A esperança nas escrituras judaicas não canônicas

Introdução
A esperança é um conceito central que transcende as fronteiras dos textos canônicos, manifestando-se de maneiras diversas nas Escrituras Judaicas Não Canônicas. Desde a diáspora judaica grega até os textos palestinenses, a esperança assume diferentes formas e significados, refletindo as complexidades políticas e espirituais das comunidades locais. Este artigo explora como a esperança é apresentada no Livro dos Jubileus, no Livro de Henoc Etíope, nos Salmos de Salomão e na Comunidade de Qumran, destacando suas nuances e implicações teológicas.
Esperança na diáspora grega e em textos palestinenses
Nas obras da diáspora judaica grega, como a Septuaginta (LXX), a esperança em Deus aparece como uma postura espiritual fundamental. Por outro lado, nos textos palestinenses, predominam as expectativas escatológicas, moldadas pela situação política das comunidades locais. Curiosamente, grande parte dessa segunda categoria de textos não contém vocabulário diretamente relacionado à esperança.
O Livro dos Jubileus
O Livro dos Jubileus (segunda metade do século II a.C.) reflete uma religiosidade rigorosa e nacionalista, que combate influências externas na prática religiosa das comunidades judaicas. Essa perspectiva exclui os gentios de qualquer possibilidade de esperança (Jubileus 22, 22; cf. 1 Tessalonicenses 4, 13). No entanto, o autor exorta os fiéis da Lei a depositarem sua confiança inteiramente em Deus e a cumprirem a justiça através do amor a Deus e ao próximo (Jubileus 20, 9). Com isso, assegura-lhes que poderão experimentar a salvação definitiva e a esperança eterna ainda em sua vida (Jubileus 31, 31-32).

O livro de Henoc etíope
Nas “Exortações” incluídas no Livro de Henoc Etíope (capítulos 92-105), a esperança aparece como uma característica da espiritualidade individual (Van Menxel 377-391). Diferente dos tolos e pecadores, os justos têm uma esperança correta (Henoc 96, 1), pois esperam escapar do juízo divino (Henoc 98, 10b). Eles não temem a morte (Henoc 102, 4-5), já que serão recompensados com uma grande alegria ao lado dos anjos celestiais (Henoc 104, 2-4).

Os Salmos de Salomão
Nos Salmos de Salomão, a esperança absoluta em Deus, como o único redentor e rei de Israel, ocupa um lugar central (Salmos de Salomão 15, 1; 17, 2-3, 33-34). Essa esperança remonta aos Salmos do Antigo Testamento, mas é ainda mais radical: fundamenta-se exclusivamente na bondade e fidelidade de Deus, permanecendo inabalável mesmo nas circunstâncias mais adversas (Salmos de Salomão 8, 31-33; 9, 10; 17, 39). A esperança é entendida como a base da verdadeira religiosidade (Salmos de Salomão 5, 11-14; 6, 5-6) e frequentemente associada à ressurreição dos mortos (Salmos de Salomão 3, 12; 13, 11; 14, 10). O Messias, descrito nesses salmos como aquele em quem Deus vencerá o mal (Salmos de Salomão 17, 23-25, 36, 41), é apresentado como um modelo de confiança plena no poder de Deus (Salmos de Salomão 17, 32-39).

A Comunidade de Qumran
Na Comunidade de Qumran e em seu “Mestre da Justiça”, encontramos concepções semelhantes de esperança, fundamentadas na ideia de eleição divina (Woschitz 324-327; Van Menxel 412-429). O vocabulário hebraico associado à expectativa e confiança, no entanto, é amplamente restrito aos Hinos de Ação de Graças (Hodayoth). Nesses hinos, expressa-se a convicção de que existe esperança porque Deus, como Criador do ser humano pecador e único juiz justo, já purificou a sua comunidade — o remanescente convertido da impiedade (1QH 3, 19-21; 6, 6; 9, 1-16). Por outro lado, o “Mestre da Justiça” e seus seguidores continuam a esperar pela graça e misericórdia divinas, mesmo nos sofrimentos causados por seus próprios pecados (1QH 7, 18-19; 10, 21-22; 11, 30-31).

Conclusão
As Escrituras Judaicas Não Canônicas oferecem uma perspectiva rica e diversificada sobre a esperança, refletindo as realidades espirituais e políticas das comunidades judaicas na diáspora e em terras palestinenses. Desde o Livro dos Jubileus até os Salmos de Salomão e a Comunidade de Qumran, a esperança é retratada como uma confiança inabalável em Deus e uma expectativa de salvação e restauração. Essas visões não apenas fortalecem a fé individual e comunitária, mas também orientam a conduta ética e espiritual dos fiéis, destacando a importância da esperança na experiência religiosa judaica.
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