As fontes históricas sobre Maria: Bíblia e Apócrifos

Introdução

A investigação sobre o Jesus histórico pode e deve ser acompanhada por uma paralela sobre os personagens principais de sua vida, pois ninguém vive sozinho na história. Especificamente, uma atenção especial é devida a Maria, a Mãe de Jesus, que foi recentemente definida como a mulher mais importante e de maior sucesso da história humana. Sua presença ainda hoje é efetiva nas artes, na literatura, na cultura alta e popular, e até mesmo em fenômenos sobrenaturais, tornando-a extraordinariamente atual.

Para Maria, assim como para seu Filho, é possível rastrear as circunstâncias concretas de sua existência através do mesmo método histórico, partindo do pressuposto de que a figura de Maria é, depois de Jesus, a mais importante para a fundação do Cristianismo. De fato, os mitos fundadores do Cristianismo, ou os relatos que estão na base de sua existência – entendendo a palavra mito como um evento paradigmático, histórico ou não – têm quase sempre como protagonistas o Filho e a Mãe (a Encarnação, o Nascimento e o ciclo da Infância, os primórdios da Vida Pública, a Paixão, a Morte, o Pentecostes) ou pressupõem um papel dela (a Ressurreição, a Ascensão), enquanto outros, embora extra-bíblicos, dizem respeito exclusivamente à vida da Mãe (como a Assunção).

Jesus e Maria estão intimamente ligados no nascimento do Cristianismo, como artífices de todos os seus principais paradigmas fundamentais, ou seja, de aqueles fatos que revelam as verdades-chave da Fé e orientam o comportamento dos seus seguidores. É erroneamente dito que Paulo foi o mais importante após Jesus para o nascimento do Cristianismo: em uma religião histórica, a primazia não pertence a quem difunde a mensagem nem a quem a desenvolve, mas a quem a revela, encarnando-a em sua existência. Isso é feito por Jesus e Maria.

Por outro lado, a vida do Filho e da Mãe, se deixada sob a luz dos dogmas, corre o risco de se desvanecer no docetismo e, implicitamente, de destituir os próprios dogmas de fundamento. A pesquisa é necessária e, no estado atual do conhecimento sobre o Jesus histórico, mais fácil e rica em elementos, além das névoas da desmitização do século passado.

Pode-se dizer que para a Mãe, assim como para o Filho, foram percorridos os mesmos caminhos de investigação, embora para a primeira com menor intensidade: de figura mítica a lendária na cultura acadêmica, hoje Maria é a judia do primeiro século sobre a qual mais sabemos. Primeiro distinguimos a Bem-Aventurada Virgem da fé da Maria histórica, para depois nos aproximarmos desta última com cautela, até abordar sua problemática histórica com grande desenvoltura, graças à vasta quantidade de fontes disponíveis.

As fontes históricas bíblicas

Sobre Maria, mãe de Jesus, temos uma rica tipologia de fontes: bíblicas, apócrifas, panegíricas, hínicas, profanas e pós-bíblicas. Começando pelas fontes bíblicas, pressuporei como adquiridas as informações concernentes tanto à datação dos Evangelhos quanto à sua composição, que já defendi e argumentei em outros trabalhos, bem como no que diz respeito à sua harmonização e à análise em apoio à sua historicidade, incluindo os relatos da partenogênese de Cristo. Dessa forma, evitarei sobrecarregar esta análise com dados já conhecidos.

Identificamos três fontes bíblicas principais, agrupadas em duas tipologias, às quais relacionamos algumas apócrifas e pós-bíblicas, ou seja, patrísticas, de natureza semelhante. A primeira é o midrash pesher dos Evangelhos da Infância. Ele foi, originalmente, uma composição judaica muito arcaica, mas ao mesmo tempo muito diferente das similares da tradição judaica. O texto original da Infância de Jesus, escrito com base no testemunho da própria Maria e de pessoas muito próximas a ela, anterior aos Evangelhos canônicos e incluído no Evangelho primitivo usado para a pregação, ao contrário dos midrashim judaicos, não cria relatos ornamentados em torno de passagens bíblicas, mas busca passagens bíblicas que sustentem os relatos. Esse processo inverso, através de sucessivas reelaborações, desenvolveu uma pesquisa teológica e existencial livre e vivida, conservou um núcleo histórico com a relativa ambientação geográfica e cultural, captou alusões secundárias a heróis culturais judaicos implícitos nos fatos e no seu significado, explicitou referências filológicas e proféticas, e ensinou através de uma tematização edificante da palavra divina, tornando-se também um midrash haláquico.

