A relação da Trindade com Maria

Introdução

A questão das relações do mistério mariano e da figura mariana com a Trindade pode parecer inútil e estranha em uma época que dá atenção principalmente ao “a favor de mim” e à importância antropológica-existencial das verdades salvíficas. Este tema compartilha hoje o destino da mariologia em geral, que muitas vezes se quer despedir em um sentido contrário à própria vontade do Vaticano II.

A nova motivação de uma questão antiga

Até algum tempo atrás, discutir sobre este tema era considerado a sublimação máxima de todo o estudo mariológico. Talvez os excessos passados em elogiar Maria, a quem eram atribuídos títulos como “Domina de todos após a Trindade”, ou “theópais” e “agna Dei”, possam hoje parecer ultrapassados e inúteis para a teologia. Diante de outras expressões deste aspecto trinitário da figura mariana, poder-se-ia até falar de violações teológicas de limite, como por exemplo a concepção surgida no século XVII de “Maria como complemento exterior da Trindade”.

No entanto, diante dessas afirmações extremas (que mais testemunham o fracasso diante de um objeto teológico difícil do que uma intenção formalmente “mariolátrica”) seria apropriado não recusar o debate sobre tal questão. Esta encontrou autores sérios até hoje e foi resumida em conceitos que sem dúvida parecem mais adequados à realidade. Assim, Maria foi chamada de pertencente à “família” da Trindade ou “assumida no círculo das pessoas divinas”. Ou simplesmente falou-se do “caráter trinitário” da veneração mariana (assim como da figura mariana). A motivação deste tema, segundo o estado atual da consciência da fé, não corresponde a uma tendência reforçada à veneração ou a uma glorificação cada vez maior da figura mariana.

Pelo contrário! Partimos do pressuposto (que hoje não encontraria mais um reconhecimento universal, mas que é em si necessário) de que a figura mariana e a doutrina mariana não podem ser excluídas do pensamento teológico. O mistério mariano representa um fator eminente e um ponto focal da fé católica em que se encontram e se concentram linhas essenciais do dogma. Mas a doutrina mariana também lança nova luz sobre as verdades fundamentais da fé. Por essa razão, a questão do vínculo específico da Mãe de Deus com o Deus trinitário é indispensável. Num período em que até o conceito de “Mãe de Deus” é novamente criticado e refutado com argumentos nestorianos há muito superados, alguém poderia considerar não atual este vínculo do mistério mariano com o mistério da Trindade, contentando-se em vez disso com um resíduo mariano que vê em Maria um exemplo comum de fé cristã.

Assim, presume-se que não haveria “nenhuma fé especial”, porque também para o José de Mateus “a obediência da fé constitui o leitmotiv”. Na realidade, até esse resíduo (como mostram os exemplos relatados) não pode ser salvo, se não se respeita o ser como “voltado para Deus” do mistério mariano e se não se enfatiza sua propriedade. Uma teologia que veja Maria “somente de modo humano”, ou seja, que entenda Maria apenas como um exemplo historicamente importante devido a uma atitude humana ou cristã genérica, não pode explicar e manter a posição especial de Maria na história da salvação. Aqui é necessário demonstrar seu relacionamento particular com Deus, sua relação excepcional com a Trindade, mesmo que na demonstração não devam ser ultrapassados os limites da criaturalidade em Maria.

Uma teologia que não considere mais esse “lado divino” do mistério mariano ou que o negue conscientemente também se priva da possibilidade excepcional de iluminar um ponto determinado da realidade salvífica e de ilustrar vividamente a realidade do mistério trinitário, a propriedade das Três pessoas divinas, seu relacionamento com o mundo e sua ação no mundo. Hoje se fala muito da “Trindade econômica” que se revela dentro da história da salvação na auto-comunicação de Deus ao mundo e que deve se tornar aqui uma “experiência da história salvífica”. Mas, em última análise, essas tentativas muitas vezes resultam apenas em afirmações puramente formais sobre a Encarnação do Verbo e sobre a santificação do mundo através do Espírito.

