Viram o Menino com Maria sua mãe (Mt 2,10-11)
«Alguns Magos vieram do oriente a Jerusalém e perguntavam: Onde está o rei dos judeus que nasceu? Vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-lo… Ao verem a estrela, eles experimentaram uma grande alegria. Entraram na casa, viram o Menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram. Em seguida, abriram seus tesouros e ofereceram ouro, incenso e mirra». (Mt 2,12.10-11)
Na arte paleocristã, os Magos apresentam presentes ao Menino, que está nos braços de sua Mãe, sentada em um trono com degraus (a porta de madeira de Santa Sabina, em Roma, por volta de 430). Outras vezes, a Mãe de Deus está no centro, cercada simetricamente pelos Magos e pelos pastores. Às vezes, como em Santa Maria Antiqua em Roma (século VIII), o primeiro rei mago se ajoelha diante de Maria e do Menino, enquanto José está atrás da Virgem e um anjo aponta a estrela e o caminho.
Na Idade Média, principalmente nos tímpanos das catedrais góticas, a representação da adoração dos Magos enquadrava retratos da Virgem, enquanto nos altares posteriores, o cenário da cena começou a se enriquecer com detalhes.
No Renascimento, a centralidade da Mãe com o Menino foi diminuída pelo gosto pelas roupas luxuosas dos Magos e pelas curiosidades de seu séquito exótico. Curiosidades que foram acentuadas na arte barroca que exagera o aspecto cenográfico (cf. Tiepolo em sua “Adoração dos Magos” em Munique, 1753).
De qualquer forma, o eixo central da famosa narrativa dos Magos está naquele versículo: “Viram o Menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram“. A Theotókos aparece aqui em sua função fundamental de gerar e oferecer ao mundo seu Filho divino.
O relato de Mateus (2,1-12), frequentemente lido superficialmente como uma fábula oriental, repleta de aromas e cores exóticas, é na verdade cheio de simbolismos e referências teológicas alusivas, um mosaico de citações e temas bíblicos. Estamos diante – como no restante do evangelho da infância de Jesus – de uma síntese cristológica distribuída pelos fios finos de uma trama com malhas históricas muito amplas e flexíveis e padrões de pensamento muito densos e tensos.
Uma maneira errada de ler e meditar sobre esta página é perder de vista Cristo e Maria e se deixar conquistar demais pelos Magos. Esta tentação existiu desde o início: nas catacumbas romanas, esses personagens aparecem nos afrescos já no século II, dois séculos antes dos pastores, que eram muito normais e modestos. A tradição os fez reis, os contou em três, os tornou racialmente diferenciados (branco, amarelo, negro), atribuiu-lhes nomes diferentes de acordo com culturas pagãs (no Ocidente Gaspar, Melchior e Baltazar), espalhou as suas relíquias de Milão a Colônia, e nos três presentes viu sinais especiais (ouro pela realeza de Cristo, incenso pela divindade, mirra por sua paixão e morte).
O coração do trecho, no entanto, é Cristo e a pergunta à qual se responde de forma dupla: onde o Cristo nasce e de onde ele vem? Ambas as respostas são dadas através da citação do profeta Miquéias, um texto que já conhecemos e que Mateus cita e adapta no versículo 6: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as principais cidades de Judá, pois de ti sairá o Guia que apascentará o meu povo Israel” (Mq 5,1).
Belém, a cidade de Davi, e a descendência davídica são as duas respostas oferecidas: Jesus Cristo é o Messias davídico-real, anunciado pelas Escrituras. Agora destacamos outro dado. Dentro da narrativa e em contraponto, luz e escuridão se opõem, representando o bem e o mal, os dois campos da história. A grande luta da história humana é projetada sobre o menino Jesus e sua mãe, personificada em Herodes e nos Magos.
A cidade de Davi, Belém, se opõe a Jerusalém, a cidade de Herodes. A busca homicida de Herodes é contrastada com a amorosa dos Magos, o medo é substituído pela alegria, a pergunta “onde está o rei dos judeus?” é seguida pela alegre “eles viram o Menino e sua mãe“. A noite é sobreposta pela estrela que ilumina a escuridão, a estrela aponta, mas também desaparece, os sumos sacerdotes e escribas conhecem a verdade sobre o Messias, mas não sabem reconhecê-lo. Assim, ao lado da acolhida, emerge a rejeição, personificada em Herodes, nos sacerdotes e em “toda Jerusalém“.
