Apresentação do Senhor ou Festa do Encontro (Ipapante)

No final do IV século em Jerusalém, local onde Lucas narra em 2,22-38 a apresentação do menino Jesus no templo, celebrava-se a 14 de Fevereiro, porque o Natal na época era a 6 de Janeiro dia da Epifania, esta festa do Encontro que em grego se diz Ipapante

O mais antigo documento desta festa é da peregrina Egéria que durante o IV século peregrina aos lugares santos e escreve uma espécie de diário da sua viagem que chegou até nós. Diz a peregrina:

«Quarenta dias depois da Epifania, é celebrado aqui com grande honra [o Ipapante]. Naquele dia saímos em procissão para a Anastasis (Igreja erguida sobre o santo sepulcro) e ali se celebram todos os ritos segundo o uso pré-estabelecido, com o máximo da exultação, como se faz para a Páscoa. Todos os sacerdotes pregam e depois o bispo, comentando sempre a passagem do Evangelho onde se narra que quarenta dias depois, José e Maria levaram o Senhor ao templo e viram Simeão e a profetisa Ana, filha de Fanuel, e as palavras por eles pronunciadas para com o Senhor, e a oferta que fizeram os genitores. Depois, completados todos estes passos como é habitual, celebra-se a Eucaristia».

Itinerarium Egeriae 26

Dos vários ritos que Egéria recorda na sua obra, um deles era o lucernário, isto é a ascensão de velas, acesas na chama que ardia no santo sepulcro, lugar onde brotou a Luz do Mundo, que, de acordo com aquilo que é dito, devia começar-se com a mesma solenidade da Páscoa.

Encontramos portanto descrito o núcleo daquilo que caracteriza a tradição da festa, cuja celebração – composta de um momento de procissão preparatória e do sacrifício eucarístico, conclui o ciclo natalício e pré-anuncia o ciclo pascal. 

No século V esta festa vai-se chamar a festa do Encontro composta de uma procissão de velas, e passou a ser no dia 2 de fevereiro porque o Natal se celebrava no 25 de dezembro, portanto 40 dias depois do Natal. O imperador Justiniano em 534 tornou-a obrigatória para todo o império fazendo desta festa uma festa da Igreja Universal.

Na homilética da festa do Hypapante menciona-se muitas vezes a figura de Maria. Porquê? Ouçamos o que Abraão de Éfeso do VI século afirma em uma das suas homilias, seguindo a tradição de Orígenes, ao interpretar o Oráculo de Simeão:

«As palavras “e uma espada traspassará a tua alma” manifestamente pré anunciam as coisas que aconteceram a Maria junto à Cruz. Na realidade, então a sua alma ficou dividida em dois como que por uma espada, enquanto considerava na sua mente as palavras ditas pelo anjo na Anunciação; enquanto pensava na concepção… e o parto que ocorreu sem a perda da sua virgindade; enquanto considerava os milagres por ele realizados e dos quais, como mãe, era orgulhosa»

Abraão de Éfeso

Também encontramos na conclusão desta Homilia o louvor da Virgem:

«É coisa digna portanto, oh irmãos, celebrar a Virgem Mãe de Deus. E quem pode louvá-la? Foi feita Mãe de Deus, na realidade, mãe que permaneceu virgem ao mesmo tempo; tálamo do grande rei, tesouro de benção, alegria do mundo, vinha que germinou o rebento da vida, esposa virgem, campo rico que produz a espiga crescida sem que fosse cultivada e que nutriu o universo inteiro com o pão da vida confeccionado pelo seu fruto; fonte que faz brotar uma onda eterna; verga nascida das raízes de Jessé, da qual germinou a flor que invade toda a criação com o seu agradável perfume; arca que conserva em si todo o legislador… com razão a criação te glorifica e os homens te veneram».

Abraão de Éfeso

No século VII também Sofrónio de Jerusalém (m. 638) dedica a esta festa uma homilia mariana afirmando:

«Nós todos que celebramos… o mistério do encontro do Senhor, corremos e movemo-nos juntamente em fervor de Espírito para ir ao encontro d’Ele. Ninguém se subtrai-a, ninguém se recuse a levar a sua vela. Acrescentemos, para além do mais, o esplendor dos círios para significar o seu divino fulgor que se está aproximando e graças ao qual cada coisa resplandece, depois que a abundância da luz eterna dissipou as trevas da escuridão. Mas as nossas velas exprimem sobretudo a luminosidade da alma, com a qual devemos ir ao encontro de Cristo. Na verdade, tal como a Mãe de Deus e Virgem intacta levou nos seus braços a verdadeira luz e se aproximou daqueles que jaziam nas trevas, assim também nós, iluminados pelo seu clarão e apertando entre as mãos a luz que resplandece perante nós, devemo-nos apressar para ir ter com aquele que é a verdadeira luz». 

Sofrónio de Jerusalém

Dos vários textos litúrgicos da Igreja bizantina para o 2 de fevereiro apresentamos o Tropário e o Kontakion de Romano o Melode do VI século, que são cantados no Ofício Divino e na Divina Liturgia. O Tropário é dirigido a Maria e Simeão e o Kontakion apenas a Cristo, ouçamos:

«Salve, cheia de graça, Mãe de Deus e Virgem, pois de ti despontou o sol da justiça, Cristo, nosso Deus, iluminante a todos aqueles que estavam nas trevas.

Alegra-te também tu, ó Justo Ancião, que recebeste entre os teus braços o libertador das nossas almas, que nos concede também a ressurreição».

Tropário

«Tu que santificaste com o teu nascimento um ventre virginal e abençoaste como convinha às mãos de Simeão, vieste e nos salvaste também a nós, Cristo Deus. Nas guerras dá a paz ao teu povo e fortifica os governantes que tu amas, ó único Amigo dos Homens».

Kontakion

No VII século o Ipapante foi a primeira festa a encontrar acolhimento em Roma inclusive com o seu nome em grego e depois de uma procissão preparatória celebrava-se a Eucaristia em Santa Maria Maior, com as antífonas marianas da procissão.

Com o difundir-se em toda a Igreja ocidental durante o VIII século desta festa, tomou-se o uso judaico prescrito depois do parto e começou na atual França a ser chamada de Purificação de Maria, In Purificatione sanctae Mariae

Apresentamos aqui algumas Antífonas Marianas da liturgia romana anteriores ao X século que eram utilizadas durante a procissão de velas, nas quais se canta e aclama Cristo enquanto se relembra com louvor e honra o mistério da Mãe do Salvador:

«Adorna o teu Tálamo, ó Sião, e acolhe como Rei o Cristo; uma Virgem concebeu, virgem o deu à luz e, virgem depois do parto, adorou aquele que tinha gerado»

«Ó Virgem Mãe de Deus, ó cheia de graça, ave! De ti nasceu o sol da justiça: Simeão o viu, e a grande voz dizia: Agora Senhor deixa que o teu servo vá em paz!»

Antífonas Marianas da liturgia romana

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