A Mariologia de São Paulo
Paulo não conhece Maria e Jesus, mas escreve o versiculo mais completo de mariologia. PODE PARECER OBVIO HOJE QUE JESUS NASCEU DE MULHER, MAS.. PAULO É O PRIMEIRO QUE FAZ LIGAÇÃO DE MARIO COM CRISTO
Mariologia paulina: Gálatas 4,4
Texto original | Texto transliterado | Proposta de tradução |
1 – Λέγω δέ, ἐφ’ ὅσον χρόνον ὁ κληρονόμος νήπιός ἐστιν, οὐδὲν διαφέρει δούλου κύριος πάντων ὤν, | 1 – lego de ef’hoson kronon o kleronomos nepios estin ouden diapherei doulou kurios panton on, | 1 – Explico-me: por todo o tempo enquanto o herdeiro é menor, em nada difere do escravo, ainda que seja senhor de tudo, |
2 – ἀλλὰ ὑπὸ ἐπιτρόπους ἐστὶν καὶ οἰκονόμους ἄχρι τῆς προθεσμίας τοῦ πατρός. | 2 – alla hupo epitropus estin kai oikonomous achri tes prothesmias tou patros. | 2 – mas está sob tutores e administradores, até o tempo determinado por seu pai. |
3 – οὕτως καὶ ἡμεῖς, ὅτε ἦμεν νήπιοι, ὑπὸ τὰ στοιχεῖα τοῦ κόσμου ἤμεθα δεδουλωμένοι | 3 – houtos kai hemeis hote emen nepioi hupo ta stoicheia tou kosmou emeta dedoulomenoi | 3 – Assim também nós, quando menores, estávamos escravizados pelos elementos do mundo. |
4 – ὅτε δὲ ἦλθεν τὸ πλήρωμα τοῦ χρόνου, ἐξαπέστειλεν ὁ θεὸς τὸν υἱὸν αὐτοῦ, γενόμενον ἐκ γυναικός, γενόμενον ὑπὸ νόμον. | 4 – hote de elthen tou pleroma tou kronon exapesteilen ho theos ton huion autou genomenon ek gunaikos genomenon hupo nomon | 4 – Mas quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher e nasceu submetido a uma Lei, |
5 – ἵνα τοὺς ὑπὸ νόμον ἐξαγοράσῃ, ἵνα τὴν υἱοθεσίαν ἀπολάβωμεν. | 5 – hina tous hupo nomon exagorase hina ten huiothesian apolabomen | 5 – a fim de remir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos a sua adoção. |
6 – Οτι δέ ἐστε υἱοί, ἐξαπέστειλεν ὁ θεὸς τὸ πνεῦμα τοῦ υἱοῦ αὐτοῦ εἰς τὰς καρδίας ἡμῶν, κρᾶζον, Αββα ὁ πατήρ. | 6 – hoti de este huioi exapesteilen ho theos to pneuma tou huiou autou eis tas kardias humon krazon abba ho pater | 6 – A prova de que sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: “Abba, Oh Pai!’’. |
7 – ὥστε οὐκέτι εἶ δοῦλος ἀλλὰ υἱός: εἰ δὲ υἱός, καὶ κληρονόμος διὰ θεοῦ. | 7 – hoste ouketi ei doulos alla huios: ei de huios kai kleronomos dia theou | 7 – já não és escravo, mas filho. E, se és filho, então também herdeiro por Deus. |
Perante esta perícope alguns exegetas tentaram afirmar que em Gálatas 4,4 se refere Maria de forma incidental.
Hoje com o grande desenvolvimento da Mariologia bíblica nós já podemos afirmar que estamos perante o testemunho mais precioso de Paulo, da mariologia em germe, da condensação e da antecipação dos desenvolvimentos presentes nos Evangelhos da infância de Mateus e Lucas.
Do ponto de vista dogmático a frase de Gal 4, 4 é o texto mariologicamente mais significativo do Novo Testamento! Com Paulo começa a ligação entre a mariologia e a cristologia, precisamente através da atestação da maternidade divina de Maria e a primeira intuição de uma consideração histórico-salvífica de seu sentido. O mistério da mulher em Gal 4,4 está totalmente inserido num plano cristológico-trinitário-eclesial. E a redescoberta deste sentido tem conduzido a liturgia a reconstruir um percurso cada vez mais baseado no legado bíblico.
