Iconografia mariana: as ábsides das Igrejas a partir do V séc.
Quando a imagem da Virgem Mãe com o Menino nos braços ou voltada para o Verbo Encarnado, colocada em posição central sob uma teofania do glorioso Senhor passou a ocupar a abside das igrejas, isso acontecia porque correspondia perfeitamente às exigências de conteúdo e, consequentemente, de forma, das composições absidiais.
Agora, desde o início, o conteúdo peculiar da iconografia da abside significa, através do sentido da visão, a presença, acreditada na fé e celebrada no culto, do Senhor Ressuscitado, Sacerdote da única eterna liturgia, à qual todos são unidos nas liturgias terrenas.
Na experiência humana, visão e presença estão inextricavelmente ligadas; a fé cristã baseia-se no testemunho daqueles que viram e tocaram a Palavra de Deus
«começando pelo batismo de João até o dia em que foi elevado ao céu» (At 1,22).
Estamos perante um testemunho da Teofania na carne.
No entanto, existem três categorias de testemunhas na Igreja:
- testemunhas oculares, históricas, entre as quais a Virgem Maria ocupa um lugar privilegiado e único;
- quantos, pelo dom da vida até o derramamento de sangue, são equiparados a testemunhas oculares (os próprios mártires);
- e uma terceira categoria, em grande parte ignorada, constituída pelos cristãos que celebram/adoram e assim se tornam, no presente meta-histórico da liturgia, as testemunhas sacramentais da Encarnação.
A visão sensível, mediada pela imagem concreta da Realidade que se acredita e a celebra, portanto, não reveste o auditório de preocupações neutras ou amorfas, mas vai ao encontro da visão interior, dotada de caráter testemunhal, daquelas relativas a detalhes que são credíveis; a qualidade desse encontro pode então tornar-se também uma indicação da qualidade da imagem.
A última afirmação pode parecer um pouco ousada ou provocativa, mas se baseia em um fato objetivo contido no ensinamento que nos chega da arte cristã do I milênio.
Quem eram os loucos que precisavam ser levados em conta?
Por um lado, o propósito dogmático-litúrgico reconhecido na iconografia da abside é expressar a presença do Senhor vivo em sua Igreja. Por outro lado, na experiência humana, a presença está inseparavelmente ligada à visão: é necessário, portanto, que as composições absidiais tenham as características da visão. Para tal, a expressão figurativa cristã adota as leis expressivas da visão redescobertas pela Antiguidade tardia nas culturas tradicionais e correspondentes, dadas suas raízes antropológicas, às leis expressivas universais, incluindo, claro, o aspecto cromático: caráter simétrico e fortemente centrado da composição, ausência de profundidade, frontalidade, imobilidade dos personagens principais, serenidade de suas expressões.
Tudo aqui que é omitido ao apresentar o desenrolar de uma ação em andamento ou a manifestação de sentimentos fortes – como ternura, dor – iria de maneira mais geral, enfraquecer a localização na visão, desviaria a atenção do espectador da substancialidade do encontro, envolvendo-o emocionalmente ou distraindo-o do centro.
Este é o pano de fundo sobre o qual se delineia a inserção da Virgem Mãe Maria nos programas iconográficos absidiais: aqui a sua figura testemunhal refere-se não só, em primeiro lugar, ao preciso acontecimento histórico da Encarnação (ephapax) [de uma vez para sempre], mas também ao seu extensão sacramental – que é a Eucaristia – na duração linear humana. A figura da Virgem Mãe, no entanto, fala sempre da Epifania que se aventura no tempo e está sacramentalmente presente na Igreja. Como veremos, a linguagem figurada permitiu a dupla referência temporal inerente ao grupo Mãe-Filho.
A expressão com diferentes acentuações, por exemplo, pela sugestão da concretude da Encarnação (o gesto da lactação) ou pela indicação da intercambialidade entre a figura de Maria e a da Ecclesia, e ainda, no caso das composições com dois registros, pela referência direta à qualidade da Virgem Maria, de testemunha ocular da divindade de Cristo.
