Os versículos mariológicos estão bem traduzidos?

Gênesis 3,15

Quando falamos de problemas de tradução escriturística, nós encontramos uma barreira que surge com toda a naturalidade sobre a teologia bíblico-mariana do Antigo Testamento. Todos os manuais e tratados dedicados a este campo das Sagradas Escrituras dão especial atenção aos anúncios proféticos de Gn 3,15, Is 7,14, entre outros. O Concílio Vaticano II ensina que a Mãe do Redentor:

Fig 1

Ipsa, sub hac luce, iam prophetice adumbratur in promissione, lapsis in peccatum primis parentibus data, de victoria super serpentem (cf. Gen 3,15). Similiter haec est Virgo quae concipiet et pariet Filium, cuius nomen vocabitur Emmanuel (cf. Is 7,14; […]; Mt 1,22-23)A esta luz, Maria encontra-se já profeticamente delineada na promessa da vitória sobre a serpente (cfr. Gén. 3,15), feita aos primeiros pais caídos no pecado. Ela é, igualmente, a Virgem que conceberá e dará à luz um Filho, cujo nome será Emmanuel (cfr. Is. 7,14; cfr. […]; Mt. 1,22-23).

Profeticamente prenunciada: uma expressão verdadeiramente feliz! Assim, o Concílio indica a presença da Mãe do Redentor no chamado proto-evangelho de Gn 3,15. Mas na continuação imediata do mesmo parágrafo, com o advérbio igualmente (similiter) o mesmo esclarecimento hermenêutico se estende a Is 7,14.

Quais foram os caminhos pelos quais os autores do Novo Testamento chegaram a uma re-compreensão, também mariológica, das profecias mencionadas?

Seguindo a ordem cronológica de seus escritos, encontramos primeiro Mateus que interpreta Is 7,14 e o último será a tradição joanina do Apocalipse, que remonta a Gn 3,15, quando ele contempla a Mulher vestida de sol.

Deixemo-nos levar pela mão dos evangelistas e sob a sua orientação, aprenderemos a perscrutar os traços de Maria, como a aurora que prenuncia os raios benéficos de Cristo, Sol da justiça (Ml 3,20).

Sobre Gênesis 3,15

Do ponto de vista estritamente exegético, devemos reconhecer que as primeiras interpretações da perícope não são mariológicas. Além disso, são conhecidas as dificuldades que este texto sempre colocou ao escrutínio dos estudiosos. Em primeiro lugar na sua formulação literária que, segundo os testemunhos de que dispomos, apresenta-se problemática sob vários aspectos, tanto que poderíamos mesmo falar de três textos paralelos: o hebraico, o da tradução grega dos LXX, e aquelas as antigas versões ocidentais, que mais tarde se fundiram na Vulgata.

LXX: A versão grega mais importante do Antigo Testamento é chamada de versão dos Setenta, porque, segundo uma lenda, foi feita por setenta (ou setenta e dois) estudiosos que trabalhavam ignorando-se mutuamente. Conforme a tradição judaica, foi encomendado por Ptolomeu Filadelfo (285-246 a.C.) para sua famosa biblioteca em Alexandria. Embora pareça ser o trabalho conjunto de muitos tradutores, foi provavelmente concluído mais tarde: por volta do ano de 132 a.C. Em alguns pontos importantes, difere da Bíblia hebraica. Certos livros que nem mesmo são encontrados na Bíblia hebraica (como Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiastico e Baruc) foram introduzidos nos Setenta, enquanto alguns livros (por exemplo, Ester) aparecem em uma forma mais longa. Esses livros e passagens tradicionais, chamados de Apócrifos na tradição protestante, são considerados “deuterocanônicos” pelos católicos e ortodoxos. Ao citar o Antigo Testamento, os autores do Novo Testamento geralmente seguem os Setenta em vez do hebraico original. Muitos dos primeiros Padres da Igreja consideravam os Setenta a versão oficial do Antigo Testamento. 