Nesta tipologia, temos, antes de tudo, o Evangelho de Mateus, por ser cronologicamente o primeiro, que, no entanto, faz uma seleção rígida dos fatos disponíveis na memória transmitida oralmente ou por escrito. As notícias históricas que ele transmite são a descendência davídica de Jesus, e portanto a inserção de Maria no clã dos descendentes do antigo rei, assim como sua partenogênese. Complementando isso, informa-nos que a Sagrada Família teve casa e domicílio em Belém e que teve de abandoná-la devido às perseguições de Herodes, fugindo para as florescentes comunidades judaicas do Egito. De lá, transferiram-se para Nazaré para escapar à potencial ameaça de Arquelau.

Seguindo Mateus, o autor da Ascensão de Isaías, na primeira metade do século II, compôs um midrash que queria demonstrar a virgindade perpétua de Maria, transmitindo outros dados históricos, como a admissão pelos habitantes de Belém da misteriosa origem de Jesus. Os textos pós-bíblicos de derivação mateana saíram da pena de importantes Padres durante vários séculos. Inácio de Antioquia atesta a reserva que circundou, por motivos compreensíveis que ele lê em chave sobrenatural, os eventos da concepção de Jesus por Maria, que ele afilia à Casa de David.

Justino também testemunha que Maria, evidentemente por parte materna – sendo prima de um sacerdote e, portanto, da tribo de Levi – era da linhagem davídica, justificando assim o casamento endogâmico com o davídico José. Tertuliano afirma que ela nasceu em Belém, transmitindo essa informação a João Crisóstomo e a Clemente de Alexandria.

Evangelho de Lucas

A segunda fonte bíblica é o Evangelho de Lucas, que, embora posterior, usa com mais riqueza de detalhes a fonte original sobre a Infância de Jesus. O material utilizado tem uma coloração diferente do escolhido por Mateus. Só é compreensível no ambiente dos “Pobres de Deus” e, com certeza, foi cuidadosamente preservado entre os parentes de Maria, especialmente em Nazaré. Em segundo plano, lê-se uma vontade de marcar a diferença com o messianismo davídico. Lucas, no entanto, supera esses preconceitos decorrentes da mentalidade dos vários testemunhos e transmite as informações com escrúpulo histórico e precisão teológica.

Maria, casada com José e residindo com ele em Nazaré antes de iniciar a convivência conjugal, concebe pelo Espírito Santo, cumprindo a profecia do messianismo davídico de uma maneira diferente do que os leitores do texto de 2 Samuel 7,12 poderiam entender. Por isso, o reconhecimento de sua maternidade não vem dos parentes do marido, mas dos seus, ou seja, de Isabel e Zacarias. Transferida para Belém na ocasião do censo de Quirino, Maria tem, inicialmente, uma residência provisória na casa dos davídicos, onde dá à luz em condições precárias. O Menino é reconhecido pelos pastores, por Simeão e Ana. Após cumprir a Lei – cujo significado aludido discuti em outra ocasião –, a Sagrada Família retorna a Nazaré. Quando Jesus tem doze anos, os pais o levam a Jerusalém, onde protagoniza um episódio emblemático, permanecendo no Templo e mostrando precocemente sua personalidade e o mistério que o acompanha.

Essa tradição de Lucas foi seguida por muitos autores pós-bíblicos, que fizeram Maria nascer – e não apenas viver – em Nazaré.

Evangelho de João

A outra tipologia de fonte bíblica é a catequética, à qual se pode associar a narração do Evangelho de João que trata de Maria. As informações sobre ela são sempre inseridas em uma moldura teológica importante e clara. É no prólogo hínico que se atesta a concepção de Jesus pelo Espírito Santo em Maria, que não é mencionada. Quando ela é apresentada em Caná, é como mediadora para todos os fiéis e no contexto de uma narração que a faz o protótipo da pessoa de fé. Esse modelo é perfeitamente expresso por Maria aos pés da Cruz.