Daí segue que também na questão do relacionamento das auto-comunicações de Deus com os homens o caráter pessoal desses relacionamentos permanece estranhamente abstrato e não iluminado. Aqui a teologia não enfrenta seriamente a história da salvação em que esses relacionamentos são expressos com uma concretude singular em uma pessoa humana, nem considera que esse paradigma da auto-comunicação pessoal de Deus aos homens deva iluminar a compreensão fiel do mistério trinitário que se estende sobre o criado. Assim, a questão do aspecto trinitário do mistério mariano está longe de servir unilateralmente à exaltação e à glorificação da figura mariana.

Ela encontra sua motivação mais profunda, em vez disso, em tornar transparente a figura de Maria em sua função de referência e em seu vigor expressivo em relação ao mistério fundamental do cristianismo. Aqui a posição de serviço da Mãe de Deus pode mostrar-se sob um perfil novo na realidade salvífica: agora não apenas diante do Deus-homem, mas também diante do mistério trinitário de Deus como um todo. Não é por acaso que também o mistério do Deus-homem é esvaziado e o mistério trinitário mesmo é atrofiado, onde é negada a relevância especial teológica da ideia mariana. Nessa ótica, é inútil sublinhar o fato de que tal atenção ao “lado divino-trinitário” da figura mariana também oferece estímulos à parte antropológico-existencial do pro me do homem.

No entanto, essa teologia trinitária que brilha no mistério mariano não pode ser identificada simplesmente com a antropologia (de acordo com a identificação apressada entre teologia e antropologia), mas é orientada (precisamente através da mediação de Maria) imediatamente ao ser humano como tal.

Maria como manifestação da autocomunicação trinitária de Deus

Segundo Jean Ambroise Saint-Cyran (†1643), Maria é “o espelho mais perfeito da divindade, um espelho no qual brilham melhor do que em qualquer outra criatura as relações intra-divinas inefáveis“. Esta afirmação, embora correta, deveria ser completada no sentido de que tais relações se manifestam na história da salvação. Daí surge a pergunta sobre em qual evento da história salvífica elas brilham de maneira mais intensa. A partir deste evento, então, deveria começar a contemplação trinitária do mistério mariano. Deixando de lado a problemática (aqui irrelevante) do princípio mariológico fundamental, podemos dizer que todas as linhas de conteúdo remetem ao evento da Encarnação do Filho, a quem Maria deu a natureza humana.

No vínculo do Verbo com a natureza humana assumida por Maria, não foi apenas realizada a filiação pessoal do Verbo para fora e para a humanidade de uma maneira única e própria, mas também foi estabelecido um relacionamento único com a Mãe virginal de Deus, um relacionamento que, no entanto, não é perfeitamente descrito sob o aspecto trinitário pelo conceito de “maternidade divina”. De fato, mesmo que se estabeleça uma nova relação entre a maternidade de Maria e a pessoa divina do Verbo, neste relacionamento chamado assim não é expresso de maneira adequada o relacionamento recíproco do Verbo encarnado com a Mãe de Deus.

Com o nome de “mãe”, entende-se principalmente um relacionamento de dependência entre uma mulher e seu filho, um relacionamento que faz parte do mistério da kenose do Filho de Deus na humanidade, mas que ainda não permite o conhecimento da majestade deste filho, de sua superioridade diante da mãe, de sua posição de chefe em relação a ela e de sua força redentora que Ele trouxe à mãe de maneira particular da “preredenção”. Diante dessa realidade, o pensamento teológico raramente expressou o relacionamento pessoal entre o Encarnado e a Mãe de Deus apenas com a indicação da maternidade, mas completou essa expressão de forma a integrar neste relacionamento a realidade superior do Filho de Deus. I

sso aconteceu, por exemplo, através da atribuição do título de “esposa” a Maria (já em Cirilo de Jerusalém, Catech. XII, 26), depois pelo título de “noiva” (com Cristo), mas também pela atribuição do título de “imagem perfeita do Filho eterno” (M. J. Scheeben). Todos esses títulos querem indicar que o relacionamento da mãe com o Filho eterno e encarnado implica uma união toda especial na qual estão inseridos ao mesmo tempo a dependência essencial do Filho, a comunhão mais profunda com Ele, o ser imagem perfeita e a maternidade natural-humana com todas as suas consequências diante do homem Jesus. A análise dessas relações pessoais cristológicas de Maria mostra no relacionamento mãe-Filho uma profundidade que merece totalmente a analogia do vínculo do Verbo com a natureza humana, portanto a analogia com a união hipostática.