Vulgata Latina: Este nome deriva de vulgata editio (lat. “edição popular”) e refere-se à tradução latina mais difundida da Bíblia. Quando sentiu a necessidade de uma tradução comum em Roma, São Jerônimo (cerca de 340-420) se comprometeu a revisar algumas traduções latinas do Novo Testamento já existentes. Forçado a deixar Roma, Jerônimo aprendeu hebraico e começou a traduzir o Antigo Testamento também. Por volta de 404, ele terminou de traduzir (ou revisar traduções existentes) a Bíblia por completo. Em 1546, o Concílio de Trento declarou que a Vulgata era a tradução autêntica da Bíblia (DH 1506).

Vejamos os textos

  Fig 2

   Hebraicowə·’ê·ḇāh ’ā·šîṯ, bê·nə·ḵā ū·ḇên hā·’iš·šāh, ū·ḇên zar·‘ă·ḵā ū·ḇên zar·‘āh hū yə·šū·p̄ə·ḵā rōš, wə·’at·tāh tə·šū·p̄en·nū ‘ā·qêḇ.s
וְאֵיבָ֣ה אָשִׁ֗ית בֵּֽינְךָ֙ וּבֵ֣ין הָֽאִשָּׁ֔ה וּבֵ֥ין זַרְעֲךָ֖ וּבֵ֣ין זַרְעָ֑הּ ה֚וּא יְשׁוּפְךָ֣ רֹ֔אשׁ וְאַתָּ֖ה תְּשׁוּפֶ֥נּוּ עָקֵֽב׃ ס
e inimizade eu colocarei entre ti e a mulher e entre a tua semente e a sua semente. Ele te ferirá a tua cabeça e tu ferirás o seu calcanhar
  LXXκαὶ ἔχθραν θήσω ἀνὰ μέσον σου καὶ ἀνὰ μέσον τῆς γυναικός, καὶ ἀνὰ μέσον τοῦ σπέρματός σου καὶ ἀνὰ μέσον τοῦ σπέρματος αὐτῆς. αὐτός σου τηρήσει κεφαλήν, καὶ σὺ τηρήσεις αὐτοῦ πτέρναν.
Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela (του σπέρματος αυτής) Ele (αυτός) ferirá a tua cabeça, e tu ferirás o seu calcanhar.
 VulgataLatina inimicitias ponam inter te et mulierem et semen tuum et semen illius ipsa conteret caput tuum et tu insidiaberis calcaneo ejus.
Porei inimizade entre você e a mulher e sua descendência, ela esmagará sua cabeça e você se esgueirará em seu calcanhar.

Fig 3

Bíblia Ave MariaBíblia PastoralBíblia de JerusalémBíblia da CNBBBíblia TEB
Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.Eu porei inimizade entre você e a mulher, entre a descendência de você e os descendentes dela. Estes vão lhe esmagar a cabeça, e você ferirá o calcanhar deles.Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar.Porei inimizade entreti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar.Poreihostilidade entre ti e a mulher, entre atua descendência e a descendência dela.Esta te atingirá a cabeça e tu lhe atingirás o calcanhar

a)      Quem esmaga?

O problema que emerge dessas três possibilidades diz respeito tanto à relação entre a serpente e a mulher e, sobretudo, à relação entre a serpente e a descendência/semente da mulher.

No texto hebraico, a descendência (zar·‘āh: masculino) é a protagonista da luta e da vitória. Não é especificado quando ou como: mas uma vitória decisiva da descendência da mulher sobre a serpente é claramente indicada. A descendência da mulher é interpretada num sentido coletivo e pessoal em simultâneo; são, de facto, aqueles que observam (ou não observam) a lei de Moisés. Estamos, portanto, no contexto do povo de Israel, para quem haverá salvação irreversível contra os laços da serpente com o aparecimento do Messias. Na prática, então, a mulher do Gênesis e seus descendentes passam a se identificar com a comunidade de Israel no caminho da redenção messiânica. Mais simplesmente: o povo escolhido com seu Messias. Não estamos longe da mensagem de Apocalipse 12!