Fontes Apócrifas

Seguindo esta fonte, estão outros apócrifos: o Evangelho de Nicodemos, do final do século I, retoma a narração da Mãe no Calvário; o Evangelho de Gamaliel, muito posterior (século VI), explicita o sentido corredentor dessa presença; o Evangelho de Pedro, entre 130 e 150, dramatiza a história mostrando os estados de ânimo de todos os personagens da Paixão ao redor do Crucifixo para revelar seus verdadeiros sentimentos.

Testemunhos dos Padres da Igreja

Outras fontes patrísticas confirmam o sentido soteriológico dessa presença e, indiretamente, sua historicidade: Justino, Melitão de Sardes, Irineu de Lyon e Tertuliano. Uma mudança no significado do episódio mariano do Calvário ocorreu apenas com Orígenes, que afirmou, rompendo a tradição mais antiga, que a Mãe foi assaltada pela dúvida sobre a Ressurreição dos corpos. O alexandrino foi seguido e emulado de diferentes maneiras por Efrém, o Sírio, Basílio Magno, Teodoto de Ancira, Anfilóquio de Antioquia, Paulino de Nola, Cirilo de Alexandria, Hesíquio, o Pseudo-Nisseno, o Pseudo-Crisóstomo e Filoxeno de Mabbug.

Tradição e memória cristã

No entanto, essa ilustre teoria de Padres não muda o fato de que a tradição mais antiga atesta que Maria permaneceu aos pés da Cruz, conformando-se à intenção do Filho. Antes de sua definitiva vindicação com a condenação da memória de Orígenes no II Concílio de Constantinopla, essa tradição foi mantida viva na memória cristã pelo Oráculo Sibilino III, 316, por Gregório de Nazianzo no poema Christus Patiens, por Romano o Melode no Hino XXXV intitulado “O lamento da Mãe de Deus“, pelas Staurotheotókia da liturgia bizantina do século VI e, muito depois, por Simeão Metafraste Logoteta na Oração sobre o lamento de Maria no século X.

As fontes históricas apócrifas

As fontes apócrifas são muito importantes para a reconstrução da parte da vida de Maria de Nazaré que não está nos Evangelhos. Contrariamente ao que se acredita, elas são confiáveis, obviamente levando em conta uma crítica histórica saudável, onde necessária.

Protovangelho de Tiago

A primeira fonte que vale a pena citar é o Protovangelho de Tiago, do século II, que reúne aquela tradição levítica que remonta ao clã familiar de Maria de Nazaré e que foi presumivelmente compartilhada por sacerdotes que aderiram ao Cristianismo e que, antes disso, eram próximos à Escola essênia. Essa tradição atesta que os parentes de Jesus foram contados entre os sacerdotes, embora fossem davídicos, ou seja, não pertenciam à Tribo de Levi. Isso provavelmente se deve ao fato de que José, como veremos, pertencia a uma ordem de consagrados. A própria Maria é chamada Filha de Davi, apesar de sua indubitável parentesco com clãs levíticos.

Maria nasceu em Jerusalém, perto da Piscina Probática, de Joaquim – apresentado como um personagem justo e rico do tipo dos veterotestamentários – e Ana. Entrou na ordem das virgens do Templo, foi educada pelo clero e, ainda adolescente, foi unida em matrimônio a José, mais velho que ela, conforme o costume judaico para proteger as virgens e em vista de um futuro prestigioso, mas ainda não claro, que parece se orientar para uma concepção virginal, segundo as crenças comuns nesses ambientes. Não é o caso de tomar literalmente a notícia da velhice do esposo de Maria. Caso contrário, não faria sentido que os dois se mudassem para Nazaré, vivendo do trabalho dele, onde ocorreu a Anunciação, que foi conhecida não apenas por José, mas também pelos sacerdotes com os quais, evidentemente, o casal mantinha relações à distância. De lá, voltaram para Belém, terra natal do marido, para o censo. No quinto milha da estrada entre Belém e Jerusalém, nos limites entre Benjamim e Judá, perto do Túmulo de Raquel, em um lugar deserto na região de Efrata, Maria deu à luz Jesus em uma gruta subterrânea e sombria. O relato, evidentemente preciso na reconstrução histórica, tinge-se de docetismo ao afirmar um dado mitológico: o Filho nasce por condensação de luz e o ambiente tornou-se uma “gruta luminosíssima”. O Protovangelho também afirma, conforme Mateus e Lucas, que a Mãe permaneceu Virgem durante e após o Parto, apresentando como prova o testemunho de uma parteira e da amiga de Maria, Salomé.

