São José e Maria, incompreenderam as palavras de Jesus?

Depois dos dias angustiantes que Maria e José passaram procurando Jesus, a primeira sensação que tiveram ao encontrá-lo no templo foi, sem dúvida, de imenso alívio. O peso que oprimia o coração derreteu-se como neblina aos primeiros raios do sol, dando origem a esse relaxamento interior particular que se sente quando a tensão causada por um conflito é menor.

Eles, Maria e José, a princípio reagiram apenas instintivamente à visão de Jesus, encontraram-no e toda a ansiedade desapareceu com a causa que a havia provocado. Foi a primeira reação, natural e espontânea, quase involuntária: assim como sentimos bem-estar quando uma dor física é aliviada ou desaparece. Mas então, e não porque a tranquilidade redescoberta se desvaneceu, mas justamente por causa dela, um outro sentimento abriu caminho, passo a passo, sobretudo no coração da Virgem, mas também em José.

O que eles viram quando chegaram ao templo? Jesus sentado com as outras crianças, com a intenção de ouvir e interrogar os doutores; e com isso eles, Maria e José, se alegraram e ficaram maravilhados. Mas houve algo que veio depois, depois do alívio e admiração; algo que, talvez por contraste, eles foram capazes de perceber. A consternação daqueles dias, só isso, contrastava com a tranquilidade de Jesus; e bem diferente da agitação incessante da busca, apareceu a calma do Menino, que parecia ouvir os rabinos com toda a facilidade, como se essa fosse sua ocupação habitual. Inquietação, preocupação, e desconforto físico: em suma, a perda de Jesus causou-lhes um verdadeiro sofrimento; por outro lado, uma paz evidente transpirou de Jesus. Eles sentiram falta disso com uma intensidade dolorosa; mas não parecia que estivessem faltando. Eles haviam sofrido por Ele, e Ele não demonstrou que havia sofrido por eles. Isso era inexplicável, isso os desconcertava; porque até então havia entendimento, e os três viviam em uníssono, em plena confiança, sem mal-entendidos. Agora, pelo que eles viram, esse entendimento foi quebrado. Era necessário notar como Jesus nem sequer pensara que, indo embora sozinho e permanecendo em Jerusalém sem dizer nada, lhes estava causando preocupação e ansiedade; e era muito estranho n’Ele, que nunca havia mostrado nenhuma insensibilidade. Foram eles, Maria e José, que sofreram; não Jesus, assim aparentava.

É provável que Maria e José tenham sofrido essa situação de maneira diferente. A Virgem estava mais unida a Jesus do que José e, sobretudo, sua união possuía uma intensidade e características que não poderiam existir em José. Este último, por sua vez, como se pode deduzir dos relatos evangélicos, estava ciente dessa diferença. O próprio fato de ter sido a Virgem Maria quem se dirigiu a Jesus, e não aquele que também era o chefe da família, parece sublinhar, em José, a consciência de um limiar além do qual não lhe era possível operar com o mesma confiança e conaturalidade, que eram reservadas à Virgem. Foi a Mãe quem perguntou a Jesus:

«Filho, por que nos fizeste isto? Eis que teu pai e eu, ansiosos, te procurávamos».

Ele era uma criança de doze anos, e uma criança de doze anos não pode agir por conta própria, independentemente de seus pais, nem pode valer-se de uma autonomia que não tem para resolver sozinho os problemas que não diz respeito apenas a ele. A surpresa dos pais – e de certa forma uma nova dor, distinta da anterior, mas não menos real – veio com a constatação de que Jesus não se perdera, mas permanecera deliberadamente em Jerusalém sem pedir permissão, sem sequer informá-los. Reclamaram sobretudo disso, porque parecia implicar um teste de desconfiança, alguma reserva, o medo hipotético de que se opusessem aos seus desejos. Que outra explicação dar, caso contrário? E quanto lhe custaria manifestar o desejo de parar no templo, com os rabinos, para ouvir a exposição das Escrituras?

Assim, o apelo sincero da Nossa Senhora e a atitude de José tornam-se compreensíveis. Este último, subordinado e ciente disso, absteve-se de tomar a iniciativa. Reaparece o traço típico daquele homem justo, que nunca ultrapassou os limites atribuídos à sua tarefa, demonstrando ao mesmo tempo grande sensibilidade e ponderação em nunca interferir na intimidade de Jesus com a Virgem. Não cabia a ele pedir uma explicação a Jesus, nessa parte do episódio, portanto, José ainda era um espectador; mas certamente não um estranho. Ao contrário dos simples curiosos, nele não havia desinteresse nem indiferença. Ele estava mais do que interessado, ele estava envolvido, pois sua existência estava inextricavelmente ligada às de Maria e Jesus: nada que os tocasse lhe era estranho. Apesar disso, ele não interveio, e sob esse único aspecto podemos dizer que ele atuou como espectador. Em harmonia com seu caráter, ele terá dominado aquelas reações instintivas e naturais que surgem espontaneamente, mas das quais, mais tarde, a pessoa é muitas vezes forçada a se arrepender.

A resposta de Jesus também é desconcertante para nós; e assim permanece apesar de todas as explicações dos exegetas.

“Por que me estais procurando? Não sabíeis que eu tenho que cuidar das coisas do meu Pai?” (Lc 2,49).

Não foi uma resposta desrespeitosa e, no entanto, foi uma resposta muito significativa. Pela primeira vez, Jesus mostrou na melhor das hipóteses o que ele era: o Redentor, enviado pelo Pai para salvar os homens, e como tal não sujeito a nenhuma criatura.