A tradução da LXX enfatiza explicitamente a descendência, a forma αυτός, corresponde ao masculino do texto hebraico, mas é uma dissonância gramatical estridente com a descendência da mulher (του σπέρματος αυτής) mencionada que é neutro + feminino. Existe uma transição gramaticalmente violenta do neutro [descendência] para o masculino [Ele]. Um fenômeno literário desse tipo sugere que na descendência da mulher terá uma pessoa específica que conduzirá a prole, primeiramente entendida em sentido genérico, à vitória final na superação irreversível do laço da serpente. Isso atesta claramente a expectativa de uma pessoa messiânica. A discrepância entre o pronome masculino de terceira pessoa ele e o substantivo neutro semente confirma que para os judeus contemporâneos à versão dos LXX o Messias era um indivíduo, uma única pessoa, não um povo em geral.

A tradução da Vulgata atribuiu um papel de liderança às mulheres. Será a mulher (ipsa) que poderá esmagar (conteret) a cabeça da serpente. A vitória, portanto, não é atribuída diretamente à descendência, mas pessoalmente à mulher.

A interpretação exegética de Gênesis 3,15 oscila, podemos dizer, entre o texto hebraico e a tradução grega da LXX. Insiste-se hoje em voltar às raízes. A mulher é colocada como início da descendência e nunca se separa dela. Esta descendência encontra o seu ponto de referência essencial em Cristo. Portanto, que a descendência entendida em sentido geral seja polarizada e concretizada em uma pessoa, αυτός, e que essa pessoa seja Cristo, é um dado eclesial que se justifica exegeticamente.

b)     Elementos do texto

«Porei inimizade entre ti e a mulher», disse o antigo oráculo do Gênesis, conhecido como o protoevangelho. A mulher só pode ser Eva, ou seja, a mulher de quem o autor falou até aquele momento. Isso é exigido pelo artigo definido (a), que supõe uma ligação com a narrativa anterior.

«Entre a tua semente e a semente dela». A semente da serpente designa aqueles que fazem seu o engano do sedutor, tornando-se assim seus filhos, seus seguidores, seguindo a sua incitação ao mal (cf. Sb 2,24; Jo 8,44).

Por exclusão, a semente da mulher é constituída por aqueles que permanecem fiéis aos caminhos de Deus:

Essa [= a semente] te esmagará a cabeça, enquanto tu lhe ferirás no calcanhar“. Como já dissemos, segundo o texto hebraico quem esmagará a cabeça da serpente não será a mulher, mas a sua semente. Como discernir nesta semente ou descendência, quem traz a vitória final?

Um coletivo (a semente da casa real de Davi?),

Um grupo ou um indivíduo?

As respostas são hesitantes e, estritamente falando, não se enquadram nos limites formais do nosso percurso. No entanto, o fato é que a derrota da serpente é fatal, pois sua cabeça é esmagada. Deus toma o lado do homem (porei inimizade). Israel sabe que pode contar com as promessas de Deus.

O contexto imediato

A exegese desta passagem é extremamente complexa. Elementos estritamente linguísticos, elementos redacionais, elementos de estilo contribuem para torná-la assim. Primeiramente, em comparação com a formulação atual do texto, houve uma gestação que teve que ser trabalhosa.

As interpretações que têm sido propostas avançam em crescendo para uma posição:

a) naturalista, hostilidade perene entre o homem e a serpente, como efeito da maldição divina;

b) ética, a luta se dá entre o homem e a serpente como símbolo do mal;

c) sentido salvífico.

 Esta última interpretação, sentido salvífico, tem, a seu favor, o fato decisivo de se encaixar adequadamente no grande contexto dos primeiros 11 capítulos do Gênesis. As necessidades contextuais, tal como emergem dos primeiros 11 capítulos, provavelmente já presente no momento redacional, postulam uma certa unidade, uma concatenação articulada entre os vários elementos, sem espaços vazios e sem sobreposições repetitivas.

Tendo tudo isso em mente, vemos que toda a história da segunda narrativa da criação pode ser conectada com a primeira, pois é possível superar a mentalidade que ela representa e expressa. Ao mesmo tempo, não podemos parar na condenação de Deus, ou seja, a história da redação, com suas necessidades de unidade, deve ser reavaliada, para não se perder no arquipélago da análise dos elementos únicos, independentemente do seu âmbito.