O celebrante/contemplante atento já terá captado a consonância básica entre as características da iconografia mariana do primeiro período e as necessidades específicas da iconografia absidal: uma consonância semântica que facilitou tanto quanto possível a entrada da Virgem Mãe nas absides cristãs, não apenas do ponto de vista de conteúdo – dogmático e celebratório – mas também do ponto de vista formal.
As categorias
As composições absidiais com tema mariano podem ser divididas em três categorias principais:
- aquelas que, com diferentes variantes têm como núcleo o grupo Mãe-Filho, de longe o mais numeroso;
- aquelas em que a Virgem é representada de frente com os braços estendidos simetricamente e erguidos para o céu (Orante);
- aquelas em que Maria é retratada de perfil, com o braço estendido e levemente levantado (ou ambos) em postura significativa (Virgem Advogada ou da Intercessora).
Como já mencionado, deixando de lado a análise histórico-artística, o foco será principalmente na estrutura da composição, nas posturas dos personagens e, em geral, nos gestos ou elementos significativos para uma leitura mariológica das obras.
- A Virgem Mãe com o Menino
Nas absides, a Virgem Mãe e o Menino são sempre retratados de corpo inteiro. As variantes possíveis dizem respeito:
– à composição: o grupo Mãe-Filho pode ser representado por si mesmo ou em relação a um evento teofânico histórico-salvador
– à representação autônoma: o grupo Mãe-Filho aparece sozinho ou acompanhado de outros personagens (anjos, apóstolos, mártires e/ou santos);
– à representação combinada: o grupo Mãe-Filho é representado junto ou abaixo (no caso das cenas com dois registros)
– uma teofania do Antigo Testamento: na maioria das vezes a visão da carruagem e dos quatro seres vivos de Ezequiel 1,4- 28;
– uma teofania do Novo Testamento: Adoração dos Magos, Transfiguração, Ascensão;
– uma teofania intemporal de Cristo;
As posturas dos dois personagens:
– a Mãe: sempre de frente, pode estar sentada ou em pé:
– o Menino, em relação à Mãe, pode ser colocada no eixo ou de lado:
– quando estiver de lado, pode sentar-se o braço esquerdo ou direito da Mãe;
– tanto a criança quanto a mãe podem ser retratadas na posição vertical;
– ou a Criança pode aproximar seu rosto do da Mãe (“face a face”);
As ações particulares realizadas pela Mãe em relação ao Menino:
– quando o Menino não está sobre o joelho, a Mãe mantém a mão livre levantada para ele no gesto que significa indicar e interceder;
– pode amamentar o bebê;
– pode conter um clípeo (medalha/círculo) dentro do qual a Criança é representada.
Começamos agora a apresentação dos diferentes tipos iconográficos marianos que se encontram nas absides; a análise de cada um deles será seguida de alguns exemplos constituídos por obras que podem complementar utilmente a sua ilustração e compreensão, ainda que não sejam todas presentes nas absides.
Virgem Mãe com o Menino
no trono
Virgem Mãe com o Menino, entronizada, abside, S. Maria Capua Vetere, Basílica Suricorum, séc V reconstrução.
Virgem Mãe com o Menino, entronizada entre dois anjos, quatro santos e doadores, abside Basílica Eufrasiana VI séc.
Virgem Mãe com o Menino, entronizada entre dois anjos, abside, Panagia Kanakaria, Chipre, VI-VII séc., Reconstrução
Virgem Mãe com o Menino, entronizada entre anjos, Pedro e Paulo, abside, S. Maria Antiqua, Roma, início do século VIII, reconstrução.
Virgem Mãe com o Menino, entronizada entre anjos e doadora, abside, S. Maria na Domênica, Roma. século IX.
Virgem Mãe com o menino no trono, abside santa sofia tessalônica século IX.
Virgem Mãe com o menino no trono, abside Santa Sofia, em Constantinopla, IX Século
Concluindo…
Da descrição de Corício di Gaza (m. 530), aprendemos que o conteúdo do mosaico da abside toda de ouro e prata da igreja de São Sérgio em Gaza consistia em uma representação da Virgem Mãe com o Menino entre os santos mártires Sérgio e Estevão; em particular, o mártir Sérgio fez o gesto de padroado (a mão repousando sobre o ombro) para o basileu, benfeitor/reconstrutor da igreja, enquanto ao lado deste estava o bispo segurando a maquete da igreja.
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