Embora Maria não seja elevada à ordem da união hipostática do Verbo com uma natureza humana e mesmo que evidentemente ela permaneça como pessoa humana diante do Verbo encarnado e em uma subordinação inapagável, ela pode ser reconhecida, no entanto, como mater-sponsa, como soror e adiuncta Christi em uma união moral profunda com sua pessoa, em uma comunhão que provém da união hipostática e que encontra aqui o exemplo imediato. Isso se torna ainda mais claro, se olharmos para o relacionamento de Maria com as outras duas pessoas divinas, um relacionamento que evidentemente, através da relação com o Filho, também se dirige ao Pai e ao Espírito Santo.

Ao determinar esses relacionamentos de Maria com as outras duas pessoas divinas, surge no entanto uma dificuldade aparentemente insuperável por parte do pensamento teológico. Nos testemunhos da tradição sobre esse aspecto, chama a atenção o fato de que geralmente são escolhidas as mesmas atribuições que eram usadas para caracterizar o relacionamento entre Cristo e Maria. Assim, Maria também é chamada de sponsa Patris ou imagem do Pai, mas também de esposa do Espírito Santo ou sua imagem e “ícone”. Surge a possível objeção de que a precisão dos relacionamentos trinitários de Maria leva, devido a uma falta de discernimento, a repetições e a denominações puramente verbais que não oferecem nada ao conhecimento fiel do mistério trinitário.

A este ponto, deveria-se responder que evidentemente diante da unidade das três pessoas e diante de sua íntima união no evento da Encarnação redentora em Maria, cada atribuição do relacionamento de Maria com uma pessoa também se refere a toda a Trindade; dessa forma, também é tocado o relacionamento com outra pessoa. Não é, portanto, um erro lógico se a teologia tradicional usou promiscuamente as indicações para o relacionamento de Maria com as pessoas divinas, mas também um sinal da profunda unidade das três pessoas que se impõe também nos relacionamentos externos e nas atribuições humanas. Além disso, não se pode esquecer que (tanto devido ao caráter análogo de nossas palavras quanto devido à sua função semântica) o mesmo nome (esposa, imagem, morada, santuário) pode receber segundo o contexto uma nuance diferente e um significado específico. Isso implica para o contexto trinitário que as atribuições dadas a Maria pelo relacionamento com uma pessoa recebem outro significado específico, quando são expressas em relação a outra pessoa divina e à sua propriedade pessoal.

Não se entende a mesma coisa, quando se fala de Maria como “esposa do Pai” e como “esposa do Filho”. No primeiro caso, percebe-se um relacionamento que nasce do fato de que Maria participou (de maneira análoga) na geração do Filho, assim como o Pai realiza a geração eterna (aqui a transferência do conceito “esposa” para o relacionamento de Maria com o Pai demonstra no entanto já a sua problemática). Usar esse título para o relacionamento de Maria com Cristo, coloca em primeiro plano a ideia do dar-se do Filho à mãe, de sua aliança profunda com ela e do envolvimento subordinado de Maria na vida e na ação do Filho. No contexto da problemática da troca e da aparente imprecisão dos relacionamentos pessoais trinitários de Maria, também deve ser levado em conta um último argumento que destaca como ao longo da história da teologia se impôs uma precisão desses títulos e uma harmonização entrelaçada que restringiu a troca recíproca e que se concretizou entre outros já no ternário de Ruperto de Deutz (†1135): Maria é “esposa do Pai, esposa e mãe do Filho, templo do Espírito Santo”.