Insistindo no fato daquilo que o Gênesis nos quer exprimir, que diz respeito à história da humanidade em geral, do ponto de vista de um desenvolvimento dialético de sua história numa perspectiva salvífica, ressoa uma leitura do texto sente a necessidade de expressar adequadamente as tramas sincrônicas.

A releitura de Gn 3,15 em Apocalipse 12

Pode-se dizer que a Virgem foi predita no proto-evangelho do Gênesis?

 Em resposta, deve-se dizer que o aspecto mariológico desta profecia só se torna inteligível a partir do Novo Testamento, isto é, graças ao capítulo 12 do Apocalipse. Vamos ver como. A questão preliminar é esta: quem é a: mulher vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas? (Ap 12, lb).

Estamos na presença de um grande sinal (1a). Como tal, deve ser decodificado. 

Qual é a identidade da figura feminina que ocupa o campo visual?

a) Um simbolismo múltiplo
A Mulher de Apocalipse 12 reúne um simbolismo polivalente que, ao mesmo tempo, lembra Eva, Israel e a Igreja.
Eva – Embora a Mulher não tenha nome, o leitor facilmente descobre a figura de Eva lutando com a serpente (Gn 3,15). De fato, o dragão é descrito como «a antiga serpente, a quem chamamos Diabo e Satanás, que seduz toda a terra» (Ap 12,9; cf. Gn 3,15). Ele está em guerra aberta contra as mulheres; ele está ali pronto para devorar seu Filho assim que ela o tiver dado à luz (Ap 12,4). Como sua tentativa é frustrada pela intervenção divina que rapta o recém-nascido para Deus e seu trono (v. 5), ele não desiste de perseguir a Mulher, que fugiu para o deserto: corre atrás dela (v. 13), ele vomita um rio de água, porém prontamente absorvido pela terra que se abre (vv. 15s). A ira da cobra contra a Mulher então se derrama: «contra o resto de sua descendência, contra os que observam os mandamentos de Deus e possuem o testemunho de Jesus» (v. 17).

Israel – As doze estrelas com que é coroada a Mulher (Ap 12,1) simbolizam as doze tribos do povo de Israel (cf. Gn 37,9). Estamos, portanto, na presença da Mulher-Noiva da Antiga Aliança. Nela é retratada toda a comunidade de Israel-povo de Deus, que no final do primeiro século d.C. venerava Eva como a primeira de suas mães, e numa perspectiva messiânica.

A Igreja – A Mulher, de fato, é aquela que gera o Messias, elevado ao trono de Deus (Ap 12,5), e é também a mãe daqueles que vivem os mandamentos divinos, dando testemunho de Jesus (v. 17). No final do livro do Apocalipse encontramos mais uma confirmação do valor eclesial-comunitário da Mulher. Isso é comprovado pelo fato de que ela reaparece sob o disfarce de “Mulher-Esposa do Cordeiro” (21,2.9). Nela temos a Cidade Santa, a Nova Jerusalém (21,10), que inclui tanto as doze tribos de Israel (21,12), quanto os doze apóstolos do Cordeiro-Cristo (21,14). Em outras palavras: esta única e mesma Mulher reúne e sintetiza todo o povo de Deus, da primeira Aliança ratificada no Sinai e da segunda que surgiu do mistério pascal de Cristo.

A Mulher de Apocalipse 12 também representa Maria?

A mãe de Jesus estava presente no vidente de Patmos quando ele entregou o seu livro de revelação às sete igrejas? 

