Mariologia e Sofiologia na via da Beleza
SOFIOLOGIA
A sofiologia é uma corrente teológica mística desenvolvida na Rússia e na diáspora dos teólogos ortodoxos no Instituto de São Sérgio em Paris no século XX: Sergei Bulgakov, Olivier Clément, Paul Evdokimov, Georges Florovsky, Nicolas Lossky que, inspirada no cristianismo oriental e retomando elementos gnósticos e neoplatônicos, concebe a Igreja e a história como uma manifestação de Sofia, uma entidade entendida como harmonia eterna, unidade produzida pelo organismo divino de Cristo, humanidade ideal perfeita, contida ab aeterno na essência total de Deus Cristo.
A comparação com o pensamento ortodoxo contemporâneo nos impele, portanto, a redescobrir, antes de tudo, a fonte contemplativa e sapiencial da via pulchritudinis. Isso significa retornar à fonte viva da sabedoria divina. Aqui a beleza, precisamente como reflexo da radicalidade evangélica, pode tornar-se um acontecimento de profecia e de compaixão, mostrando, ao longo do caminho ascético de santidade de Maria, como é possível uma vida transfigurada pela luz da comunhão que vem de Cristo.
Nessa perspectiva, a beleza pode então se repropor como cuidado da qualidade humana do cristão, substância interior da experiência eclesial como irradiação da luz evangélica e ação do Espírito:
«Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas/belas (kala) obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus» (Mt 5,16).
Como foi claramente observado, aqui não se trata de fazer belas obras diante dos homens, mas de deixar brilhar a luz que brilha nas profundezas e que só pode brotar de uma vida interior animada pela fé nos mortos e ressuscitados em Cristo.
Somente reconsiderando essa perspectiva, a teologia pode talvez repensar a si mesma, indo além de certos esquematismos formais, e redescobrir a plenitude da relação substancial entre espiritual e material.
Não se trata apenas de gerar uma interação mais viva entre lógica e emoção, desejo e conhecimento, razão e símbolo, mas sobretudo dar realização concreta e forma interior àquela beleza que cria toda a comunhão. Portanto, uma beleza como realidade espiritual encarnada sensivelmente na plenitude do dom, do evento da comunhão e da relação pessoal. Acolher esta beleza, fruto e encarnação visível do amor realizado, significa acolher e deixar-se transformar novamente pela beleza pascal, que aproxima a consciência da experiência da comunhão fraterna, como memória eterna do Ressuscitado.
Contemplando a experiência sofânica de Maria vemos como a beleza cristã pode ser pensada e vivida como experiência de santidade, especial participação ontológica na luz divina capaz de testemunhar, na realidade histórica terrena, a beleza celeste como realidade.
Percorrendo até ao fim o caminho da ascese filocalica – doutrina ortodoxa em que a pessoa percorre os três estados espirituais: katharsis (purificação), theoria (conhecimento de Deus) e theosis (divinização) que significa amor à beleza-, tendo no centro a experiência da encarnação em Maria, atinge-se a mais pura concretização do amor e da resposta do homem ao chamado de Deus através daquele aqui estou que alcança a sua realização, aquele esponsal sim que se torna carne. Nisto está a fonte da sabedoria em Maria, a sabedoria do amor como beleza perfeita.
Enquanto no Ocidente Maria é em primeiro lugar a Virgem, um ser quase totalmente diferente de nós, em sua pureza celestial e livre de toda contaminação carnal, no Oriente ela é sempre definida e glorificada como Theotokos, Mãe de Deus. Esta é a caracterização mais comum e familiar proposta principalmente pela tradição litúrgica viva, pela hinografia e iconografia que a apresentam com o Menino nos braços nas suas infinitas variações simbólicas. Duas ênfases que, embora não necessariamente mutuamente exclusivas, levam a duas concepções diferentes da feminilidade de Maria na Igreja e de seu papel. O que o cristianismo oriental pretende enfatizar não é tanto um culto de Maria específico, mas a possibilidade de um encontro irrompido de luz e alegria, próprios de toda a vida da Igreja, mas que se concretiza em Maria, oferecendo-se em sua universalidade. Nela, como um hino ortodoxo canta Toda a criação se alegra.
