Eucaristia: Mistério de Fé refletido em Maria

Eucaristia: Mistério de Fé refletido em Maria

A profunda espiritualidade mariana proposta a toda a Igreja por São João Paulo II no final da encíclica Ecclesia de Eucharistia nos convoca à escola de Maria como mulher eucarística (Ecclesia de Eucharistia 53-58).

O único caminho cristão é aquele de olhar para Maria e seguir os seus passos para podermos celebrar e viver o mistério eucarístico, tesouro da Igreja, coração do mundo, penhor da meta que todo homem, mesmo inconscientemente, anseia (Ecclesia de Eucharistia 59).

Não podemos compreender Maria, mulher eucarística, tal como nos apresenta o último capítulo da encíclica Ecclesia de Eucharistia, sem nos referirmos ao ensinamento do Concílio Vaticano II que apresenta a Mãe de Jesus como síntese dos mistérios cristãos. E juntos não compreendemos o sentido e a novidade da expressão Maria, mulher eucarística, sem a referência à doutrina patrística sobre a Virgem Mãe como tipo da Igreja, desenvolvida no contexto litúrgico pelo Marialis cultus, por São Paulo VI em 1974. Disto, a expressão mulher eucarística parece ser uma consequência, uma aplicação e também um refinamento.

Maria síntese e compêndio dos mistérios da fé

Uma das passagens mais belas e significativas do capítulo VIII da Lumen Gentium afirma que através de sua especial participação na história da salvação, Maria recolhe e reverbera os maiores dados da fé (n. 65).

Esta abordagem, que apresenta a Mãe do Senhor como síntese e compêndio, ponto onde se reúnem e irradiam os principais mistérios da fé, é valorizada pela mariologia contemporânea.
Por isso ao longo do século XX para se referir a Maria nós lemos que ela é:
a síntese de toda a revelação anterior sobre o povo de Deus
o ícone de todo o mistério cristão
a micro-história da salvação, na medida em que nela se encontram e se entrelaçam os modos de agir divino
Por tudo isto podemos afirmar que na Mãe de Jesus encontramos a resposta exemplar às intervenções de Deus na história da salvação.
Na realidade, Maria é a única pessoa do Evangelho que participa dos principais acontecimentos do Novo Testamento:

está presente na Encarnação como Mãe do Filho do Altíssimo (cf. Lc 1,26-38),

ela fica junto à Cruz, onde é revelada, Mãe do discípulo amado (cf. Jo 19, 25-27)

por fim se encontra entre a comunidade reunida no Cenáculo à espera do Espírito (cf. At 1, 14 ).

Resumindo: Maria é o elemento de continuidade e o fio de ouro que une os mistérios de Cristo, que nela deixam um rastro, ou seja, uma experiência de graça.
Maria não só participa dos mistérios do Filho, mas interioriza-os conservando e meditando no seu coração tudo o que lhe diz respeito:

tanto a sua revelação como Salvador pelos pastores de Belém (cf. Lc 2,19), quanto a resposta de Jesus no Templo sobre a permanência na casa do Pai (cf. Lc 2,51).

O coração de Maria torna-se uma arca que contém o mistério de Cristo nas suas várias e progressivas manifestações.
Pensando bem, Maria está relacionada com os principais mistérios cristãos. Não podemos parar em sua pessoa sem sermos enviados de volta às pessoas da Trindade que a escolheram para realizar a vinda do Filho do Altíssimo pela intervenção do Espírito. Como Imaculada e Assunta, como a Igreja reconheceu depois de um longo amadurecimento, ela traz de volta a história da salvação em suas origens e em seu cumprimento final. A Igreja se reflete em Maria, porque ambas são virgens e mães.
A Mãe de Jesus refere-se também à Eucaristia, mysterium fidei por excelência, não só porque no sacramento adoramos o verdadeiro corpo de Cristo, nascido da Virgem Maria, mas também porque conduz à fecunda celebração do Pão da vida:

«Com boa razão, a piedade do povo cristão vislumbrou sempre uma ligação profunda entre a devoção à Virgem Santíssima e o culto da Eucaristia: pode comprovar-se este fato, na liturgia, tanto ocidental como oriental, na tradição das Famílias religiosas, na espiritualidade dos movimentos contemporâneos, mesmo dos movimentos juvenis, e na pastoral dos santuários marianos. Maria conduz os fiéis à Eucaristia» (Redemptoris Mater 44).

A explicação deste fato é oferecida pelo Concílio Vaticano II quando afirma que a Virgem

«pela sua íntima participação na história da salvação, ao ser pregada e honrada, chama os fiéis ao seu Filho, ao seu sacrifício e ao amor do Pai» (Lumen Gentium 65).

A referência de Maria à Eucaristia baseia-se na sua participação viva e religiosa no sacrifício da cruz que se realiza na celebração eucarística.