Os exegetas, em grande maioria, respondem: a Mulher de Apocalipse 12 representa diretamente a Igreja, ou seja, o povo de Deus do Antigo e do Novo Testamento; no contexto da Igreja, na mesma Mulher é também legítimo vislumbrar Maria, a mãe do Messias Jesus.

a. O parto da mulher, este é uma reencenação simbólica da paixão e ressurreição de Cristo. Tendo fixado este ponto, a mente do leitor corre espontaneamente para Jo 19,25-27. Nessa passagem é dito que quando Jesus passou deste mundo para o Pai, a comunidade messiânica (ou o remanescente fiel de Israel) foi representada por três ou quatro mulheres e o discípulo amado. Entre estes, um papel de destaque é reconhecido à mãe de Jesus, constituída mãe de todos os discípulos.

A diferença entre Ap 12 e Jo 19, 25-27 está aqui: enquanto a cena do Apocalipse é de tom eclesial, a do IV Evangelho está centrada na pessoa de Maria. Mas esta é uma diferença complementar. Assim o capítulo 12 do Apocalipse confirma o significado eclesiológico de Maria ao lado da cruz; e vice-versa, a presença de Maria junto ao Crucifixo possibilita a extensão mariológica à Mulher do Apocalipse lutando com o dragão.

A extensão mariológica à Mulher do Apocalipse não é apenas possível, mas obrigatória, e precisamente ao nível do sentido literal. De fato, a «Mulher-Igreja» de Ap 12, apresentada como a mãe do Messias e de todos os seus seguidores, é a transcrição simbólica da «Mulher-Maria», que foi realmente a mãe de Jesus e, por vontade do próprio Jesus, tornou-se mãe de todos os seus discípulos. Precisamente porque a mãe de Jesus viveu concretamente dentro da igreja joânica, o autor do Apocalipse conseguiu criar a cena do capítulo 12, que estende e aplica a missão de Maria à Igreja. Em outras palavras: a exemplificação da Igreja é Maria.

As grandes imagens do cap. 12 são incompreensíveis sem referência ao papel histórico de Maria. O sentido eclesial e mariológico não são de forma alguma alternativos – como muitas vezes se pensa – mas complementares, postulam-se mesmo: a Igreja sem Maria careceria de um ponto de referência concreto e de uma dimensão qualificadora. Maria sem a Igreja seria um súbito e inexplicável meteoro no céu do Apocalipse, uma presença estrangeira difícil de justificar.

b) A Mulher de Ap 12 é então a mesma Mulher que será glorificada nos novos céus e na nova terra da Jerusalém celeste, como «Mulher-Esposa do Cordeiro» (Ap 21,1-22,5). Na reflexão escatológica desta última meta, a comunidade dos fiéis ergue o olhar para a mãe de Jesus, “Assunta” junto ao Filho na glória celeste. Na sua pessoa, redimida na integridade física e espiritual do seu ser, a Igreja saúda com alegria os primeiros frutos da perfeita salvação que Cristo ressuscitado derramará sobre cada criatura.

Is 7,14 

Fig 4.1


Isaías 7,14[Hebraico]
lā·ḵên yit·tên ’ă·ḏō·nāy hū lā·ḵem ’ō·wṯ;  hin·nêh hā·‘al·māh, hā·rāh wə·yō·le·ḏeṯ bên, wə·qā·rāṯ šə·mōw ‘im·mā·nū ’êl.     
לָ֠כֵן יִתֵּ֨ן אֲדֹנָ֥י ה֛וּא לָכֶ֖ם א֑וֹת הִנֵּ֣ה הָעַלְמָ֗ה הָרָה֙ וְיֹלֶ֣דֶת בֵּ֔ן וְקָרָ֥את שְׁמ֖וֹ עִמָּ֥נוּ אֵֽל
Eis, te dará o Senhor, ele a ti um sinal, vê a virgem  tornar-se-á grávida e terá um Filho e chama-lo-á o seu nome ImanuEl 


Isaías 7,14[LXX]
dia touto dusei Kurios autos umin semeion idou he partenós en gastri lumpsetai kai texetai uiov kai xaleseis to onoma autou Emmanouel
διὰ τοῦτο δώσει Κύριος αὐτὸς ὑμῖν σημεῖον ἰδοὺ ἡ παρθένος ἐν γαστρὶ λήμψεται καὶ τέξεται υἱόν, καὶ καλέσεις τὸ ὄνομα αὐτοῦ Ἐμμανουήλ
Através disto, dará o Senhor, ele a ti um sinal, a virgem no ventre habitará e dá à luz um filho e dará o nome a ele Emmanuel 

Isaías 7,14Vulgata Latina
propter hoc dabit Dominus ipse vobis signum ecce virgo concipiet et pariet filium et vocabitis nomen ejus Emmanuhel
Através isto, dará o Senhor a vós um sinal, eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e o chamará com o nome dele Emanuel.

