O ano litúrgico em sua origem e ao longo de sua história

O sábado e as festas hebraicas

A contribuição da experiência hebraica é importante para a definição do ano litúrgico, pois ele tem sua origem na história do povo de Israel. Israel se guiava pelo ciclo de sete dias, de origem babilônica, ligado originalmente às fases da lua, fazendo do sábado o dia de repouso e descanso, em memória da narração da criação. Esse dia se tornaria significativo que sua observância servia de base para a qualificação da fé e do culto israelita. O sábado é que fundamentou a teologia do dia semanal festivo reservado à Deus.

As festa do ano cristão também tem sua pré história nas festas judaicas. Israel tomou do ambiente bedíno (nômade) e do ambiente cananeu (sedentário) algumas solenidades ligadas aos ciclos da lua (babilônios) e solares (egípcios). Por conseguinte, as religiões que não se encontram na bíblia, contribuíram para a definição das festas litúrgicas da Igreja, adaptando aos ritos próprios e celebrações estabelecidas pelo povo mediterrâneo dedicado a agropecuária e pecuária. Desse modo, sob a motivação dos eventos aos quais perceberam a entrada de Deus na sua história de modo único e excepcional, o povo de Deus transformou os eventos pagãos em eventos celebrativos, em memória a história sagrada da origem do verão, em que se celebrava a plantação, e outono em que se celebrava a colheita. E assim foram transformados respectivamente nos Ázimos- Páscoa, comemoração da libertação da escravidão egípcia, nas Semanas- Pentecostes (que se relaciona com a aliança do Sinais e o dom da torah) e nas Tendas ou Tabernáculos, que recordam os quarenta anos no deserto. 

A Páscoa de Cristo 

Jesus Cristo viveu as observâncias judaicas, e ao declarar que o cumprimento do preceito do sábado não podia preceder instauração do Reino dos Céus, deu novo significado à Páscoa, a ponto de fazer dela o cerne de interpretação de sua existência  e de sua ação salvífica. A sua Páscoa, mistério de morte e vida, é o acontecimento que recapitula toda a história e estabelece a nova  e eterna aliança, isto é, os tempos últimos. Através da sua vida, alcança o kairós, tempo da graça, em que a salvação plena e definitiva é consolidada. 

Com Jesus Cristo, o ano da graça é de fato inaugurado, passa-se do tempo histórico-econômico para o tempo ritual ou litúrgico. São Leão Magno escreve sobre isso, dizendo: “Aquilo que era visível em nosso Redentor passou para os ritos sacramentais.”

As origens do ano cristão 

Nos primeiros séculos do cristianimo, houve uma intenção de ruptura com a cultura judaica, porém compreendeu-se que a liturgia cristão tinha a sua gênese no Antigo testamento, logo em um estado de continuidade, progresso e superação do judaísmo.

A celebração do domingo de Páscoa 

A origem do ano cristão encontra-se fundamentada no domingo da Ressurreição de Jesus. Desse modo, constituiu-se um novo tempo em uma sequência de domingos em que celebramos continuamente o mesmo evento que inaugura o céu ao povo de Deus. 

Dessa forma, a celebração dos sábados tornou-se obsoleta, pois o grande dia celebrativo tornou-se domingo, o dia do Senhor ressuscitado, anamnese do novo tempo da salvação. O dia do Senhor, o dies dominicus, é a única festa cristã que caracteriza o sacramento do tempo no curso do ano, visto como o tempo pascal. O domingo é a Páscoa que se celebra a cada oito dias. 

Sendo domingo o dia memorial da salvação, a celebração eucarística torna-se a sua expressão central, e é vivida de modo intemporal. Celebrada em um que por si mesmo, constitui um sinal e recebe o seu pleno significado do tempo em que é celebrada. 

O mistério pascal de Cristo, torna-se o centro do cristinianismo e estabelece  o tempo sacramental. Inicialmente, a celebração da Páscoa consistia em uma simples vigília, que celebrava a paixão, morte e a Ressurreição de Jesus Cristo. Mas posteriormente a Páscoa foi precedida de jejum,  e foi estendida por sete semanas, ou cinquenta dias para a celebração de Pentecostes. Nesse prolongamento, em que cada dia é Páscoa, tanto a ascensão ao céu como a efusão do Espírito Santo, constituem  o mistério do tempo pascal. 

As memórias dos mártires 

A esses elementos máximos, se agregou o culto aos mártires. Por terem derramado o seu sangue pela fé, foram assimilados ao Senhor morto e ressuscitado. Por conseguinte, assumem as características da radicalidade cristã em seguir e imitar a vida de Cristo em sua totalidade. 

O desenvolvimento na época Patrística

As festas pascais 

Por influência de Jerusalém, a Igreja que pretendia comemorar in loco, através das estações a sucessão histórica dos momentos da paixão, morte e ressurreição de Jesus, começou a celebrar a vigília pascal em tríduo. Na sexta-feira há a celebração da morte e sepultamento do Senhor, no sábado o repouso no sepulcro e a sua descida aos infernos e a sua ressurreição no domingo. A semana anterior é a semana santa e a posterior a oitava de Páscoa. 

O Natal epifania 

O conjunto das celebrações pascais, foram estabelecidas de um modo fundamentada e cuidadosamente pensando. Porém, com o Natal não aconteceu o mesmo. Essa celebração foi constituída ao longo dos tempos e de forma tardia. 

