Maria, a Mãe que escuta a Palavra na Cruz

Escutar como fiel Maria sob a Cruz

A passagem de graça do fiel em Jerusalém é cheia de sentidos misteriosos. Jerusalém é a cidade da fé por excelência: é uma cidade santa porque simboliza a eleição divina e a aliança, duas experiências que se vivem na conjunção da graça e da fé. A fiel de Jerusalém está na sua cidade: tem o mesmo nome (Filha de Sião), repete os mesmos papéis: o de esposa e o de mãe

Nas colinas do Gólgota em Jerusalém, Jesus completa a sua Via Sacra e Maria a sua peregrinatio fidei: «Somente esta, de facto, é a sua tarefa: ir de Nazaré ao Gólgota». A Virgem, sob a Cruz, guarda com seu silêncio toda a existência do Filho: ela silencia no Evangelho de Lucas no momento de seu nascimento e no evangelho de João no momento de sua morte. 

No coração da Hora, Maria não grita, em coro com os outros: «Ele é o rei de Israel, desça agora da cruz e acreditaremos nele» (Mt 27,42). A fiel acreditou mesmo sem que Filho desça da Cruz indo além da fenomenologia do martírio que cobria a profecia sobre a realeza, a ela feita no dia da Anunciação (cf. Lc 1,32). 

Maria nem pergunta mais a Jesus: «Filho, por que você fez isso conosco?» (Lc 2,48), como disse quando, depois de tê-lo perdido, o encontrou no templo, porque, como discípula profunda do Filho Mestre, ela agora aprendeu que o Filho deve cuidar antes de tudo dos assuntos do Pai (cf. Lc 2,49). Maria, fazendo uma escolha teológica, além de ser humanamente sábia, cala-se e, o seu silêncio, «consiste amorosamente na imolação da vítima que engendra», como afirma um texto do Vaticano II.

«Na vida pública de Jesus, Sua mãe aparece duma maneira bem marcada logo no princípio, quando, nas bodas de Caná, movida de compaixão, levou Jesus Messias a dar início aos Seus milagres. Durante a pregação de Seu Filho, acolheu as palavras com que Ele, pondo o reino acima de todas as relações de parentesco, proclamou bem-aventurados todos os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática (cfr. Mc 3,35 e paral.; Lc 11, 27-28); coisa que ela fazia fielmente (cfr. Lc 2, 19 e 51). Assim avançou a Virgem pelo caminho da fé, mantendo fielmente a união com seu Filho até à cruz. Junto desta esteve, não sem desígnio de Deus (cfr. Jo 19,25), padecendo acerbamente com o seu Filho único, e associando-se com coração de mãe ao Seu sacrifício, consentindo com amor na imolação da vítima que d’Ela nascera; finalmente, Jesus Cristo, agonizante na cruz, deu-a por mãe ao discípulo, com estas palavras: mulher, eis aí o teu filho (cfr. Jo 19, 26-27)», (Lumen gentium 58).

Sob a Cruz, Maria exerceu uma escuta omnicompreensiva

Maria sob a Cruz não se calou apenas: calou-se escutando. Os Evangelhos não lhe atribuem nem uma palavra, mas uma escuta total. Ao ativar a eficaz e esplêndida linguagem não-verbal da escuta, Maria ensina não só a virtude, mas os critérios existenciais e as leis da história da salvação:

1) coragem: não se foge do último inimigo (1 Cor 15,26);

2) fidelidade: nenhum homem é abandonado, muito menos um filho, no momento terminal;

3) : não se afasta da situação limite da morte porque não é o fim de tudo;

4) consistência: ao negar o encontro com a morte, nega-se o sentido da vida e o que foi realizado em termos de libertação e promoção;

5) seriedade: sob a Cruz Maria não discute, mas confia em silenciar a experiência de testemunhar a morte de seu Filho, com o que isso significa para ela;

6) paciência: sob a cruz Maria não reclama e não contesta aqueles que crucificam o Filho;

7) o paradoxo: no coração da Hora aceite o perdão como princípio de vida.

Maria aparece, portanto, sob a Cruz como a bela cordeira que está ao lado do Cordeiro imolado; ela que gerou a vítima pascal e que se ofereceu com ele. O cordeiro silencioso, ao lado do Cordeiro que não abre a boca (cf. Is 53,7). 

O silêncio de Maria é a imitação do silêncio de Cristo paciente e moribundo. A lei tornou-se a Palavra, o mandamento a graça, a figura a realidade, o cordeiro o Filho. Este é o cordeiro sem voz. Este é aquele que nasceu de Maria, o cordeiro puro; que foi sacrificado à noite e ressuscitou dos mortos.

Maria escuta as sete últimas palavras de Jesus

Maria consumiu a sua experiência de discípula; ela estava aos pés do Maestro, que agora subiu à cadeira mais alta do mundo, para escutá-lo até ao último suspiro. Assim escutou suas últimas sete palavras, com as quais marcou sua agonia messiânica.

Primeira palavra: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem» (Lc 23,33-34). Ninguém – nem debaixo da Cruz, naquele dia, nem depois no desenrolar de toda a história da salvação – foi acolhido com mais abertura de coração e compreendido com mais inteligência de fé do que Maria. Como mãe em cujo seio se formou a paz, que é Cristo (cf. Ef 2,14), participou no evento do perdão máximo que foi celebrado na Cruz. A Virgem-Mãe consentiu na experiência do perdão do Crucificado, apenas explicitado pela palavra dirigida ao bom ladrão (cf. Lc 23,43), pois Cristo na Cruz exerce a caridade do perdão numa perspectiva universal e escatológica: Maria – maternalmente – permite a celebração deste perdão com a linguagem objetiva do silêncio.

O perdão cria uma interrupção entre os elos da cadeia lógica do pecado e do castigo correlato, introduzindo, no intervalo entre um e outro, a realidade recriadora e curativa da misericórdia.

Maria está, consentindo e participando, no lugar onde se celebra o perdão como lei da nova criação que nasce sob a árvore da Cruz. No que diz respeito à questão racionalmente insolúvel do perdão, Maria não oferece razões, mas indica um local: ela está sob a Cruz, em companhia de Cristo que, na Cruz, consagra o perdão como a lei da aliança selada pelo seu sangue. 

O movimento da peregrinação de fé de Maria tem se tornado uma constante quando descobrimos o seu lugar na história da Salvação. Descobrimos e indicamos lugares, identificamos presenças, vemos companhias e reconstruímos os caminhos percorridos por Maria na sua história de Mãe messiânica.

O evento do Perdão da Cruz envolve a Cordeira na sua maternidade, por isso, o perdão é uma realidade materna. Como podemos ver, Maria é uma mulher de perdão em um sentido muito forte e essencial: ela colabora, na escuta da palavra, para inserir o princípio do perdão na história humana. Ajuda a escrever a Palavra do perdão como lei da vida no céu da história da salvação. Ao participar nesta transformação da história, Maria comprometeu a sua maternidade virginal, porque exprimiu a confiança típica da mãe ao entregar-se ao Filho: arriscou totalmente a sua vida de Mãe na palavra e na ação do Filho, apesar da evidência contrária manifestada no fracasso da Cruz. 

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