Mt 1,23[Grego]
Ἰδοὺ ἡ παρθένος ἐν γαστρὶ ἕξει καὶ τέξεται υἱόν, καὶ καλέσουσιν τὸ ὄνομα αὐτοῦ Ἐμμανουήλ, ὅ ἐστιν μεθερμηνευόμενον Μεθ’ ἡμῶν ὁ θεός.
  Idou hē parthenos en gastri hexei kai texetai huion kai kalesousin to onoma autou Emmanouēl  ho estin  methermēneuomenon Meth’ hēmōn ho Theos
Eis que a virgem no ventre terá e dará à luz um filho e eles o chamarão Emanuel que é traduzido Com nós o Deus

Fig 5 

Bíblia Ave MariaBíblia PastoralBíblia de JerusalémBíblia da CNBBBíblia TEB
[Is 7,14] Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará ‘Deus Conos­co’.[Is 7,14] Pois saibam que Javé lhes dará um sinal: A jovem concebeu e dará à luz um filho, e o chamará pelo nome de Emanuel.[Is 7,14] Pois sabei que o Senhor mesmo vos dará um sinal: Eis que a jovem concebeu e dará à luz um filho e pôr-lhe-á o nome de Emanuel.[Is 7,14] Pois bem, o próprio SENHOR vos dará um sinal.Eis que a jovem conceberá e dará à luz um filho e lhe porá o nome de Emanuel.[Is 7,14] Pois bem o Senhor mesmo vos dará um sinal Eis que a jovem está grávida e dá à luz um filhoe lhe dará o nome de Emanuel.
[Mt 1,23] Eis que uma Virgem conceberá e dará à luz um filho, que se chamará Emanuel, que significa: Deus conosco[Mt 1,23] Vejam: a virgem conceberá, e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que quer dizer: Deus está conosco.[Mt 1,23] Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e o chamarão com o nome de Emanuel, o que traduzido significa: Deus está conosco[Mt 1,23] Eis que a virgem ficará grávida e dará à luz um filho. Ele seráchamado pelo nome de Emanuel, que significa: Deus conosco.
[Mt 1,23] Eis que a virgem conceberáe dará à luz um filho, ao qual darão o nome de Emanuel, o que se traduz: Deus conosco

Contexto original de Is 7,14

A profecia de Isaías faz parte dos acontecimentos relacionados com a guerra siro-efraimita contra o reino de Judá. Estamos em 734-733 a.C. Neste ano, Jotão, rei de Judá morre em Jerusalém. Ele é sucedido por seu filho Acaz, de apenas vinte anos. O rei de Damasco (Razon) e o de Israel (Pekak) travam guerras contra o jovem soberano, porque ele se recusou a se juntar a eles na coalizão contra Tiglate-Pileser III (745-727), rei da Assíria. Os exércitos dos dois sitiantes já estão pressionando os portões de Jerusalém.

Acaz, assustado, decide chamar Tiglath-Pileser para ajudar. Nesse ponto, entra em cena o profeta Isaías, que tenta dissuadir Acaz de seu projeto: aliar-se ao monarca assírio equivalia a reconhecer até às falsas divindades que ele adorava, mas isso contrastava fortemente com o primeiro mandamento da aliança: «Não terás outros deuses, diante de mim» (Ex 20,3). Visto que Acaz, na prática rejeita a advertência de Isaías, o profeta dirige seu oráculo à casa de Davi, tão gravemente ameaçada (Is 7,13).