Maria tipo de Igreja que celebra os divinos mistérios

Maria não só se refere à Eucaristia, mas se prepara para celebrá-la e recebê-la com as melhores disposições interiores como mulher eucarística por toda a vida.
Esta exemplaridade de Maria para a comunidade cristã pressupõe a doutrina patrístico-conciliar da Virgem Mãe tipo da Igreja no horizonte da fé, da caridade e da união perfeita com Cristo (Lumen Gentium 63). Esta doutrina é aplicada pela Marialis cultus à liturgia a ser celebrada e vivida inspirada em Maria modelo da atitude espiritual com que a Igreja celebra e vive os mistérios divinos (Marialis cultus 16).
Neste ponto, é mais do que nunca necessário recordar um aspecto importante da espiritualidade cristã para que possa traduzi-lo em vida. Trata-se de assumir Maria durante a Missa como exemplo para uma frutuosa celebração litúrgica, pois Maria é a “Virgem em escuta, Virgem na oração, mãe, oferente, como explica São Paulo VI em Marialis cultus:

Maria é a Virgem que sabe ouvir, que acolhe a palavra de Deus com fé; fé, que foi para ela prelúdio e caminho para a maternidade divina, […]. É isto que também a Igreja faz; na sagrada Liturgia, sobretudo, ela escuta com fé, acolhe, proclama e venera a Palavra de Deus, distribui-a aos fiéis como pão de vida (Dei Verbum 21), à luz da mesma, perscruta os sinais dos tempos, interpreta e vive os acontecimentos da história.

Maria é, além disso, a Virgem dada à oração. Assim nos aparece ela, de fato, na visita à mãe do Precursor, quando o seu espírito se efunde em expressões de glorificação a Deus, de humildade, de fé e de esperança: tal é o “Magnificat” (cf. Lc 1,46-55),

a oração por excelência de Maria, o cântico dos tempos messiânicos no qual confluem a exultação do antigo e do novo Israel, […] que ressoou, profeticamente antecipada, a voz da Igreja: “exultante, Maria clamava, em lugar da Igreja, profetizando: a minha alma glorifica o Senhor…”. Este cântico da Virgem Santíssima, na verdade, prolongando-se, tornou-se oração da Igreja inteira, em todos os tempos.

Maria é, depois, a Virgem Mãe, isto é, aquela que «pela sua fé e obediência, gerou na terra o próprio Filho de Deus Pai, sem ter conhecido varão, por obra e graça do Espírito Santo» (Lumen Gentium 63).

Maternidade prodigiosa, constituída por Deus protótipo e modelo da fecundidade da Virgem-Igreja a, a qual, por sua vez, se torna também mãe, dado que, com a pregação e com o batismo gera para vida nova e imortal «os filhos concebidos por ação do Espírito Santo e nascidos de Deus» (Lumen Gentium 64).

Finalmente, Maria é, enfim, a Virgem oferente. No episódio da apresentação de Jesus no Templo (cf. Lc 2,22-35), a Igreja, guiada pelo Espírito Santo, descobriu, para além do cumprimento das leis respeitantes à oblação do primogênito (cf. Ex 13,11-16) e à purificação da mãe (cf. Lv 12,68), um mistério “salvífico” relativo à história da Salvação, precisamente: e em tal mistério realçou a continuidade da oferta fundamental que o Verbo encarnado fez ao Pai, ao entrar no mundo (cf. Hb 10,5-7);

viu nele proclamada a universalidade da Salvação, porque Simeão, ao saudar no menino a luz para iluminar as nações e a glória de Israel (cf. Lc 2,32), reconhecia n’Ele o Messias, o Salvador de todos; entendeu aí uma referência profética à Paixão de Cristo: é que as palavras de Simeão, as quais uniam num único vaticínio o Filho, «sinal de contradição» (Lc 2,34),

e a Mãe, a quem a espada haveria de trespassar a alma (cf. Lc 2,35),

verificaram-se no Calvário. Mistério de salvação, portanto, que nos seus vários aspectos, orienta o episódio da apresentação no Templo para o acontecimento “salvífico” da Cruz.

Por todas estas razões nós podemos afirmar que na mulher eucarística nós vemos refletida a vivência dos mistérios da fé que se conjugam na eucaristia. Por isso a mística Adrienne von Speyr escreveu:

«O Filho na Cruz concedeu expressamente que Maria tomasse parte no nascimento desta obra. Tudo aquilo que na noite de Natal era a realidade física e terrena, agora é realidade espiritual e portanto aberta, sem confins, e ainda onipresente: é a Eucaristia. A Mãe é então incluída na forma eucarística da existência do Filho. Na Páscoa a sua união com o Filho tornou-se assim profunda que no futuro não poderão ser separados nunca. Ali onde o Filho é substancialmente e realmente presente não poderá nunca faltar a Mãe. Se é verdadeiramente a carne do Senhor aquela que o cristão recebe sobre o altar, é então a carne que se tornou tal no ventre da Mãe, e que ela colocou à disposição de tudo aquilo que possuía. A partir do momento que ela disse sim à sua Encarnação, disse sim também a cada novo ingresso do Senhor no mundo que se realiza com a consagração eucarística de cada Santa Missa», (A Serva do Senhor).

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