Ele enfatizou essa independência no que podemos considerar o primeiro ato realizado mais como o Unigênito do Pai do que como filho da Virgem Maria. Essa resposta parece sublinhar os limites dentro dos quais Maria e José, no futuro, teriam que exercer sua autoridade e lembrar o que eles sabiam: que Ele veio, antes de tudo, para cuidar da obra que foi confiado a ele, e que, sendo quem ele era, sua obediência ao Pai não estava sujeita à autorização das criaturas. Isso ainda que as criaturas fossem excelentes como Maria e José, pois seu papel, embora importante no contexto da Redenção, não lhes dava o direito de conhecer os planos e decisões de Deus, se não fosse Ele quem os comunicasse, nem, muito menos, dava-lhes o direito de autorizá-los.

Muito significativa é a expressão com que São Lucas documenta a reação de Maria e José à resposta de Jesus:

«Mas eles não entenderam as suas palavras».

Além disso, essa falta de compreensão não parece ter sido um problema. Eles não precisavam se importar muito em não entender aquelas palavras de Jesus; bastava saber que esse episódio singular tinha uma explicação, ainda que incompreensível para eles. E mesmo assim a atitude deles é uma esplêndida lição. Exegetas e comentadores evangélicos interpretam cada um à sua maneira essas palavras de Jesus.

Mas eles não entenderam as suas palavras. Será talvez uma passagem análoga do Evangelho para nos ajudar, uma passagem que poderia nos introduzir melhor no sentido da expressão e, sobretudo, mostrar-nos o comportamento de Maria e José numa luz benéfica para nossas vidas. Quando Jesus começou a revelar aos discípulos o mistério da Redenção, dizendo-lhes que convinha que o Filho do homem fosse entregue aos gentios, torturado e crucificado, para ressuscitar ao terceiro dia, aconteceu que os discípulos assim contaram ao evangelista – eles não entenderam isso, disse-lhes:

«eles, porém, não entendiam essa palavra e era-lhes obscura, de modo que não alcançaram o seu sentido; e tinham medo de lhe perguntar a esse respeito» (Lc 9,45).

É claro que eles entenderam todas as palavras e cada uma delas, como também entenderam as várias conexões das palavras e frases; e ainda assim eles não entenderam o que ele significava para eles. Sem dúvida, a Virgem e São José entenderam cada palavra da resposta de Jesus e, portanto, entenderam toda a frase como um todo; mas eles não entenderam o que ele queria comunicar a eles com isso. O que lhes escapou foi o sentido do que ele estava dizendo.

Não é estranho. Jesus tinha doze anos e nunca antes havia falado assim. Não eram palavras de uma criança, mas de um adulto, ditas com consciência do que dizia (e de quem era) e com autoridade, e não estavam acostumados a um modo de falar como Jesus quis assumir em aquela circunstância. Foi uma surpresa, talvez, porque eles esperavam – quem quer que o esperasse – que a doce e dolorosa repreensão da Virgem fosse seguida de palavras de desculpas pelo que aquela ausência lhes custou, alguma explicação daquela ação solitária e autônoma, que ele os havia deixado de lado. Mas essa resposta, que teria sido chamada – de acordo com nossa maneira humana de ver as coisas – a mais adequada e plausível, não veio, e veio uma muito diferente e, portanto, completamente inesperada.

Foi como um relâmpago, um choque, um aviso para não repousar na serenidade dos anos de Nazaré, tão felizes, ao longo dos quais Jesus se desenvolveu sem manifestar, em termos de origem e dignidade, qualquer sinal menos do que comum, é natural. Ele os lembrou quem Ele era, o Filho Unigênito do Pai, o próprio Deus. Maria e José foram dados a perceber que algo havia acontecido, que algo havia começado a amadurecer, que escapava tanto ao seu entendimento quanto à sua autoridade.

Mas eles estavam envolvidos pelo mistério e não importava que não entendessem a resposta de Jesus. Como as crianças, bastava que soubessem que existia uma resposta, mesmo que não a entendessem.

E deve ser suficiente para nós também. Bastaria para nós sermos confiantes, mas não somos, e por isso às vezes nos aborrecemos e nos irritamos, perdemos a paz e nos entregamos a muitas perguntas perturbadoras a ponto de nublar nossas mentes, atrapalhar o simples olhar de fé. Chegam momentos, na vida de um homem, em que a dor, a oposição, a injustiça ou o infortúnio ferem a alma: experimenta-se, então, a impotência para combater um dano injusto que vem de fora e parece ajudar o homem que tenta agir com justiça vê-se derrubado e pisoteado por pessoas astutas e sem escrúpulos, enquanto, além disso, é chamado de tolo porque não recorre a meios eficazes, aqueles que levam ao triunfo e ao sucesso. Ou então são golpes que vêm de todos os lados e atingem as pessoas que você ama, pelas quais você é responsável. Parece esmagado. Precisamente estes são os momentos em que a tentação se insinua e, ao mesmo tempo, os momentos em que se mede a qualidade de um homem. 

Há problemas, surgem perguntas, que não são fáceis de responder. Há também respostas, que são verdadeiras em si mesmas, mas não são suficientes. A existência do mal, por exemplo (é uma maneira de dizer: o mal, consistindo na ausência do bem, é como um vazio que deveria estar cheio): porque Deus o permite, se pode impedi-lo? O sofrimento dos inocentes: por que o permite? É verdade que não faltam explicações. Os teólogos apresentam argumentos impecáveis ​​e, no entanto, o mero raciocínio não é suficiente. O homem não compreende, talvez, porque não é formado apenas de intelecto; porque muitas vezes o intelecto não consegue se impor ao que o coração sente, ou porque seus limites intrínsecos o impedem de ir à raiz da resposta.

Mas a confiança inabalável em Deus é raiz e meta de toda a existência cristã porque se baseia na fé da ação de Deus em nós e não nas nossas forças nem na nossa compreensão.

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