No Protovangelho, são atribuídos a Maria alguns vaticínios sobre os dois povos – justos e injustos – que seguem dois caminhos opostos, aproximando-a ao movimento profético veterotestamentário e lembrando sua declamação do Magnificat e a do Benedictus por parte de Zacarias. A tradição do Protovangelho foi recolhida, sem amplificações particulares, mas com um completo refacimento, pela Igreja latina com o Evangelho do Pseudo-Mateus dos séculos VII-VIII e com o Livro da Natividade de Maria dos anos 846-849.

Evangelho de Filipe e Pistis Sophia

O Evangelho de Filipe, texto gnóstico do século III ou até mais antigo, opôs-se significativamente ao que foi ensinado pelos Evangelhos canônicos e pelo Protovangelho. Este texto não teria enfatizado a paternidade natural de José se a concepção pneumática de Jesus não fosse mais antiga. No mesmo período, por volta de 240, a Pistis Sophia tenta anexar à mitologia gnóstica a concepção pneumática de Cristo, mas não ousa negá-la.

Panegírico da Igreja judaico-cristã sobre São José

O Panegírico da Igreja Judaico-Cristã sobre São José, atribuído ao próprio Jesus, mas composto por um judaico-cristão do século II, tinha uma função comemorativa do Patriarca e era lido junto ao túmulo nazareno da família do Pai educador de Cristo em 2 de agosto, 5 de março e 22 de dezembro. Nele, encontra-se a confirmação do narrado pelo Protovangelho de Tiago sobre o casamento entre Maria e José e sobre o nascimento de Jesus, precisando que este ocorreu na casa do próprio José, ou seja, presumivelmente de seus parentes, já que o Menino foi alojado nos ambientes destinados aos animais e nem mesmo nos dos hóspedes, possivelmente ocupados por outros consanguíneos devido ao censo.

Panegírico da Igreja judaico-cristã sobre a Dormição e Assunção de Maria

Outra fonte de importância capital é o Panegírico da Igreja Judaico-Cristã para ser lido no aniversário da Dormição e Assunção de Maria, texto do máximo do século II, mas muito provavelmente muito mais antigo. Ignorado pela Grande Igreja até o século V, é conhecido como Dormitio Mariae e chegou até nós em três formas complementares, de épocas diferentes: a primeira, mais antiga, ebionita, mas católica, dos Parentes de Maria, dos séculos II-III; a segunda, dos séculos IV-V, dos joanitas de tendência monofisita; a terceira, jerusalimitana e calcedonense, dos séculos V-VII.

As fontes apócrifas são fundamentais para a reconstrução da vida de Maria de Nazaré que não está presente nos Evangelhos. Contrariamente ao que se pensa, elas são confiáveis, desde que submetidas a uma crítica histórica adequada.

A Forma Mais Antiga da Dormitio Mariae

A forma mais antiga da Dormitio Mariae é composta por três documentos completos e vários fragmentos muito próximos ao original, como se deduz pelos elementos doutrinais ebionitas e judeu-cristãos. Essa forma é atribuída ao desconhecido Leucio do século II, que queria polemizar contra os ebionitas heréticos que negavam a divindade de Cristo e faziam de Maria uma Potência de Deus. No entanto, o autor foi acusado de heresia pelos Padres gregos, já esquecidos das características doutrinais da Igreja judeu-cristã. O texto é rico em informações importantes e certamente autênticas.

Maria viveu a parte final de sua vida em Magdalia, perto de Jerusalém, e foi lá que recebeu de Jesus o anúncio de sua iminente Dormição, além do Livro dos Mistérios e uma palma paradisíaca. A Virgem se preparou para a morte com abluções e orações. No decorrer do relato, aparecem as características da crença judeu-cristã atribuída também a Maria: o temor das insídias das potências angélicas, a fé na doutrina das duas vias, na escala cósmica e no reino escatológico do bem e do mal.