Mas o ápice é representado pela luz. Na verdade, no fundo da narrativa, paira a estrela sobre a qual a teologia nos informa muito mais do que a astronomia. Alguns recorreram a uma “nova” ou “Supernova“, ou seja, a uma daquelas estrelas fracas e distantes que subitamente, por semanas ou meses, crescem em intensidade visual devido a uma explosão interna colossal. Alguns confiam no cometa Halley (que, no entanto, apareceu em 12/11 a.C.) e outros especulam sobre uma conjunção astral de Júpiter e Saturno, e assim por diante. Na verdade, a referência mais “iluminante” é a Bíblia, talvez ao oráculo do mago Balaão, um pagão como os Magos, que abençoa Israel por vocação divina, dizendo: “uma estrela surge de Jacó, e um cetro se levanta de Israel…” (Nm 24,17). O trecho havia se tornado um texto messiânico no judaísmo. O Apocalipse chama Cristo de “a estrela da manhã” (Ap 2,28; 22,16). A luz então se torna o resumo do Natal de Cristo dentro de toda a tradição cristã.
Desejamos focar neste tema que envolve Maria e seu Menino. A data do Natal, 25 de dezembro, como é conhecida, foi escolhida para substituir a festa pagã do deus Sol, pelo menos a partir do século IV. São Leão Magno, ainda no século V, polemizava com uma prática dos cristãos romanos impregnada de paganismo: eles “antes de entrar na basílica do Apóstolo Pedro no Natal, paravam nos degraus, voltavam-se para o sol nascente e, inclinando a cabeça, inclinavam-se diante dele em homenagem ao seu disco brilhante” (Sermão 27 sobre o Natal). A sua conclusão também vale para nós hoje: “Permite que a luz do corpo celeste aja sobre os sentidos do teu corpo, mas com todo o amor ardente da tua alma, recebe dentro de ti aquela luz que ilumina todo homem que vem a este mundo!“.
Foi assim que o mosaico cristão mais antigo, o do mausoléu dos Giulii (século III), retratou Cristo-Sol, brilhando em sua carruagem triunfante. Foi assim que Maria, como a Igreja, foi representada como a lua na tradição medieval e foi cantada como a “estrela da manhã” nas Litanias Lauretanas, seguindo o título atribuído a Cristo pelo Apocalipse, como mencionado acima. Foi assim que em uma antiga inscrição sepulcral romana, o batizado ali sepultado era chamado de êliópais, “filho do sol“.
Quando em Roma aconteciam as trinta corridas da Agon do Sol, quando o povo se prostrava diante do sol nascente ao amanhecer, a Igreja se reunia para celebrar a manifestação do verdadeiro sol que vinha do seio de Maria. A noite de Natal era iluminada pelo “esplendor de Cristo, a verdadeira luz do mundo“, como dizia a liturgia.
O ventre de Maria na patrística se torna paralelo ao ventre da terra, ou seja, o sepulcro: de ambos, Cristo sai radiante para a vida. Não é à toa que na antiga tradição cristã, Natal e Páscoa estavam intimamente ligados. Em um sermão natalino grego erroneamente atribuído a João Crisóstomo, o luminoso e “primaveril” dom do Natal de Cristo por meio de Maria é exaltado da seguinte forma:
“Após a fria estação do inverno, a luz da suave primavera brilha, a terra brota e fica verde com ervas, os ramos das árvores se adornam com novos brotos e o ar começa a se iluminar com o esplendor do sol. Mas para nós há uma primavera celestial, é Cristo que surge como um sol do seio da Virgem Mãe. Ele dissipou as nuvens frias e tempestuosas do diabo e despertou para a vida os corações sonolentos dos homens, dissolvendo com seus raios a névoa da ignorância”.