Não podemos entender Maria na vida litúrgica sem entender a Mariologia Bíblica.
A mulher, cujo nome nem sequer é mencionado – mas todos sabem quem é – está inteiramente ao serviço do acontecimento salvífico que compromete a Trindade e beneficia todos os homens. Ela está envolvida na realidade da plenitude dos tempos, decidida não pelo simples amadurecimento da história, nem pelos acontecimentos mundanos ou escolhas humanas, mas pela liberdade e decisão soberana do Pai de enviar seu próprio Filho.
Atenção! A missão do Filho de Deus não é consequência da plenitude dos tempos, mas é precisamente a sua entrada na história que realiza essa plenitude, transformando o krónos em kairós.
A narração de Gálatas está cheio de paradoxos e comparações:
Por um lado está Deus, o Pai, que toma a iniciativa e envia o Filho ao mundo;
De outro, a mulher, e com ela a condição de fragilidade, transitoriedade e pobreza radical.
Nascido de mulher, o Filho de Deus nasce debaixo da lei, em condição de não liberdade – segundo a visão paulina – apesar de ser herdeiro e senhor de tudo (cf. Gl 4,1).
Temos aqui o Paradoxo:
a infinita condescendência do Pai e a extrema kenosis do Filho.
Na mulher se esconde a pobreza da terra, com a qual, porém, Deus nunca cessou de dialogar e na qual, percebendo a plenitude dos tempos, vai habitar.
Situação emblemática e paradoxal
Como pode um nascido de mulher conferir a dignidade de filhos de Deus, e como pode um escravo libertar aqueles que esperam ser libertos?
Pode-se afirmar que o Filho de Deus nasceu de uma mulher para que todos os filhos de uma mulher se tornassem filhos de Deus. E para aqueles que assim se tornaram, o Pai (que enviou o Filho) envia o Espírito, como garantia e selo de liberdade. Animados pelo Espírito do Senhor, podem finalmente clamar por confiança, na certeza incontestável de não ser mais escravos, mas filhos e herdeiros, pela graça de Deus.
Protagonismo Trinitário marcante nesse texto mariológico
As duas proposições principais que constituem os pilares de sustentação da passagem de Gal 4,4-7 têm o Pai como sujeito e enviar como verbo principal, a respeito da missão do Filho e do Espírito. O Pai não está apenas em uma posição dominante, como sujeito dos verbos principais, mas está colocado no início e no final dos vv. 4-7, formando uma inclusão significativa. Ele aparece claramente – reiteramos – como o início e o fim da obra salvadora.
O envio do Filho, ato escatológico de Deus, que pôs fim à escravidão da humanidade com a graça da dignidade filial, não esgota, porém, o dom de Deus.
A condição de filiação requer a presença do Espírito, que confere o caráter e a consciência dos filhos com toda a liberdade resultante. Este segundo dom é postulado pelo primeiro: a missão do Espírito corresponde, como complemento necessário, ao envio do Filho.
O texto é explícito neste sentido: o mesmo verbo com que Deus envia exapesteilen o Filho se repete para o dom do Espírito. Todas estas dimensões – fundamentais na obra divina e na salvação dos povos – remetem a uma referência mais ou menos direta, mas essencial, à mulher de quem nasceu o Filho de Deus. A sua figura surge de alguma forma numa encruzilhada dos planos divinos.
À luz deste antigo e autorizado texto paulino, as solenes palavras do Concílio adquirem concretude:
«Maria… com a sua íntima participação na história da salvação, reúne, por assim dizer, e repercute os maiores dados da fé» (Lumen Gentium 65).
Os Documentos magisteriais também o usam de boa vontade. Com esta passagem se abre o capítulo VIII da Lumen gentium e a encíclica Redemptoris Mater começa com o mesmo texto. João Paulo II não se limita a citá-lo, mas sublinha o seu excepcional significado trinitário, eclesial e histórico-salvífico: «São palavras que celebram conjuntamente o amor do Pai, a missão do Filho, o dom do Espírito, a mulher da qual nasceu o Redentor, nossa filiação divina, no mistério da plenitude dos tempos» (RM 1).
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