão da Igreja segundo aquelas palavras: «A cada um é dada a manifestação do Espírito, para o que for útil» (1 Cor 12,7).
Estes carismas, desde os mais extraordinários aos mais simples e amplamente difundidos, são antes de tudo adaptados às necessidades da Igreja e destinados a respondê-las, e devem ser acolhidos com gratidão e consolação» (Lumen Gentium 12).
Normalmente estamos habituados aos ministérios mas estes não se sobrepõem ao carisma, em sentido contrário é suscitado pelo elemento carismático. Especialmente porque os ministérios são preferencialmente conferidos a homens carismáticos,
Atos 13,2-4 «E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram. E assim estes, enviados pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre»).
Estendendo-se a toda a realidade eclesial, o carisma torna-se um princípio estruturante da Igreja, pelo qual os seus membros são
«edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra angular» (Ef 2,20).
Com base nas quatro listas de carismas apresentadas por Paulo (Rm 12,6-8; 1 Cor 12,7; 11,28-30; Ef 4,11-12 ), podes distingue três tipos de carismas:
- querigmáticos ou pregadores (apóstolos, profetas, evangelistas, mestres e admoestadores);
- serviço diaconal ou caritativo (diáconos, diaconisas, esmolas, enfermeiras, viúvas, curadores e exorcistas);
- governamental (pastores, diretores, bispos).
Fica estabelecido que o carisma de todos os carismas é o amor/caridade (cf. 1 Cor 13). Tendo assegurado o primado da caridade, Paulo destaca três dons extraordinários:
a fé infundida pelo Espírito;
o dom da cura (1 Cor 12,9.28.30),
outros poderes milagrosos (1 Cor 12,10.28.29).
São acontecimentos novos, sinais da nova aliança, que remontam às operações do Espírito (1 Cor 12,10), pois pode-se facilmente pensar que também aqui o termo, usado no início com uma particular sentido, é estendido de São Paulo a todo o complexo de fenômenos mencionados.
Uma ênfase particular do Novo Testamento é a referência ao Espírito Santo, como origem e dispensador dos carismas. Nos dons espirituais da graça, o Espírito Santo se manifesta e opera:
«Ora, tudo isso é feito pelo Único e o mesmo Espírito que distribui seus dons a cada um como quer» (1 Cor 12,11).
Por isso Paulo fala de dons espirituais, porque são manifestações do Espírito (1 Cor 12,1.7).
As funções na comunidade recordam o fervor do Espírito (Rm 12,11)
e são uma demonstração do Espírito e do poder (1 Cor 2,4-5; Rm 15,19; 2 Cor 12,12; 1Tm 1,5).
O Espírito é o princípio unitário «em vista da unidade comum» (1 Cor 12,7),
para a edificação da Igreja (1 Cor 14,3ss.12.26).
Na prática, esta primeira resposta do Novo Testamento nos orienta para as graças como dons espirituais concedidos aos fiéis carismáticos e, portanto, ligados à mediação das pessoas.
Não devemos pensar que esses carismas são dados ad actum, isto é, de tempos em tempos. Eles podem ser permanentes para classificar uma pessoa como permanentemente dotada de um carisma. Esta perspectiva aplica-se ao sacerdócio, que Paulo interpreta como um ministério com uma função ou carisma permanente.
«Não desprezeis o dom espiritual que há em vós e que vos foi conferido, por indicação dos profetas, com a imposição das mãos pelo colégio dos presbíteros» (1 Tm 4,14; cf. 1 Tm 5,22; 2 Tm 1,6).
As graças não são isoladas e consideradas em si mesmas, mas vêm imediatamente de pessoas dotadas de carismas e, em última análise, do Espírito do Pai e do Filho.
Maria carismática
Perguntamo-nos: a Escritura atribui algum destes carismas a Maria, para poder chamá-la de carismática e, portanto, encontrar um fundamento bíblico para a comunicação das graças reconhecidas pela experiência dos fiéis?
É certo que Paulo não menciona os carismas atribuídos à Mulher que deu à luz o Filho de Deus (cf. Gl 4,4). O evangelista Lucas percebe este silêncio, apresentando Maria como uma protomissionária, que se põe a caminho da Judeia levando no ventre o Salvador e com a sua saudação provoca a carismática efusão do Espírito sobre Isabel, que vê na sua jovem parente a Mãe do Senhor, e sobre João que pula de alegria na presença do Messias. O cântico do Magnificat que brotou do coração de Maria é obra do Espírito de profecia, para o qual a tradição a considera profetisa.
Lucas apresenta Maria como dotada de um duplo carisma:
- anúncio da boa nova
- profecia, atribuindo-lhe um cântico que constitui um comentário doxológico e pneumático sobre um fato ou acontecimento salvífico, neste caso a prodigiosa concepção do Messias.
Nos Atos dos Apóstolos, Lucas enumera Maria entre os membros da comunidade pós-pascal de Jerusalém, sobre os quais o Espírito desce, os consagra e os torna testemunhas de Cristo ressuscitado. Até a Mãe de Jesus faz parte daqueles “todos” que “foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem” (Atos 2,4). A exegese descobre neste fenômeno das línguas um certo parentesco com o carisma da glossolalia, que usava palavras derivadas de línguas estrangeiras.
Não devemos ter dificuldade em ver Maria no meio do grupo de oração, deixando-se conduzir pelo Espírito para testemunhar e louvar a Deus através de uma linguagem pré-racional de contacto com o mistério divino. Certamente a glossolalia – como recorda Paulo – diz coisas misteriosas por inspiração que precisam de ser interpretadas; por isso
«quem fala com o dom de línguas, reze para poder interpretá-las» (1 Cor 14,2.13).
Este intérprete pode ser o profeta (1 Cor 14,5). Ora, Maria aparece entre os discípulos como glossolala e ao mesmo tempo profetisa, não só por causa do Magnificat, mas porque – como acredita Pedro no seu discurso à multidão – o Espírito de Pentecostes se derrama sobre todos, homens e mulheres, tornando-as capazes de profetizar:
«Derramarei o meu Espírito sobre todos; seus filhos e filhas profetizarão […]. E também sobre os meus servos e servas naqueles dias derramarei o meu Espírito e eles profetizarão» (Atos 2,17-18).
A profecia pós-pentecostal centra-se na Ressurreição de Jesus, mas também anuncia a sua volta, pedindo aos ouvintes que invoquem o nome do Senhor e, portanto, se salvem (cf. At 2,20-21).
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