O simbolismo da luz, que marca o encontro entre Deus e o homem no nascimento de Cristo, nos leva a outra imagem dominante na narrativa dos Magos, que é a do caminho. A estrela indica um caminho e uma espécie de revelação cósmica, assim como a coluna de fogo que guiava os filhos de Israel no Êxodo. De fato, no texto evangélico, ela é chamada de “a sua estrela” (do Messias). O quadro geográfico que sustenta todo o Capítulo 2 de Mateus é repleto de nomes: Oriente (Babilônia ou Pérsia para os Magos), Jerusalém, Belém, Judeia, Egito, Ramá, Galileia, Nazaré. Mas não é um mapa topográfico fixo; o espaço bíblico é dinâmico, com base na tipologia abraâmica, exódica e escatológica: “Nós somos sempre estrangeiros como nossos pais“, confessa Davi (1Cr 29,15) e a Carta aos Hebreus nos adverte: “Não temos aqui uma cidade permanente, mas buscamos a futura” (13,14).
Também Deus é peregrino com seu povo, nômade com ele através do santuário móvel da arca da aliança; Ele é também “o hóspede que percorre o seu caminho“, batendo à porta para ser acolhido à mesa (Ap 3,20); Ele é o pastor que caminha com seu rebanho, permitindo que o sol também brilhe sobre ele e que a sede aperte sua garganta (Sal 23); em breve, na narrativa de Mateus, Ele se tornará um refugiado no Filho que conhecerá a amargura da perseguição e do exílio.
A jornada dos Magos, assim, simboliza a vida cristã entendida como seguimento, busca, como caminho nas pegadas de Cristo, como desapego das coisas e da inércia. Aqueles que estão convencidos de possuir tudo e ter o monopólio da verdade são semelhantes aos sacerdotes de Jerusalém, frios exegetas de uma Palavra que não os envolve nem converte. Aqueles que estão muito bem estabelecidos na Jerusalém da história não buscam a Jerusalém celestial. Aqueles que estão instalados em sua cidade não precisam de Belém, na verdade, Belém lhes parece uma insignificante cidadezinha provinciana.
No entanto, com os Magos, “muitos virão do oriente e do ocidente e se sentarão à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no Reino dos céus” (Mt 8,11). Entre eles, alguns ainda têm uma fé hesitante e, como Paulo disse em seu discurso em Atenas, “tateiam” em busca de Deus (At 17,27). No entanto, há também o cristão claro, que, mesmo com os silêncios de Deus e o escurecimento temporário da estrela, permanece fiel e, no final, chega ao “Menino e sua mãe“.
O quadro final da narrativa dos Magos é significativo: eles são retratados como crentes perfeitos, “prostrados em adoração” (v. 11). O propósito de sua peregrinação não era procurar uma figura famosa para interrogar ou assistir a espetáculos espetaculares. Não, eles afirmam sem hesitação a quem os questiona: “Viemos adorá-lo” (v. 2).
Isso deveria ser o lema de toda peregrinação, mesmo daquela que muitos frequentemente empreendem para a Terra Santa ou para santuários marianos. Não deveríamos ir em busca de milagres apoléticos ou espetaculares; em vez disso, deveríamos chegar aos lugares santos e santuários para ver o Menino e sua Mãe e adorar o Senhor Jesus. O apelo que encerra um canto de Isaías poderia idealmente resumir as duas dimensões simbólicas da narrativa dos Magos que destacamos, as da luz e do caminho: “Casa de Jacó, vinde! Caminhemos à luz do Senhor!” (Is 2,5).
A luz de Cristo, progressivamente, se refletirá sobre nós e nos iluminará, transformando-nos à imagem de Sua glória, nos impregnando de imortalidade. Sua estrela nos tornará estrelas brilhantes: “Os sábios resplandecerão como o esplendor do firmamento; e aqueles que induziram muitos à justiça, como as estrelas, por toda a eternidade” (Dn 12,3). Amemos na Virgem o reflexo da luz de Deus em sua forma mais pura. Amemos nela a figura da Igreja que Tu nos deste como mãe e da qual Tu nos queres filhos. Maria dá à Igreja um rosto de ternura e de suave luz. Porque, onde quer que estivesses, Maria estava contigo, à luz do Teu rosto, desde o presépio até à cruz, e nem os Magos puderam distraí-la da primeira, nem os soldados afastá-la da segunda. Assim deve ser a Tua Igreja, iluminada pelo Teu rosto e sempre próxima de Ti, uma mãe fiel que nunca se afasta de Ti.