E diz que a jovem esposa de Acaz (Abia) cf. 2 Reis 18,2) dará à luz um filho (Ezequias), a quem imporá o nome auspicioso de Emanuel, que significa Deus conosco (Is 7,14). O nascituro comerá leite e mel (v. 15a); ou seja: também ele terá de se alimentar destes escassos produtos da pastorícia, os únicos que permanecem numa terra empobrecida pela guerra e um povo forçado a abandonar a agricultura (cf. Is 7,22-25).

Essa alimentação, no entanto, durará até que a criança «aprenda a rejeitar o mal e escolher o bem» (v. 16a). Esta frase (tendo em conta o precioso paralelismo que tem em Is 8,4) significa: «antes que a criança saiba dizer pai e mãe». Estes são os primeiros sinais de discrição (cf. Gn 4,11); eles também podem se manifestar em torno de dois anos. No final deste período, declara o profeta, os dois reis que inspiram tanto medo em Acaz serão derrotados (v. 16).

A evolução imediata dos fatos confirmou a veracidade da profecia. Em 733 Tiglate-Pileser conquista Samaria, e em 732 Damasco cai nas mãos dos assírios. Ezequias nasceu no inverno de 733-732, consoante os cálculos mais confiáveis. Quando ele tinha pouco mais de um ano, a ameaça da liga siro-efraimita foi assim evitada. Ezequias então sucedeu Acaz e seu bom governo realmente mostrou que “Deus está conosco“, isto é, com seu povo (Is 8,10).

A casa de Davi, à qual o Senhor prometeu estabilidade perene pela boca de Natã (2 Sam, 7,8-16), sobreviveu graças à pessoa e obra de Emanuel-Ezequias. Essa interpretação do famoso oráculo de Is 7,14 é chamada de indiretamente messiânica, pois considera Ezequias o tipo de Cristo. É a prefiguração mais antiga e está recuperando numerosos consentimentos mesmo entre os exegetas de hoje.

Por mais que se queira procrastinar, nunca será possível circunscrever as perspectivas do profeta dentro dos limites do reino de Judá ou da corte de Acaz. Isaías tem diante de si mais que uma invasão, uma libertação, um sinal; em sua mente, portanto, o momento e os destinatários das respectivas ameaças e promessas também devem ser claros.

Caso contrário, o oráculo seria contraditório (com insinuações salvíficas e punitivas, relativas ao presente, «antes que a criança distinga o bem do mal», e um futuro não especificado, «naquele dia»), desproporcionalmente enfático (apenas para anunciar um evento histórico não é explicável com tanta solenidade), mesmo confuso, – sendo contrário ao estilo usual dos profetas, – portanto, também supérfluo.

Interpretação de Is 7,14 em Mt 1,22-23

Mateus, após haver narrado a concepção virginal de Jesus (1,18-21), conclui: «Tudo isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelo Senhor pelo profeta: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz a um filho que se chamará Emanuel, que significa Deus conosco”».

O oráculo a que Mateus se refere é o de Is 7,14. Vemos em primeiro lugar o contexto original desta famosa profecia, e depois a releitura cristológico-mariana que o I Evangelista faz dela.

Mt 1,22s reinterpreta Is 7,14 no sentido messiânico e mariológico. O evangelista acaba de narrar a concepção virginal de Cristo e afirma que, apesar da exclusão do homem, Jesus descende da dinastia davídica. De fato, é José, filho de Davi (Mt 1,20), quem lhe confere a paternidade legal (Mt 1,21,24), inserindo-o assim na sociedade judaica como «filho de Davi». À luz desse evento extraordinário, Mateus pensa nas circunstâncias da profecia de Is 7,14 e conclui que elas extraem seu pleno significado agora que Maria concebeu Cristo por obra do Espírito.

Como? 

Poderíamos dizer que a releitura mateana de Is 7,14 tem dois aspectos: um diz respeito ao Messias, o outro à mãe do Messias.

a) O Messias

Assim como na época da guerra siro-efraimita a sobrevivência da dinastia davídica foi assegurada pelo nascimento de Emanuel-Ezequias, também o nascimento de Cristo da linhagem de Davi garante por parte de Deus a estabilidade da linhagem davídica, sendo agora prolongada na Igreja. A figura de Ezequias, muito celebrada pelo profeta (Is 7,14s; 8,5-10; 9,5ss.), é uma prefiguração típica de Cristo. Jesus é o verdadeiro e perfeito Emanuel, o «Deus conosco»: «Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos» (Mt 28,20).