De modo algum se deve duvidar, devido a essas dificuldades objetivas ainda a serem resolvidas, da existência desses relacionamentos pessoais de Maria com as pessoas divinas, mesmo que ainda não seja resolvida a questão do caráter estritamente próprio dos relacionamentos de uma pessoa divina com uma criatura. Quanto ao relacionamento especial de Maria com o Pai, ele deriva da união singular de Maria com o Filho na qual a mãe está unida ao Filho do Pai da maneira mais perfeita possível entre uma pessoa divina e uma pessoa humana. Se a propriedade do Pai na Trindade consiste em seu ser absolutamente não gerado, em seu ser princípio e em sua paternidade em relação a todas as realidades não criadas e criadas, pode-se explicar como Maria, por meio de seus relacionamentos singulares com o Filho unigênito do Pai, entra em um relacionamento especial também com este Pai. Este relacionamento não deve ser derivado tanto (como criticado já acima) do paralelismo entre geração eterna e temporal, pois isso poderia nos levar perigosamente a colocar Maria quase ao lado do Pai.

Na realidade, Maria recebe sua afinidade especial à primeira pessoa divina precisamente pela subordinação direta e formal à paternidade que se prolonga na missão do Filho na carne. Como essa missão foi para Maria um evento de graça, a tradição cristã, com um olhar bom para as medidas e os limites a serem usados, definiu o relacionamento de Maria com o Pai inicialmente como filiação, mais precisamente como filiação adotiva. No entanto, a tradição elaborou a diferença diante da filiação adotiva de todos os outros homens dotados da graça, na medida em que adicionou: Maria como “filha de Deus” ou como “filha do Pai” não se destaca apenas por uma participação particularmente intensa na filiação eterna do Verbo que ela gerou segundo a humanidade, trazendo-o em si no corpo e no espírito, mas com essa geração vem também uma semelhança especial com o Pai.

Da união ontológica de Maria com seu Filho, a Virgem pôde participar de maneira superior nessa filiação e pôde ser chamada também (cerca depois da era carolíngia), através da aplicação de passagens sapienciais do Antigo Testamento, “a sabedoria criada” do Pai que é oposta ao Pai junto com o Filho como “a sabedoria increada”, sendo no entanto semelhante ao Pai por meio de uma imago Patris particular. Esta afinidade de Maria com o Pai através da participação na filiação do Filho foi sublinhada pela teologia de maneira legítima também com a ideia de que o decreto eterno do Pai para a Encarnação do Filho pela Virgem Mãe foi unido ao decreto para criar Maria como sedes e vas Sapientiae. Este singular relacionamento de origem com Deus constitui, portanto, uma filiação excepcional da pessoa humana de Maria em relação ao Pai na ordem da graça, que é um reflexo imediato da filiação do Verbo e que une a Mãe de Deus com o Pai em uma comunhão que supera a medida criada. Maria, por dever sua origem ao amor especial do Pai e do Filho, também se aproxima do Espírito Santo, o amor tornado pessoa entre Pai e Filho.

No entanto, não é apenas essa semelhança de origens que faz Maria ganhar também um relacionamento especial com o Espírito Santo. Mais fundamental para a constituição deste relacionamento com o Espírito é novamente sua união com o Filho encarnado, o Verbo divino que faz proceder a pessoa do Espírito Santo. Portanto, a tradição cristã não teve escrúpulos em chamar Maria também de mater Verbi (incarnati) spiritantis Spiritum, mesmo que o relacionamento com o Espírito seja expresso aqui apenas por parte da mãe e, portanto, apenas de maneira unilateral. O outro lado se mostra através da função do Espírito de Deus na Encarnação do Filho, fato testemunhado com uma riqueza de significados nas palavras do anjo a Maria. Embora a afirmação de que o Espírito Santo desceria e o poder do Altíssimo estenderia sua sombra, deixe aberta na exegese a questão da personalidade do Espírito (Lc 1,35), não se pode duvidar, no entanto, que nessas palavras da Escritura, orientadas à economia da salvação, o Espírito Santo é apresentado como o princípio produtivo da Encarnação do Filho pela Virgem, um princípio que também cria a unidade da mãe com o Filho, sem desempenhar a função de um pai humano.