A iconografia da Virgem dos Magos está imersa na luz, mas também é uma expressão clara da fé em Cristo, à qual todos os povos da terra são chamados. A descoberta que os Magos fazem diante dessa imagem, à primeira vista tão cotidiana e familiar, inspirará a tradição cristã a celebrar a alegre chegada das nações a Cristo. A liturgia da Epifania, tão solene nas igrejas do Oriente, atesta isso. Entre as muitas testemunhas, gostaríamos de escolher uma voz menos conhecida. Sob o patrocínio de Teófilo de Alexandria, falecido em 412, chegou até nós um sermão sobre a fuga da Sagrada Família para o Egito, certamente posterior (séculos VI-VII), destinado a ser pronunciado no santuário de Monte Coscam, no Egito, em memória da estadia lendária do menino Jesus como refugiado com seus pais naquele lugar.
Eis como o pseudo-Teófilo exalta o encontro dos Magos com o Menino e sua Mãe: ‘Eles estavam cheios de grande alegria porque viram o menino e, adorando-o, exclamaram: Bendito sejas, ó grande Rei, que dissolverás todos os reinos do mundo! Tu vieste ao mundo para quebrar todo o poder do inimigo, como encontramos escrito nos livros de nossos antigos pais, que foram antes de nós!‘.
O momento desse encontro decisivo, esboçado em poucas linhas por Mateus, florescerá de forma impressionante sob a pena de um dos grandes Pais da Igreja: Efrem, o Sírio (século IV). Trata-se de uma soghita, ou seja, um hino dialogado, que tem como protagonistas Maria e os Magos. A Mãe de Jesus os interpela e revela a eles toda a sua história e o mistério de seu filho. Inicialmente, são os Magos que exaltam Jesus, enquanto Maria reage com humildade, quase os testando. Em seguida, ela os questiona sobre o motivo de sua estranha escolha de viajar em busca do menino; ela também expõe seus medos:
Tenho medo de que Herodes, aquele cão enfurecido, me persiga com sua espada e colha a doce uva antes mesmo de sua maturação completa… Jerusalém é um rio de sangue onde os bons são mortos; assim que ele souber do bebê, o procurará. Falem em segredo, não elevem a voz!’. No final, ela revela plenamente o mistério do Filho, em um diálogo intenso que culmina em um final de paz: ‘Levai a paz a vossas terras, que haja grande paz em vossa terra… Regozije-se a Pérsia com vosso anúncio, a Assíria se alegre! Que o Reino de meu Filho brilhe!….
Não podendo citar integralmente o poema, que consiste em 53 estrofes, citamos apenas algumas passagens do diálogo inicial entre Maria e os Magos.
- Maria: Eu não tenho tesouros reais, nem jamais tive riqueza. Minha casa é humilde e a moradia é pobre. Portanto, não chamem meu filho de rei!
- Magos: Teu filho é um grande tesouro, uma riqueza que enriquece a todos…
- Maria: Vocês veem que o menino está quieto e que a casa da mãe está vazia e pobre; não há nada de real. Como então ele pode ser rei?
- Magos: Sim, é verdade, vemos um menino quieto, doce e humilde, como você diz. No entanto, o vimos acender as estrelas no céu para anunciar uma mensagem.
- Maria: Procurem esse rei entre as nações e depois o adorem. Talvez vocês tenham se enganado de caminho e o rei que nasceu deve ser outro!
- Magos: Acreditem em nós, jovem: a estrela nos conduziu, especialistas, até seu filho sem nunca desviar do caminho, para nos trazer diretamente até aqui!
- Maria: Meu filho é pequeno, não usa coroa e não possui um trono. O que vocês encontram nele para vir oferecer tesouros como a um rei?
- Magos: Ele é pequeno porque assim ele quis, e é um menino doce e humilde enquanto não se manifestar. Virá um tempo em que todas as coroas se inclinarão para adorá-lo.
- Maria: Meu filho não tem exércitos, nem legiões nem hostes, e está quieto à sombra de sua pobre mãe…
- Magos: Os exércitos de fogo de seu filho percorrem o céu. Um deles veio até nós e nos chamou, semeando o terror em nossa terra… Teu filho é antigo, ó Virgem, mais antigo do que os dias e mais velho do que todos. Adão é mais jovem que ele e é teu filho que governa todas as criaturas!
Encantado! Com textos um pouco romanceados faz o entendimento ser mais leve e fluido. Adorei mesmo, sem reticências.