Mas qual é a fonte geradora dessa alegria?
Qual é a razão pela qual todas as gerações me chamarão bem-aventurada?
Entre as várias respostas possíveis, a teologia ortodoxa se refere em primeiro lugar a esta: em seu amor, em sua obediência, em sua fé e humildade, Maria aceita ser o templo do Espírito Santo, a humanidade de Deus. A Mãe de Deus concorda em dar toda a sua vida ao Outro, levando-o assim à sua plena realização. Ao aceitar total e incondicionalmente a vida do Outro como sua vida, entregando-se totalmente ao Outro, ela se torna a verdadeira expressão de nossa resposta a Deus; o verdadeiro fruto da alegria e da beleza.
Maria é a Virgem, mas esta virgindade – como sublinham muitos teólogos ortodoxos – não deve ser entendida como uma negação da sua própria feminilidade e corporalidade, não é uma mera ausência, mas a plenitude e totalidade da sua experiência de amor, a totalidade do dom de si a Deus. Na realidade, o amor é sede e fome de plenitude de sentido, de realização plena, de virgindade perfeita, no sentido último atribuído a este termo pela Escritura: no final, a Igreja será apresentada a Cristo como uma virgem casta (2 Cor 2,2).
A virgindade como integridade interior, pureza de coração, é a meta de todo amor autêntico, não como rejeição da corporalidade, mas como sua plena realização no amor. Maria é a Mãe, e a maternidade deve ser entendida como a realização da feminilidade, porque é a realização do amor como criatura que se oferece. Ao aceitar esta natureza, ela realizou a feminilidade da criação.
O mistério gozoso da maternidade de Maria não se opõe, portanto, ao mistério da sua virgindade. É o mesmo mistério. Ela não é mãe apesar de sua virgindade, ao contrário, ela revela a plenitude da maternidade porque sua virgindade é a plenitude do amor. O fim e a plenitude de cada vida, de cada amor, é acolher Cristo, dar-lhe vida em nós. Aqui está a origem de uma existência transfigurada pela beleza, uma existência (a de Maria) que se torna morada da beleza e trono da Sabedoria.
O vínculo íntimo entre Sofia e Maria (sofiologia e mariologia) já está presente no ato constitutivo original dos eslavos ortodoxos, como emerge na Crônica dos Tempos passados, referente à construção da igreja de Santa Sofia em Kiev (de 1037)
pelo príncipe Jaroslav, o Sábio. Desta Crônica especial (a metade do caminho entre a história e a devoção) aprendemos que as primeiras igrejas na Rússia dedicadas à Sabedoria divina
(construída no modelo de Santa Sofia em Constantinopla), celebravam as suas festas dedicatórias por ocasião das festas marianas
(Dormição e Natividade da Virgem), dessa ligação espontânea que ocorreu na Rússia entre Sofia e a Mãe de Deus.
No pano de fundo desse vínculo existe, sem dúvida, a presença da cultura bíblica em sua passagem do Antigo ao Novo Testamento: “A sabedoria edificou uma casa” (Pv 9,1). A imagem da Sabedoria personificada (Cristo) que constrói uma casa (a Igreja) é assim interpretada à luz do dogma da Encarnação. Cristo está encarnado na Virgem Maria, portanto a Mãe de Deus é, em certo sentido, o Templo de Cristo. A Sabedoria pode então ser entendida tanto como Cristo quanto como Igreja de Cristo, ou seja, Mãe de Deus. A partir desse primeiro traço, essa ligação entre Sofia e Maria toma forma e se enraíza em toda a tradição espiritual russa, abundantemente evocada pela liturgia e pela hinografia, pela iconografia e pelos muitos escritos espirituais, místicos e teológicos.
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