Esta ação do Espírito deve ser entendida como um ato de um amor perfeito e santificador no qual o Amor, tornado pessoa de Deus mesmo estende sua força trinitária de união e coesão sobre uma pessoa humana que é envolvida na vida trinitária do amor divino através do nexo pessoal da união que é o Espírito Santo dentro da Trindade. Da fecundidade desse amor, Maria gera a humanidade do Deus-homem. O Espírito é, dentro da Trindade, o princípio do cume mais sublime do conhecimento mútuo e uma êxtase do amor e do cumprimento em um “nós suprapessoal” das pessoas. Ele realiza essa função na Encarnação do Filho também ad extra, ou seja, em Maria.

Como a Mãe de Deus se abre perfeitamente a esse efeito, nela entra não apenas a plenitude da graça criada (cf. Lc 1,28), mas ela também é guiada à união com a graça de Deus tornada pessoa, uma união sem precedentes na história da criação e da salvação. Assim, torna-se compreensível por que a tradição, para determinar o relacionamento pessoal de Maria com o Espírito Santo, escolheu novamente também o título de sponsa. Este nome, no entanto, não parece muito adequado porque já foi usado na relação cristológica (mesmo na forma da mater-sponsa) e porque não é inteiramente compatível com o poder do Espírito Santo que penetra todas as coisas, que supera todo “estar diante” e que impulsiona a comunicar-se e a vivificar tudo.

A tradição estava ciente disso, se escolheu para esse relacionamento o título mariano de sacrarium Spiritus Sancti, ou de “órgão” ou “vaso” do Espírito Santo, apesar dessas designações não darem uma descrição totalmente convincente da pessoa de Maria. Por esse motivo, deve-se preferir aqueles títulos que descrevem Maria como a imagem mais perfeita humano-pessoal do Espírito Santo, como irradiação humana do Espírito, como “ícone do Espírito” em forma humano-pessoal, como representante humana do amor, da beleza e da pureza do Espírito de Deus. Não é necessário demonstrar que esses relacionamentos pessoais de Maria com as pessoas divinas se orientam evidentemente também à Trindade inteira e elevam Maria à máxima participação de uma pessoa humana na vida trinitária.

Esta descrição supera significativamente as possibilidades de explicação por parte da doutrina psicológica tradicional da Trindade. Isso também supera o âmbito de uma concepção moderna existencial na qual a Trindade deve ser compreendida apenas através dos atos humanos fundamentais do conhecer e do amar. Mais importante, no entanto, é a questão sobre o modo em que esse aspecto trinitário do mistério mariano seja relevante também antropologicamente para poder dizer algo ao homem.

O reflexo antropológico do aspecto trinitário-mariano

A demonstração de tal reflexo antropológico é claramente compreensível e importante para aquele homem que se vê ainda teologicamente, ou seja, a partir da relação com Deus (o que é potencialmente válido para todo homem). Pode surgir aqui a objeção de que uma determinação dessa relação segundo o esquema, perpetuado por muito tempo, do “eu-tu”, em que Deus de modo unitarista e totalizante tomava o lugar do Tu absoluto, não satisfaz o pensamento teológico mais profundo e a demanda do homem fiel. Assim, é estabelecida apenas a oposição de Deus ao homem, a distinção inapagável, e é constituído um monoteísmo que não consegue captar nem expressar a plenitude do mistério trinitário cristão.

A teologia recente tem tentado há muito tempo remediar essa falta, demonstrando também que cada uma das três pessoas divinas entra em um relacionamento próprio único (e não apenas apropriado) com o homem dotado de graça. À primeira vista, pode não ser facilmente compreensível qual a importância antropológica e prático-religiosa deste tema altamente especulativo dos relacionamentos pessoais próprios das pessoas divinas com o homem portador da graça. Mas com um olhar mais profundo, pode ficar claro que está em jogo principalmente um conhecimento aprofundado da vida de fé e do mistério trinitário. E é somente através da verificação desses relacionamentos pessoais próprios que o portador da graça é vinculado diretamente à causa primária inacessível do Pai (como o “Deus acima de nós”), ao Filho que procede do Pai para o mundo (o “Deus conosco”) e ao Espírito que permeia e vivifica tudo (o “Deus em nós e ao nosso redor”). É claro por que esses últimos vínculos sutis são captados pelo espírito humano com extrema dificuldade. Mas em Maria, eles se abriram de maneira singular e foram apresentados à vista do homem fiel.