A nova casa de Davi é agora a igreja de Cristo (cf. Mt 16,18: «Eu edificarei a minha igreja»). Ela goza de estabilidade perpétua porque Jesus vive nela. As forças do mal não prevalecerão (cf. Mt 16,18). O amor vence a morte. No Cristo ressuscitado, atuando na Igreja, revela-se a onipotência de Deus, do «Deus conosco».

b) A mãe do Messias

O significado mariológico da profecia de Isaías, segundo a citação de Mateus, está na pessoa da mãe de Emanuel-Ezequias. Assim como deu à luz um filho que garantiu a continuidade da casa de Davi, Maria dá à luz um filho que reinará para sempre no trono de Davi, na casa de Jacó, no Israel de Deus (cf. Mt 16,18; 28,20; Gal 6,16; 2 Sm 7,16); observe-se a realeza das duas mães. Além disso, assim como o nascimento de Ezequias teve o caráter de um prodígio, pois foi predito pelo profeta como um sinal, o nascimento de Cristo foi supremamente prodigioso, pois foi concebido por uma virgem, por somente o Espírito (Mt 1,18.20).

Em resumo: Is 7,14 é o primeiro dos oráculos do Antigo Testamento a ser entendido também em sentido mariológico por um autor do Novo Testamento. A Virgem Maria é “profeticamente delineada” (Lumen Gentium, 55). Se vários Padres, como Justino, relataram esta profecia diretamente a Cristo e Maria, isso provavelmente aconteceu sob a influência da controvérsia com os círculos judaicos, que negavam qualquer conteúdo cristológico ao Antigo Testamento. Respeitando, porém, a economia dinâmica e historicista da Revelação, vemos que só a partir do testemunho de Mateus é possível ver a figura do Salvador e sua mãe por trás dos véus das personagens típicas do rei Ezequias e da rainha mãe Abia. 

O que aconteceu no tempo do rei Acaz, agora alcança o cumprimento perfeito e definitivo no mistério da concepção virginal de Cristo, «filho de Davi» (cf. Mt 1,20) e «Deus conosco» (1,23).

O Novo Testamento completa o Antigo, superando-o. Jesus dirá: «Não penseis que vim abolir a Lei ou os Profetas; Eu não vim para abolir, mas para cumprir» (Mt 5,17).

Conclusão 

A releitura dos anúncios proféticos de Is 7,14; e Gn 3,15 relidas pelos evangelistas Mateus e João é mais um passo para compreender o papel que Deus atribuiu à Virgem na história preparatória do Antigo Testamento. A figura da mãe do Messias foi tomando forma gradualmente na penumbra da palavra profética. A expectativa do povo eleito é agora consciente de que sua Mãe também deve se unir ao lado do Salvador.
Ao lado da corrente que prepara o Messias, o Antigo Testamento apresenta uma corrente mais baixa, mas paralela, que prepara a comunidade messiânica. É precisamente a personificação feminina da Virgem filha de Israel ou Filha de Sião. É legítimo pensar que esta corrente secundária flui para Maria, assim como a corrente principal flui para Jesus. Embora de maneiras diferentes, ambas carregam em si o destino do Messias e seu povo.

Prof. Dr. Daniel Afonso

Profa. Carolline Muniz

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Explore o papel fundamental de Maria na Bíblia neste artigo detalhado. Descubra como a Sagrada Escritura revela Maria não apenas nos textos explícitos, mas também nas prefigurações do Antigo Testamento. Entenda a importância de Maria no contexto do plano de salvação e como sua imagem une diversas tradições cristãs. Aprofunde-se na hermenêutica bíblica e na teologia mariana para conhecer melhor a mãe de Jesus e nossa mãe, guiados pela luz da fé e da tradição eclesial.

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