A Agonia e os Funerais de Maria

Na agonia da Virgem estavam presentes João, vindo de Sardes, Pedro, vindo de Roma, e os outros apóstolos retornados do local de sua missão. Entre os Doze, João é acusado de negligência na custódia da Mãe de Jesus, Paulo é visto com suspeita, Pedro fala por todos e os outros rezam. Há também algumas virgens enquanto os judeus, evidentemente os fariseus, tentam impedir os funerais da Mãe de Jesus. A alma de Maria é confiada por Jesus a São Miguel, enquanto o corpo é sepultado por Pedro perto do rio Cedron. Após três dias, o corpo é assumido no Paraíso Terrestre pelos Anjos psychopompoi.

A Segunda Forma da Dormitio Mariae

A segunda forma da Dormitio tem uma tendência monofisita nominal e polemiza tanto com os ebionitas quanto com os fantasiastas ou aftartodocetas, considerados inimigos do Apóstolo João. Essa forma inclui três documentos gregos e latinos dos séculos IV-V e alguns sermões dos séculos VI-VII. Além da defesa do dogma da Maternidade Divina definido em Éfeso e sustentado por Cirilo de Alexandria, essa série de textos não possui outras peculiaridades doutrinais. Historicamente, acrescenta alguns detalhes dignos de fé, nos quais a cerimônia fúnebre de Maria ocorre a leste de Jerusalém, no topo do Monte das Oliveiras, onde existia uma casa dos parentes do Evangelista, localizada no Getsêmani, onde a Mãe de Jesus residia quando era sua hóspede.

A Terceira Forma da Dormitio Mariae

A terceira forma da Dormitio está completamente purificada do ebionismo e do monofisismo. Calcedonense pura, está ligada aos santuários do Gólgota, de Belém e da Santa Sião, onde são ambientados os vários eventos. Esta forma recorre a diferentes textos siríacos que remontam ao ensinamento do Apóstolo Tiago, o Menor, e é composta essencialmente por quatro textos. A informação mais significativa que complementa as fornecidas pelas fontes anteriores é que Tomé, chegando após o funeral, quis abrir o túmulo de Maria para venerá-la pela última vez e constatou que o corpo havia sido assumido ao Céu.

A Assunção de Maria

O momento celestial da Assunção não pode ser entendido como histórico em sentido próprio, ocorrendo em uma dimensão metafísica. O problema histórico se coloca apenas para o arquétipo utilizado para descrever sua modalidade, ou seja, o papel do Arcanjo Miguel e sua reanimação no Paraíso Terrestre. É um modelo diferente do da Ressurreição de Jesus, mas, como este, não tem qualquer arquétipo literário anterior identificável.

Evangelhos de Bartolomeu e de Gamaliel

Dois Evangelhos do século VI, o de Bartolomeu e o de Gamaliel, conservam a importante e credível informação da aparição do Ressuscitado à Mãe. O primeiro desses textos também transmite a compreensível e confiável notícia da função de guia moral de Maria na Igreja de Jerusalém. Notável é a informação sobre a suspensão das penas infernais para os condenados visitados por Maria após a Assunção, disposta por Jesus em certos períodos. Embora não seja histórica e seja doutrinariamente discutível, é importante para a equiparação entre a descida aos Infernos de Cristo e a de Maria. Entre os textos que a transmitem, o maior é o Apocalipse de Paulo, anterior ao ano 240.

As fontes pós bíblicas

Estas são aquelas fontes patrísticas e litúrgicas, nas quais obviamente o dado histórico é transfigurado em sentido doutrinal ou cultual, mas sempre existe e encontra nelas uma singular confirmação, tornando-se o fundamento cultural de sua elaboração, que por sua vez o sustenta. Dentre as fontes patrísticas, merecem destaque particular o Credo de Melitão de Sardes que, no século II, atesta contra ebionitas e docetistas a encarnação do Verbo de Deus no ventre de Maria; o Símbolo apostólico de Hipólito de Roma que, no século III, confessa a mesma coisa pelo mesmo propósito; os escritos antiapolinaristas de Gregório de Nissa que, no século IV, atestam a realidade da completa humanidade de Cristo justamente referindo-se à maternidade histórica e concreta de Maria; o testemunho de Epifânio de Salamina que, no mesmo século, lembra às colliridianas que a Mãe de Jesus foi um ser humano e não uma deusa.