No início a celebração do Natal e a Epifania aconteciam como um evento pagão. O Natal era a festa do Natalis (solis) invicti, ligada aquilo que no calendário era determinado como solstício de inverno, em que no tempo helenístico o culto ao sol era uma antiga tradição. Inicialmente a origem do Natal no calendário cristão, aconteceu com o objetivo de batizar uma festa pagã que exercia forte atração sobre a população. Posteriormente, na luta antiariana, foi utilizada para celebrar a luz de Cristo, o grande sol que surge do Alto. 

O culto à Virgem e aos santos

Turquia: Peregrinação à primeira Basílica dedicada a Virgem Maria - Vatican  News

O culto à Maria na Liturgia é de alguns séculos posterior ao culto dos mártires. O papel de Maria era evidenciado na celebração dos mistérios da vida de Cristo, principalmente ao que estava ligado à sua infância. Assim, pode-se considerar que com o desenvolvimento da doutrina eclesial, os elementos marianos implicados na cristologia e eclesiologia são anteriores a qualquer mariologia autônoma, da mesma forma que a importância de Maria foi evidenciada na história da Igreja, antes mesmo das celebrações marianas específicas. 

O início do culto mariano pode ser datado no Concílio de Éfeso (431), que se expressa com o título Theotòkos, para indicar o realismo da maternidade divina de Maria. A época em que começou a ter-se novas festas marianas foi na igreja bizantinas, no século IV, em consequência do desenvolvimento da cristologia observada em Calcedônia em 451. Na época, surgem quatro festas principais: Natividade de Maria, Apresentação de Jesus e Dormição, que logo adquiriram grande importância na vida da Igreja. Posteriormente deu-se início a celebração  da apresentação de Maria e a Imaculada  Conceição. A festa da Visitação é posterior no ocidente. 

Na Idade Média e nas épocas recentes 

A nova sensibilidade

Até esse momento, o surgimento das festas cristãs não criava qualquer problema, a não ser a exata compreensão da relação entre tempo e sacramento e o quadro de conjunto das celebrações memoriais colocadas no espaço anual. Posteriormente, a celebração de cada festa, em decorrência do empobrecimento bíblico-litúrgico, passaria a se dar de modo sempre mais fragmentário e periférico. 

A medida que que se adentra na Idade Média, perde-se a importância da história da salvação. O evento do Filho de Deus que se torna homem, deixa de ser visto como base da história, para tornar-se um dado distante e estatístico. Em consequência os eventos da salvação deixam de ser considerados mistérios, para assumir características da humanidade ou divindade de Cristo. 

Nas festas do Senhor que acompanham o curso do ano, chegou-se  progressivamente a ver a vida de Cristo. Isto deveu-se sobretudo à grande importância que o Natal assumiu para o povo de Deus, devido a celebração do nascimento e a  infância de Jesus. Posteriormente, Páscoa começa a assumir um importante momento de devoção religiosa. 

O desenvolvimento das festas da Virgem 

A teologia que fundamenta o culto mariano, fixa-se nos atributos de Maria e no seu papel como medianeira das graças. Oficializam-se as devoções particulares, juntamente com as aparições e revelações privadas. Também surgem as festas marianas, em que a religiosidade supera a doutrina e é estabelecida uma teologia mariana galopante. 

As festas dos santos 

As festas dos santos teve também um grande crescimento devido a cultura devocional que aos poucos foi assumindo grande proporção. O modo como as práticas de culto aos santos foi tomando maior dimensão, apresentaram sinais de retrocesso, pois eles eram considerados heróis implacáveis, deixando de ser observado pelo povo, os mistérios da vida de Cristo e os ensinamentos evangélicos. Passou-se a recorrer mais a intercessão secundária através da Virgem Maria, os anjos, santos e as almas do purgatório. Deixando de contemplar e recorrer ao mistério da da mediação homem-Deus. 

As várias festas instituídas invadiram o calendário litúrgico, a ponto de quase anular o primado do tempo litúrgico. Por conseguinte, houve um grande enfraquecimento das celebrações e sua importância, adotando apenas um caráter da sensibilidade popular devocional.

Conclui-se através da origem dos conteúdos do ano litúrgico e o seu desenvolvimento na história, a suma importância que deve ser dada ao mistério revelado em Jesus Cristo. Pois sendo Ele, o centro da celebração e vida cristã, a falta de conhecimento, bem como a sensibilidade devocional, permitiu com que no decorrer da história, o evento da salvação, pudesse tornar-se secundário. Entretanto, imbuídos pelo desejo da verdade e de amar Cristo e sua Igreja, a Virgem Maria e a permanente decisão de comungar da doutrina ensinada por Aquele que é a Boa Nova, precisamos nos comprometer com que o ano litúrgico em toda a sua dimensão seja sempre um momento celebrativo que nos faz viver aquele primeiro domingo, em brilhou para nós a Ressurreição do Senhor. 

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Responses

  1. A importância de conhecermos sobre o Ano Litúrgico ao longo da sua história, contribuir para que possamos ter uma visão global da história da Salvação, contribuindo assim para o nosso crescimento integral com Cultores Mariológicos. Gratidão a excelente iniciativa da Carolline Muniz pela postagem!

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