O aspecto trinitário-mariano transmite primeiramente o conhecimento, em relação ao relacionamento com o Filho, de que a união hipostática do Verbo ocorrida em Maria com uma natureza humana coloca a mãe em uma relação singular com o Encarnado; um relacionamento que deve ser estabelecido precisamente pelo Verbo, porque aqui a segunda pessoa divina estende sua propriedade como Verbo, revelação e esplendor do Pai sobre uma pessoa humana, ligando-se a ela de modo único. Embora a causa da Encarnação, vista como actus ad extra, fosse estritamente única em relação às pessoas, ela levou, no entanto, a um relacionamento formalmente diferente entre o Verbo e a humanidade. Por esse motivo, também se atribui a Encarnação não de modo apropriado, mas de modo próprio da pessoa. Isso deve valer também para Maria, que parece quase como um correlato do Filho na Encarnação. No momento em que um relacionamento pessoal próprio de uma pessoa divina com o homem é estabelecido, tal relação não pode ser negada às outras pessoas, mesmo que a união delas com o homem portador de graça não ocorra por meio da união hipostática.

O vínculo materno-esponsal de Maria com o Filho implica já também um relacionamento estritamente pessoal com o Pai (e vice-versa), mas igualmente um relacionamento pessoal correspondente com o Espírito como “Espírito do Pai e do Filho”, o Espírito que derrama sobre Maria toda a sua fecundidade divina e assim realiza nela a sua própria função trinitária. Por essa razão, Maria é o paradigma excepcional da intimidade mais profunda pela qual as pessoas divinas concedem a participação em seu caráter relacional a uma pessoa humana e entram com ela em um relacionamento correspondente ao próprio ser.

Assim, a tradição cristã fez bem em atribuir aos conceitos relacionais trinitário-marianos predominantemente um significado específico e próprio das pessoas. Permanece aberta, no entanto, a outra questão sobre o uso antropológico, ou seja, se a figura mariana como speculum Trinitatis tão singular pode ser importante também para a humanidade inteira. Aqui deve-se considerar primeiramente a fronteira que existe entre uma estrutura trinitária e uma participação (de Maria) mediada através da participação na união hipostática e entre um relacionamento trinitário de outros homens constituído apenas através de uma simples comunicação da graça e da natureza divina.

Mas essa diferença, por outro lado, não pode ser tão forte a ponto de excluir outros homens de tal relacionamento trinitário. Embora Maria esteja no ápice da humanidade com seu caráter pessoal voltado a Deus, representando a realização criada mais intensa do relacionamento pessoal humano com Deus, ela permanece, no entanto, membro do conjunto e, portanto, também um vínculo eficaz para estender esse relacionamento trinitário sobre toda a humanidade. Precisamente a partir do relacionamento trinitário de Maria, deve-se encontrar um novo argumento para o relacionamento pessoal das pessoas divinas com o justificado. Essa relação certamente não encontra aqui a mesma perfeição, intensidade e imediatez que em Maria, cuja semelhança com Deus representa o exemplo máximo e, por isso, único do vínculo trinitário de uma pessoa humana.

Portanto, não se deve entender esse “caso” exclusivo em sua essência (mesmo em seu modo de realização). O relacionamento trinitário de Maria, como todo o seu ser e agir pela humanidade, tem um significado inclusivo: a humanidade participa em Maria, “estância nupcial” em que se realizou o “casamento” do Filho de Deus com a natureza humana, na criação de um relacionamento específico com a Trindade. Esse fato traz consigo consequências importantes para a compreensão teológica do homem diante de Deus. Essas consequências podem ser todas resumidas na ideia de que o homem não é apenas oposto ao único Deus, mas que é destinado à troca, ao comércio com a vida infinitamente dinâmica da Trindade, uma vida que se realiza nos relacionamentos pessoais. Já agora, o homem está envolvido neste circuito relacional da vida divina.

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