A título de sobrevoo, elencamos os testemunhos patrísticos mais significativos sobre a historicidade de Maria: Inácio de Antioquia, que atesta a maternidade virginal e divina de Maria; Justino, que sublinha a verdade da concepção virginal; Irineu de Lyon, que insiste no mesmo argumento; Tertuliano que, com a força que o caracteriza, insiste na maternidade real de Maria e sua concepção pelo Espírito Santo; Clemente Alexandrino, que ainda se alonga sobre Maria como Virgem e Mãe; Orígenes, que reflete longamente sobre a figura teológica e evangélica dela, sublinhando o dado de sua perpétua virgindade. Quanto mais passam os séculos, mais os dados históricos se fundem com a tratativa dogmática e espiritual, mas o historiador Eusébio de Cesareia ainda fornece argumentos importantes, por exemplo, para demonstrar a parentela davídica de Maria, enquanto Epifânio retoma relevantes notícias judeu-cristãs sobre a vida dela, especialmente em relação aos fatos da Dormição. Autores como Atanásio, os Capadócios, João Crisóstomo, Cirilo de Alexandria, Mário Victorino, Hilário de Poitiers, Ambrósio, Agostinho contribuem para desenvolver doutrinalmente o quadro histórico da vida de Maria, enquanto Jerônimo a tal contribuição acrescenta a sua pessoal de filólogo e erudito. Isso só para citar os maiores autores.

As fontes históricas extra bíblicas

Essas são aquelas não cristãs e, apesar de serem fortemente hostis, têm um grande valor histórico. São, em primeiro lugar, aquelas judaicas, destinadas a confluir no Talmude entre os séculos V e VI, mas remontando ao século II, época em que já são refutadas por Justino no “Diálogo com Trifão“. Existem inúmeras citações rabínicas de um certo Ješûa‘ ben Pandera ou Panteri/Pantera‘, retomadas como veremos por Celso, que falavam de um certo Jesus filho de uma cabeleireira, Maria, e de Panther, soldado romano, corrompendo o grego “parthénos” e usando um nome de pessoa bastante raro entre os guerreiros de Roma, portanto caluniando o nascimento virginal de Cristo e o expulsando da progenie de Abraão e da Casa de Davi. Apesar de sua blasfêmia, essa calúnia é historicamente importantíssima: ninguém teria ridicularizado a concepção virginal de Jesus se ela não fosse acreditada pelos cristãos e, portanto, se sua narração não fosse anterior a esses textos, ou seja, remontando à primeira metade do século I. De fato, a primeira disputa sobre esse tema é atestada nos Atos de Pilatos que, já entre o final do século I e o início do II, relatam, entre aquelas judaicas, tanto as vozes dos caluniadores do nascimento de Cristo quanto as daqueles que defendiam sua honra, fazendo-o, contudo, apenas e compreensivelmente, o filho de José. Dessa forma, na época de nossas fontes pretalmúdicas, a partenogênese de Cristo já seria bastante antiga não só para ser desmitificada, mas também degradada.

Além disso, essa rude calúnia tinha o mérito de apagar a evidentemente fundamentada notícia da descendência davídica de Jesus, que assim teria perdido um título fundamental para ser reconhecido como Messias, além de sua indubitável pertença ao povo eleito. Finalmente, o ofício de cabeleireira parece ser uma paródia, e portanto uma confirmação, da notícia mais antiga que fazia de Maria uma das virgens tecelãs, sobre as quais teremos oportunidade de falar. É justamente com base nas piores calúnias farisaicas ao Cristianismo que Celso escreveu seu “Discurso Verdadeiro”, no qual obviamente retoma as notícias recém-relatadas. Esta é a única fonte pagã importante que diz respeito ao nosso discurso. Desaparecido merecidamente da história, o livro de Celso nos é conhecido mediante a erudita refutação de Orígenes. Concluindo, as quatro tipologias de fontes históricas catalogadas nos permitem identificar com precisão os eventos-chave da vida de Maria de Nazaré: a múltipla atestação em diversas fontes e a dupla irredutibilidade ao pensamento judaico ou pagão dão confirmação direta, enquanto a continuidade e homogeneidade com a mensagem evangélica garantem a mútua coerência e a com o ambiente de origem, confirmando-as indiretamente.

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